segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A TITULARIDADE E O EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE


TEMER (1) informa que se costuma distinguir a titularidade e o exercício do Poder Constituinte

O titular seria o povo. Exercente é aquele que, em nome do povo, implanta o Estado, edita a Constituição. Esse exercício pode dar-se por vias diversas: a) pela eleição de representantes populares que integram “uma Assembléia Constituinte” ou b) pela revolução, quando um grupo exerce aquele poder sem manifestação direta do agrupamento humano. 

1 - TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo, RT, 7ª edição, 1990, pp. 33-34.

domingo, 30 de outubro de 2011

LIMITAÇÕES AO PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL

Para o operador do direito, interessa saber quem pode e como pode reformar a constituição e qual a tendência de julgamento do Supremo Tribunal Federal (1) caso este venha a apreciar a reforma.
Quem pode reformar a Constituição da República Federativa do Brasil, segundo as próprias disposições da carta, é o Congresso Nacional (artigo 60, § 2º). Mas esta emenda só pode ser votada se a proposta for feita por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal ou pelo Presidente da República ou por mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros (artigo 60, I, II e III da C.R.F.B.). Mas não pode haver emenda da constituição na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio (art. 60, § 1º). Além disso, não pode haver proposta de emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.E, satisfeitas todas estas condições, a proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
A tendência de julgamento do Supremo Tribunal Federal, mani-festada na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 981 MC/PR, em que foi Relator o Ministro Néri da Silveira (2) é a seguinte:


EMENDA OU REVISAO, COMO PROCESSOS DE MUDANCA NA CONSTITUICAO, SAO MANIFESTAÇÕES DO PODER CONSTITUINTE INSTITUIDO E, POR SUA NATUREZA, LIMITADO. ESTA A "REVISAO" PREVISTA NO ART. 3. DO ADCT DE 1988 SUJEITA AOS LIMITES ESTABELECIDOS NO PARAGRAFO 4. E SEUS INCISOS, DO ART. 60, DA CONSTITUICAO. (...) AS MUDANCAS NA CONSTITUICAO, DECOR-RENTES DA "REVISAO" DO ART. 3. DO ADCT, ESTAO SUJEITAS AO CONTROLE JUDICIAL, DIANTE DAS "CLAUSULAS PETREAS" CONSIGNADAS NO ART. 60, PAR. 4. E SEUS INCISOS, DA LEI MAGNA DE 1988. 
SILVA (3) lembra que a doutrina classifica as limitações do po-der de reforma em três grupos: temporais (artigo 174 da Constituição de 1824: só após 4 anos de sua vigência podia ser reformada – única ocorrência no Brasil, segundo o referido autor), circunstanciais (proibição de reforma durante o estado de sítio, por exemplo) e materiais (quais dispositivos podem ser reformados). Ainda segundo SILVA, as limitações materiais podem ser explícitas (os casos do art. 60, § 4º, acima mencionados) e implícitas (proibição de mudar o titular do poder constituinte, o titular do poder reformador e processo de emenda). Mesmo a revisão constitucional ocorrida em 1994 respeitou as limitações explícitas e as implícitas do poder de reforma. 
BONAVIDES (4) lembra que já no século XVIII Vattel, Sieyès e Rousseau admitiam a reforma da constituição.

1 - Constituição da República Federativa do Brasil, art. 102, I.
2 - Julgamento em 17/12/1993, Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO; Publicação:  Diário da Justiça de 05-08-94, p.19299 – obtida no site www.stf.gov.br.
3 - SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros, 9 ed., 1994, p. 60.
4 - BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 7 ed., 1997, pp. 173-174.


sábado, 29 de outubro de 2011

PODER CONSTITUINTE DE REFORMA (DERIVADO)


O poder constituinte derivado é o poder de reformar a constituição. É chamado de “derivado” porque deriva do originário e dele retira a força que tem. FERREIRA FILHO* entende que é uma impropriedade chamar o poder constituinte derivado de “poder constituinte”.

*FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.  São Paulo, Saraiva, 20 ed., 1993

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO (FUNDACIONAL)


Segundo FERREIRA FILHO*, poder constituinte originário é o poder que edita Constituição nova substituindo Constituição anterior ou dando organização a novo Estado. É fundacional porque dá origem à organização jurídica fundamental.

* - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.  São Paulo, Saraiva, 20 ed., 1993, p. 20.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

ANTECEDENTES DO PODER CONSTITUINTE

CANOTILHO (1) aponta como antecedentes da idéia de poder constituinte as obras de Locke e Sieyès. Informa que Locke sugeriu a distinção entre poder constituinte do povo (poder de o povo alcançar uma nova forma de governo) e o poder ordinário do governo e do legislativo (encargo que ambos têm de prover a feitura e a aplicação das leis). E os pressupostos teóricos de um supreme power (Locke) seriam:
1) o estado de natureza (state of nature) é de caráter social;
2) neste estado de natureza os indivíduos tem (sic) uma esfera de direitos naturais (property) antecedentes ou preexistentes à formação de qualquer governo;
3) o poder supremo é conferido à sociedade ou comunidade e não a qualquer soberano;
4) o contrato social através do qual o povo “consente” o poder supremo do legislador não confere a este um poder geral mas um poder limitado e específico e, sobretudo, não arbitrário;
5) só o corpo político (body politic) reunido no povo tem autoridade política para estabelecer a constituição política da sociedade.

os momentos fundamentais da teoria do poder constituinte de Sieyès são os seguintes:

 1) recorte de um poder constituinte da nação entendido como poder originário e soberano
2) plena liberdade da nação para criar uma constituição, pois a nação ao “fazer uma obra constituinte”, não está sujeita a formas, limites ou condições preexistentes.

FERREIRA FILHO (2) dá somente Sieyès a paternidade da idéia de poder constituinte.

1 - CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra. Almedina, 7ª edição, 2003, pp. 72-73.
2 - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.  São Paulo, Saraiva, 20 ed., 1993, p. 19.



quarta-feira, 26 de outubro de 2011

NATUREZA JURÍDICA DO PODER CONSTITUINTE


Sempre convém lembrar que a expressão “natureza jurídica” é de certo modo inapropriada para o Direito, pois o Direito não é uma ciência da natureza e sim uma ciência moral.
FERREIRA FILHO (*) inicia a explanação da natureza jurídica do poder constituinte com a seguinte indagação: o poder constituinte é um poder de fato ou de direito? E dá duas alternativas: Para quem entender que o Direito só é Direito quando positivo, a resposta é que o Poder Constituinte é um poder de fato, no sentido de que se funda a si próprio, não se baseando em regra jurídica anterior. Para os que admitem a existência de um Direito anterior ao Direito positivo, a solução é que o Poder Constituinte é um poder de direito, fundado num poder natural de organizar a vida social de que disporia o homem por ser livre. FERREIRA FILHO adota a segunda opção.
Aqui cabe indagar se é possível a existência de um direito natural, uma regra jurídica preexistente ao homem. Pensemos nos índios e nos habitantes do Congo e do Ndongo no Século XVII: em regra, não havia entre eles o direito de propriedade. Estes povos não poderiam servir de fundamento fático para as disposições do artigo 17, I, da Declaração dos Direitos Humanos da ONU, segundo o qual Todo o homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros?  E seria correto submeter aqueles povos a tais disposições? 
A questão é que não há fenômeno jurídico que tenha uma “natureza”. O direito é um produto da criação humana e, portanto, será fruto da sociedade em que existe, das concepções, valores e práticas desta sociedade.

* - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.  São Paulo, Saraiva, 20 ed., 1993, p. 20.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE


