sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ENESC

O fato de eu ser Secretário do Grêmio me tornava - junto com os demais membros da diretoria - um representante dos alunos e candidato preferencial a participar de eventos fora do Colégio ou da cidade. Foi por esta razão que, em meados de 1972, fomos para Florianópolis participar do I Encontro de Estudantes Secundaristas Catarinenses. A grande discussão era a instituição do ensino profissionalizante no 2º grau. A entidade promotora do encontro era um certo CECUCA (Centro de Cultura Catarinense). Hospedei-me na casa de minha irmã e levei junto um colega do movimento estudantil (hoje penso no quão aborrecido para ela deve ter sido hospedar aqueles dois adolescentes).
Como todo encontro de estudantes, o evento se desenvolvia meio secretamente e num clima de apreensão. Além disso, havia temas proibidos e termos permitidos. Falar em temas proibidos podia significar problemas, aí incluído o sumiço do falante (e até do ouvinte). Pois bem, ao fim do encontro, Itajaí foi escolhida para sediar o II ENESC.
Em 1973, logo no início do ano, começamos os preparativos, elegendo a diretoria do encontro: Carlos Alberto (Beto) Rebelo ficou na presidência e eu na Secretaria Geral.
Ao lado das incumbências naturais deste tipo de evento (obter a lista dos colégios em todo o Estado de Santa Catarina, fazer cartazes, conseguir hospedagem, comida etc para os cerca de 200 participantes previstos), havia o problema adicional de lidar com a ditadura.
Qualquer encontro de estudantes era visto como um perigo em potencial para o sistema. Assim, Beto teve que ir várias vezes a Florianópolis obter a liberação da DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) para o encontro. Todos os palestrantes tinham que ser liberados pela ditadura, depois de profundas "investigações" em suas vidas.
Um dia, 7h30min da manhã, eu estava entrando no Colégio, quando aparece um Delegado de Polícia. Disse-me para comparecer à Delegacia Regional de Polícia. Morto de medo, perguntei se podia ser às 10 horas da manhã, para que eu pudesse assistir às duas primeiras aulas. Ele concordou. Mas eu nem consegui prestar atenção à aula, imaginando-me já sob interrogatório na polícia ou levando um sumiço (e eu tinha só 16 anos).
Às dez horas estava na Delegacia, sentado numa poltrona, esperando ser atendido. Fui chamado pelo Delegado que me avisara (que, suponho hoje, devia ser sub-delegado) e por um outro, que sei que era o titular. Eles passaram a ler a lista de palestrantes, dizendo o que cada um fazia etc, certamente para me mostrar que tudo investigavam e de tudo sabiam (e se estava em Itajaí, uma cidade de médio porte, no interior de Santa Catarina, mas que, mesmo assim, despertava a preocupação do regime militar). Passaram a me alertar para, durante o Encontro, não criticar o governo, pois isso iria dar problema, não fazer isso, não fazer aquilo (não se sabia o que iriam fazer com a gente caso não fossem respeitadas as proibições).
Saí da Delegacia ainda assustado, mas ileso. Já era uma grande coisa!
Mandamos convites para 200 colégios secundaristas que havia no Estado de Santa Catarina. Calculávamos que viesse pelo menos um aluno de cada colégio e conseguimos que o Supermercado Vitória doasse um jantar para 200 pessoas.
No dia da abertura apareceram só 17 estudantes, todos dizendo que souberam do Encontro por meios informais e que seus colégios não haviam recebido os convites. Depois fomos sabendo que nenhuma escola das que endereçamos convite os havia recebido. Mas fui eu mesmo quem colocou os 200 convites no correio (todos, infelizmente, com um carimbo do Encontro, dizendo, portanto, do que tratava o conteúdo... )
Mesmo com os 17 participantes, começamos o encontro numa quinta-feira de manhã. Houve a primeira palestra. Logo em seguida Beto, o presidente, me procurou dizendo que havia recebido ordens para encerrar o encontro. O motivo era o que se dava para tudo vindo da ditadura: razões de segurança. Mas não se poderia dizer aos participantes que o encerramento se dava por ordem da DOPS, nem, pois, que era por motivos de segurança. E mais: quem deveria dar a notícia era eu. Como sempre, não se sabia o que iria acontecer conosco se desobedecêssemos as ordens.
Então, me postei na frente dos 17 participantes e disse que, como tinha pouca gente, não valia a pena continuar o encontro. Alguns me inquiriram com desconfiança sobre os reais motivos, mas eu insisti que era aquilo mesmo.
Dias depois o delegado que fora ao colégio me chamar, voltou a me procurar, pedindo que lhe remetesse a nome completo dos membros da diretoria do Encontro e dos respectivos pais, seus endereços e telefones. Era a face preguiçosa e ineficiente da ditadura que aparecia pela primeira vez para mim. Desta vez tomei coregem e desobedeci. O Delegado só não está esperando até hoje pelas informações, porque morreu.

Um comentário:

  1. Olá Brandão! Estou muito contente em ler esta magnífica reportagem do ocorrido logo após minha saída de Itajaí. É como se eu estivesse presente aí com vocês.Tenho muitas saudades daquela época. Concluí o 3o. científico em 71 e saí de Itajaí em fevereiro de 1972 para estudar e trabalhar em SP.
    Abraços

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