Conforme assinala BONAVIDES (1), a teoria do poder constituinte é basicamente uma teoria da legitimidade do poder. E acrescenta o mesmo autor: A teoria do poder constituinte empresta dimensão jurídica às instituições produzidas pela razão humana. 
A teoria do poder constituinte é uma explicação (ou uma persuasão?) de que quem detém o poder de elaborar uma constituição é o povo e não o príncipe (ou um tirano, ou ditador ou uma oligarquia). Em CANOTILHO (2) há preciosa explicação sobre a teorização do poder constituinte pelo inglês John Locke e pelo Abade Sieyès (francês). E, entre suas considerações, o autor lusitano assevera que Se em Locke a sugestão de um poder constituinte aparecia associada ao direito de resistência reclamado pelo radicalismo whig, em Sieyès a fórmula pouvoir constituant surge estreitamente associada à luta contra a monarquia absoluta.
Na verdade a teoria do poder constituinte, como qualquer teoria, tem que funcionar no mundo dos fatos. E, em regra, as teorias jurídicas que nos são apresentadas funcionaram em outros países. O que funcionou no Brasil, em regra, não é estudado ou teorizado.  Mas o estudo de nossa história constituinte permite verificar que o poder constituinte aqui se exerceu sem grandes rupturas com a ordem anterior: a Constituição de 1824 transitou do absolutismo para a monarquia constitucional e mantendo o mesmo Imperador que era Regente de um Monarca Absoluto; a República foi proclamada por um golpe militar; a Constituição de 1934 foi precedida de um golpe de Estado (1930) e sucedida por outro golpe (1937), com a elaboração de uma Carta Constitucional a mando do Presidente da República que chefiou os dois golpes; quatro anos depois de elaborada a Constituição de 1946, o golpista de 1937 volta à Presidência da República, pelo voto popular; novo golpe de Estado em 1964 traz ao poder dois partidos políticos então na oposição (UDN e PSD que se transformaram em ARENA); o Presidente da República que sucedeu os Presidentes impostos pelos golpistas de 1964 tinha sido presidente do partido de sustentação ao governo militar. Além disso, nem sempre a legitimidade – ainda que formal – foi preocupação de quem exerceu o poder constituinte: a primeira Assembléia Nacional Constituinte não promulgou a primeira constituição, que foi elaborada por uma comissão designada pelo imperador e a primeira constituição republicana foi resultado de um projeto que já chegou pronto ao Congresso Constituinte. 

1- BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 7 ed., 1997, pp. 120.
2 -   CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra. Almedina, 7ª edição, 2003, pp. 72-73.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Titularidade do Poder Constituinte


O Poder Constituinte, segundo  FERREIRA, é um poder que cria inicialmente a ordem jurídica. É ilimitado, soberano e incondicionado (1). Na prática, porém, subsistem limitações da ordem jurídica anterior ou mesmo das forças sociais. De se lembrar que o Código Penal surgido com a ditadura Vargas na década de 1940 (2), o Código de Processo Penal (3), da mesma época, o Código de Processo Civil (4), surgido em 1973 – auge da ditadura militar – sobreviveram à Constituição de 1988. Exemplo notável das limitações que a ordem jurídica anterior ou mesmo as forças sociais impõem à Constituição, foi a limitação dos juros bancários (art. 192, § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil), segundo a qual as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderiam ser superiores a 12%. Esta limitação nunca produziu resultados no mundo dos fatos até ser revogada pela Emenda Constitucional nº 40, de 29.5.03.

O titular do poder constituinte é o povo. Teoricamente, povo, em sentido político, são grupos de pessoas que agem segundo ideais, interesses e representações de natureza política.  E só o povo real – concebido como comunidade aberta de sujeitos constituintes que entre si “contratualizam”, “pactuam” e consentem o modo de governo da cidade -, tem o poder de disposição e conformação da ordem político-social (5). Dogmaticamente, segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 05.10.1988, “povo” são os eleitores:

Art. 1º - (...)
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo...

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos...

Ainda segundo a Constituição da República Federativa do Brasil, são eleitores e, portanto, povo e cidadãos, os brasileiros natos ou naturalizados, maiores de dezesseis anos (alfabetizados ou não), de ambos os sexos, salvo quando conscritos, durante o período do serviço militar obrigatório.

1- FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 12 ed., 2002.
2- Decreto-Lei no 2848, de 07.12.1940.  
3- Decreto-Lei no 3689, de 03.10.1941.
4- Lei no 5869, de 11.01.1973.
5- CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra. Almedina, 7ª edição, 2003, pp. 75-76.

domingo, 23 de outubro de 2011

CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE


   Pela sua objetividade e obviedade, convém reproduzir o conceito de FERREIRA (1) para poder constituinte: O poder constituinte é o poder de elaborar uma Constituição. É um conceito de desconcertante neutralidade, mas que, com alguma reflexão, se percebe ser de grande realismo. Vejamos o próprio FERREIRA, ao explicitar seu conceito: É a expressão da vontade suprema do povo social e juridicamente organizado. Ou o conceito de CANOTILHO (2): é a soberania constituinte do povo. Tanto na segunda acepção de FERREIRA quanto na de CANOTILHO, a linguagem deixa de ser descritiva para ser prescritiva. Por que isto? Ora, independentemente de quem elabora, uma Constituição que entre num sistema jurídico pela força de uma ditadura ou pela juridicidade de uma eleição universal e democrática, será uma Constituição, ou pelo menos ter-se-á que aceitá-la como uma constituição. Vejamos nossa realidade histórica: 
  • a primeira constituição brasileira, ou seja, a Imperial, de 25.03.1824, foi elaborada pelo imperador D. Pedro I;
  • a Constituição de 1891 foi convocada por Decreto do Presidente que tomara o poder pela força [Deodoro da Fonseca, após proclamação da República - Decreto nº 1, de 15.11.1889 e Decreto nº 78B, de 21.12.1889 – nestes mesmos decretos, foram considerados eleitores os cidadãos alfabetizados,  mas o eleitorado correspondia a 5,5% da população (3)];
  • o mesmo aconteceu com a constituinte que elaborou a Constituição de 1934 (Decreto nº 21.402, de 14.05.1932), após a tomada do poder por Getúlio Vargas, em 1930 – o eleitorado correspondia a 13% da população);
  •  a Constituição de 1937 foi fruto de um novo golpe de Estado, em que Getúlio Vargas outorgou a carta e passou a exercer os três poderes; 
  • a constituinte que elaborou a Constituição de 1946 foi convocada pelo Presidente da República – apesar de o ato convocatório ter o nome de lei (Lei Constitucional nº 13, de 12.11.1945) – o eleitorado correspondia a 16% da população);
  • em 1966, pelo Ato Institucional nº 4, de 07.12.1966, houve a Convocação do Congresso Nacional para discussão, votação e promulgação do Projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República  [este congresso foi eleito por 25% da população (4)]; e
  • em 1969, os três ministros militares, que assumiram o poder em lugar do Vice-Presidente, praticamente refizeram a Constituição de 1967 autocraticamente. 
  • E, como acima já foi informado, a constituinte que elaborou a Constituição de 1988 foi convocada pelo Congresso Nacional  – EC nº 26, de 27.11.1985 e o eleitorado correspondia a 51,76% da população (5). 


   Com ou sem vontade, porém, todas estas cartas, independentemente de sua fonte e da legitimidade desta fonte, tiveram que ser chamadas de “Constituição” e tiveram que ser respeitadas como tal. Assim, mesmo sem legitimidade, mesmo que “tecnicamente”, ou historicamente, ou teoricamente, não pudesse ser chamado de “poder constituinte”, o fato é que, quem fez esses documentos jurídico-políticos, acabou gerando as diversas Constituições acima mencionadas. Donde a objetividade do conceito de FERREIRA, acima mencionado.

1 - FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 12 ed., 2002, p. 18.
2 - CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra. Almedina, 7ª edição, 2003, p. 72.
3 - PAIVA, Maria Arair Pinto. Direito Político do sufrágio no Brasil (1822-1982). Brasília, Thesaurus Editora, 1985, p. 224.
4 - SEGATTO, José Antônio. O processo eleitoral. Folhetim, (Folha de São Paulo),  São Paulo, (417): p. 4-5, 13/01/1985.
5 - Segundo pesquisa realizada por Adelita Schirley Araujo dos ANJOS, a população do Brasil, em 1986, 134.016.375 habitantes (valor estimado) e o eleitorado compunha-se de 69.371.495 de pessoas.

sábado, 22 de outubro de 2011

Pulverização do Poder


O filósofo francês FOUCAULT (1) colocou em discussão outra nuance do poder: A questão do poder fica empobrecida quando é colocada unicamente em termos de legislação, de Constituição, ou somente em termos de Estado ou de aparelho de Estado. O poder é mais complicado, muito mais denso e difuso que um conjunto de leis ou um aparelho de Estado. (original não grifado)
Temos, pois, o conceito de poder (produção de resultados), a prescrição de que deve ser legítimo; a informação de que a legitimidade pode ser formal ou material e a noção de que o poder se difunde pelo corpo social, não se concentrando, pois, só no Estado

1 - FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado.  Rio de Janeiro, Edições Graal, 3ª edição, 1982, p. 221.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Prescrição e Descrição; a Legitimidade do Poder


Quando se diz o que é o poder temos uma  descrição (2) do Poder. Mas é interessante registrar a prescrição que PASOLD faz a respeito do poder: o Poder é legítimo quando os meios utilizados e os efeitos obtidos pelo detentor do Poder correspondem aos Valores que lhe conferiram o Poder. Valor é a qualidade pela qual determinada pessoa ou coisa é estimável em maior ou menor grau. Valor é aquilo que é importante para nós e que podemos colocar em ordem de importância. O estudo dos valores se chama axiologia. Percebemos, também, que legalidade e legitimidade não são sinônimas: legalidade é aquilo que está de acordo com a lei; legitimidade é correspondência a valores, é sustentação do poder sobre os valores de que partilham os membros de uma dada sociedade. A legitimidade pode ser formal ou material: formal, quando, na forma, na formalidade, há legitimidade (por exemplo: o eleitorado é formado por 60% da população, portanto, a maioria da população opina sobre os destinos do país); material, quando o eleitor tem consciência daquilo em que está votando (por exemplo: ao votar num deputado, sabe que ele será legislador, sabe quais são as atribuições de um legislador e sabe quais são as propostas desse deputado para quando se tornar legislador). A medição da legitimidade se dá por seis meios: as medidas clássicas, que são  (I) a eleição secreta, direta, universal e periódica; (II) o plebiscito; (III)  o referendo; e as medidas não-ortodoxas, que são (IV) a pesquisa de opinião pública; (V) as manifestações populares significativas (p. ex. comícios, passeatas e similares); e, além das clássicas e das não-ortodoxas, há   (VI) a eficácia, ou seja, a resposta factual dos destinatários do ato em questão(2).  
Se, por exemplo, se quisesse fazer uma Constituição do Estado de Santa Catarina em 1998 que enfatizasse como atribuições do Estado as maiores preocupações do eleitorado catarinense naquele momento, teríamos as seguintes prioridades a partir de pesquisa de opinião realizada na época pelo Ibope/RBS entre 3 e 9/9/98)(3):

QUAIS SUAS MAIORES PREOCUPAÇÕES NO MOMENTO?
Desemprego 77 % 
Saúde              58 %
Educação 31 %
Agricultura 21 %
Segurança Pública              19 %
Estradas        19 %
Menor Abandonado 18 %
Rede de Esgoto 9 %
Habitação 9 %
Meio Ambiente                   5 %
Abastecimento de água 4 %

Seca           2 %
Energia Elétrica 2 %
Nenhuma destas 1 %
Não sabe/não opinou 1 %

Ou seja, pela pesquisa acima, a hipotética Constituição do Estado de Santa Catarina deveria privilegiar, como tarefas estatais, a geração de empregos, a prestação dos serviços de saúde, educação, abastecimento alimentar (agricultura), segurança pública, transportes, assistência à infância e à juventude etc. Ou seja, em assim fazendo, aquele poder constituinte estaria se sustentando nos valores compartilhados pela maioria do eleitorado. Hoje, 13 anos depois, os anseios são outros, como se pode imaginar.

1- Na descrição se diz como é alguma coisa é e,  na prescrição, se diz como alguma coisa deve ser.
2- PASOLD, Cesar Luiz. Reflexões Sobre o Poder e o Direito. Florianópolis: Estudantil, 1986, pp. 22-23.
3- JORNAL DE SANTA CATARINA de 16.9.98, p. 6A.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Obediência à Constituição


Em se tratando de Direito Constitucional e Poder, a questão é se saber quando e por que obedecer a uma Constituição. Esta obediência pode decorrer por tradição cultural (caso dos escravos no Brasil, que aceitavam a ordem jurídica baseada na Constituição de 1824), por temor do aparelho estatal (caso da Constituição Brasileira de 1967 ou da emenda Constitucional nº 1, de 1969, em que o poder - incluindo o poder de legislar – foi tomado pela força das armas) ou por crença na legitimidade de quem ocupa o aparelho estatal (caso da Constituição Brasileira de 1988, em que os constituintes foram eleitos para tal e a Assembléia foi convocada pelo parlamento – EC nº 26, de 27.11.1985). Aqui se está se fazendo uma abordagem muito resumida, por ser meramente usada a título de exemplo, pois os motivos de obediência a estes textos constitucionais comportam outras hipóteses e respectivas análises, de modo que as razões de obediência ora apontadas são meras hipóteses, ou conjecturas. Só para se ter uma idéia dos questionamentos que se pode fazer: em 1996, 50% dos brasileiros achavam que a democracia era a melhor forma de governo(1), mas 24% dos brasileiros preferiam a ditadura e 21% diziam que tanto faz a escolha do regime político(2). Assim, se pensarmos em legitimidade como correspondência a valores, para estes componentes dos 24% que optaram pela ditadura como melhor forma de governo, a EC nº 1/69 foi mais legítima que Constituição de 1988...


1- Metade dos brasileiros defende a democracia. FOLHA DE SÃO PAULO, ed. nº 24.670, 18.10.1996, p. 1
2-  24% dos brasileiros preferem a ditadura. GAZETA MERCANTIL, ed. nº 20.944, 19 e 20.010.1996, p. 1.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Poder e Escravidão


No campo político a grande pergunta que se faz, no tocante ao poder, não é “como é exercido o poder?”  ou “como e por que alguém exerce o poder?”, mas sim “POR QUE OBEDECER?”. Vejamos um exemplo ocorrido na história do Brasil. Sabe-se que os escravos não ficavam o tempo todo presos ou acorrentados. Sabe-se, também, que a escravização dos índios nunca se institucionalizou, ou foi abolida diversas vezes(1), enquanto que a escravização dos africanos se institucionalizou. Não teria isto acontecido porque não havia escravidão entre os índios?  E porque, por outro lado, já na África, havia escravidão entre os africanos (Mali, Gana, principados yorubas, Congo, Ndongo, Luba, Lunda, Kasange, Matamba, Ndongo, Monotapa e outros)? Deste modo, a institucionalização da escravidão dos africanos, no Brasil, não poderia decorrer de uma cultura política trazida da África?
FLORENTINO(2) indaga se o tráfico negreiro poderia ocorrer sem a participação dos africanos, especialmente porque o apresamento dos escravos excepcionalmente era feito por euroamericanos e, em regra, por africanos. Além disso, muitos dos cativos, por volta do século XVII, se destinavam ao consumo dos próprios africanos:
No Congo, a população cativa chegou a representar cerca de 50% do total. Ali, o campesinato livre se submetia ao forte uso do escravismo pelo Estado, e os membros dos grupos domésticos podiam transformar-se em cativos por faltar com impostos e taxas, ou ainda por transgredir as normas tradicionais. No Ndongo, a classe dos escravos (quisicos) representava a base do poder real e dos chefes das linhagens mais poderosas. Em Soyo, a escravidão era uma forma de exploração tão importante quanto as taxações sobre o campesinato, o mesmo ocorrendo (com maior intensidade) nas terras Kimbundo do sul, nos Estados de Kasanje e Matamba, e nos reinos Luba e Lunda,

Pensar, portanto, que os negros aceitavam a escravidão no Brasil apenas por mera obediência, ou por medo, ou por não saberem como se libertar; acreditar que se tornavam escravos em virtude de mero apresamento, como resultado de caçadas humanas(3); negar que a aceitação da escravidão pelos negros, no Brasil dos quatro primeiros séculos, é resultado de uma cultura política; ignorar que a condição de escravo resultava da derrota em guerras ou da punição por dívidas e crimes, é uma forma de subestimar os negros que foram escravos no Brasil, é menosprezar sua inteligência e, acima de tudo, é uma manifestação de preconceito racial,  pois  inferioriza os negros em relação aos índios e aos brancos.
Enfim, este caso da obediência dos escravos aos seus senhores é um exemplo da grande pergunta que sempre se faz em ciência política: POR QUE OBEDECER? 
1- A escravidão dos índios foi abolida várias vezes em particular no século XVII e no século XVIII: ou seja, a abolição foi várias vezes, por sua vez, abolida. CUNHA, Manuela Carneiro da. Política Indigenista no Século XIX. Em  CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL. São Paulo, Companhia das Letras:Secretaria Municipal de Cultura:FAPESP, 2ª edição/1ª reimpressão, 2002, p. 146.
2- FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras – Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, pp. 74, 86 e 99.
3- Mesmo as razias não têm o significado de “caçadas”.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Força e Persuasão


O Poder pode ser exercido somente pelo uso da força ou com o uso da persuasão. Vamos entender exercício do poder com o uso da força não só quando uma pessoa é compelida a fazer ou não fazer alguma coisa com o uso da força pura e simples, mas também quando existe coação mediante ameaça do uso da força. No primeiro caso (uso puro e simples da força) podemos dar como exemplo o aluno que está perturbando a aula e uma outra pessoa ou um grupo de pessoas mais fortes do que aquele aluno o imobilizam e o retiram da sala (o arrancam, pegam-no e o levam para fora); o segundo caso (ameaça de uso da força) ocorrerá quando este aluno for mandado sair da sala sob a mira de uma arma: ou obedece ou leva um tiro (facada etc); ou sob a ameaça de ser arrancado da sala por pessoas mais fortes. Além da ameaça, o poder pode ser exercido por meio da sensação de vigilância, o panopticon de que fala FOUCAULT(1), citando Bentham: uma prisão em forma circular, em que o preso se sente vigiado 24 horas por dia (o Grande Irmão e sua teletela, no livro 1984, de George ORWEL; o BBB da Rede Globo). Ou seja, com a sensação de estar sendo sempre vigiado, o indivíduo se submete ao poder de quem o controla. Ou, outro tipo de persuasão, é a aplicação de castigos, admoestações, sem que o castigado admoestado saiba a razão da punição: para evitá-la, adota a bajulação ou outros comportamentos humilhantes.  Este segundo caso não deixa de ser uma espécie de persuasão. E vamos entender o exercício do poder com o uso da persuasão quando alguém é convencido a fazer ou não fazer alguma coisa mediante um convencimento, que pode ser EMOCIONAL ou RACIONAL. Emocional: um vendedor de amendoim pede para alguém comprar seu produto para ajudá-lo a comprar comida; racional: o mesmo vendedor de amendoim diz ao potencial comprador que seu produto é de ótima qualidade, faz bem para a saúde e é barato.
1 - FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado.  Rio de Janeiro, Edições Graal, 3ª edição, 1982, p. 73.

domingo, 16 de outubro de 2011

Horário de Verão

Começo de horário de verão, lembro-me de Dona Mirinha. Era uma velhota rabugenta que conheci na infância. Sempre que começava o horário de verão, ela se negava a fazê-lo e dizia seguir o horário de Deus. Na sua ignorância, acreditava que a hora que seguimos era estabelecida por Deus. 
A hora que seguimos, chamada "hora legal" é fundamentada em normas legais. No início do século XX, tivemos uma regulamentação na Lei 2.784 de 18.6.1913. Esta hora brasileira se baseava na hora do meridiano de Greenwich e a lei foi regulamentada pelo Decreto nº 10.546, de 5.11.1913. Até 2002 houve várias normas dispondo sobre nossa hora, até que o Decreto 4.264, de 10.6.2002 restabeleceu o regulamento de 1913. Em 2008, da Lei nº 11.662, de 24.04, fez pequenas alterações no Decreto de 1913. O horário de verão é estabelecido em Decretos, sendo apresentado como mais antigo, no site do Observatório Nacional, o Decreto nº 20.466, de 1.10.1931. Para ver mais sobre o histórico dos Decretos que instituíram o horário de verão no Brasil, clique aqui.


sábado, 15 de outubro de 2011

Dia do Professor

Fui Professor durante 19 anos, fora os cursos esparsos. Deixei de ministrar aulas em 2008. O Magistério não é uma profissão para fazer fortuna, nem para viver com muito conforto. Vive-se com dignidade, mas com pouco conforto. Ademais, ministrar aulas para bons alunos, que estudam e tiram boas notas, é reconfortante e gratificante. Dar aulas para alunos vadios, reclamões, que nunca estudam e querem tirar notas altas, que dizem desaforos para o Professor quando tiram notas baixas, é desanimador e humilhante.
Bons alunos estudam e fazem perguntas nas aulas, valorizam o Professor que se esforça e que dá boas aulas. Maus alunos faltam às aulas, não estudam e não valorizam os bons Professores.
Que este dia 15 seja um dia festivo para os bons alunos e para os bons Professores.  

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O que é o Poder?


PASOLD (1) informa que RUSSEL(2) apresenta um conceito quantitativo de poder, que consiste na produção dos resultados pretendidos. E, ainda citando RUSSEL, PASOLD acrescenta esta concepção de poder: O Poder pode ser definido como a capacidade de fazer com que as pessoas atuem como desejamos ou quando tenham agido de outro modo, ainda assim dirijam suas ações para os resultados que desejamos. E arremata asseverando que a força e a persuasão são os dois métodos de adquirir o Poder.
1 - PASOLD, Cesar Luiz.  Função Social do Estado Contemporâneo. Florianópolis, OAB/SC Editora co-edição Editora Diploma Legal, pp. 68 a 71.
2 - Bertrand RUSSEL, na obra O Poder

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Lei e Força


Os principais fundamentos que os Estados têm (...) são as boas leis e as boas armas (MAQUIAVEL, O Príncipe, Trad.. Roberto Grassi, Rio, Civilização Brasi-leira, 3 ed., 1976, p. 71).
O mais forte nunca o é o bastante para ser sempre o amo se não transfor-mar sua força em direito e a obediência em dever (ROUSSEAU, O Contrato Social. Trad. A. P. Machado, Rio, Ed. de Ouro, s/d, p. 40).

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Dia da Criança

Quando criança, na década de 1960, um dos folguedos era um pic-nic no Parque Dom Bosco. Naqueles tempos ficava muito longe do centro de Itajaí. Hoje, não parece tão longe assim. Perto do parque, passava o trem e os meninos nem sempre se limitavam a ver o trem passar. Lembro que um dos guris mais incomodativos (hoje na casa dos 55 anos, mais ou menos, se estiver vivo, pois não lembro quem foi) colocou uma pedra sobre o trilho do trem. Era uma pedrinha, de não mais que 5 cm de diâmetro. A intenção era ver o trem amassar a pedra e foi só isso mesmo que aconteceu. Mas houve quem nos assustasse, dizendo que o trem poderia ter descarrilado. Fiquei imaginando todos nós vendo aquele imenso trem descarrilar, entrar no Parque Dom Bosco e gerar uma tragédia. Sem contar os castigos que todos sofreriam, pois - em que pese haver um único culpado - todos acabariam sendo punidos.
Mas o trem passou, a pedra virou pó e, daquele diz, só sobrou um mal-estar estomacal durante a noite, resultado dos lanches mal-conservados que comíamos.
Ano passado soube que a palavra italiana bosco quer dizer bosque.

domingo, 2 de outubro de 2011

Londres

Tenho achado um pouco difícil saber sobre turismo em Londres. O Guia Frommer's é muito interessante. Muitos dos publicados no Brasil são traduções. Achei, porém, muito interessante o GTB - Guia do Turista Brasileiro, de Rodrigo Davidoff Enge. Ele é escrito no Brasil, por um brasileiro. Há, é verdade, alguns trechinhos que podem indicar uma certa desatualização com o contexto de 2011, resquícios dos tempos em que não só nos achávamos, mas éramos meio vira-latas no mundo: é a menção à Guerra do Paraguai como provocada pela Inglaterra (p. 68 da Edição de 2009) ou a citação do nosso "realzinho" em comparação com a Libra Esterlina (p. 91). Isto soa desatualizado, quando já há obras respeitadas demonstrando que a Inglaterra não provocou a Guerra do Paraguai e ninguém quer, no Brasil, um Real supervalorizado. Mas a edição é de 2009.
No mais, os Guias Turísticos que circulam e as conversas que se ouve (um dia fui entrevistado numa pesquisa e percebi pelo contexto), ainda refletem nossos tempos de pobreza, pré-crises de 2008 e 2011, quando os países então ricos não faziam muita questão de nos ver passeando por lá. Hoje já não são poucas as lojas - dizem, ainda não conferi, salvo em Portugal - com vendedores falando português, por este mundo de Deus. Mas uma coisa já vi: em muitos shows da Disneylância, os avisos pelo sistema de som são dados em inglês, espanhol e português (nesta ordem). Chique, não?