segunda-feira, 5 de outubro de 2020

GUERRAS ANGOLANAS E CADORNEGA II

        A obra de CADORNEGA merece uma leitura atenta. Aqui está a resenha do Tomo II da HISTÓRIA GERAL DAS GUERRAS ANGOLANAS  (CADORNEGA, Antônio de Oliveira de. História Geral das Guerras Angolanas – 1680 – Tomo II; Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1972. Reprodução fac-similada da edição de 1940). É uma ficha de leitura, uma resenha, uma ficha de anotações. Somente o isolamento decorrente da pandemia do COVID-19 e a aposentadoria permitiram uma leitura mais atenta e uma segunda leitura, destinada a fazer anotações.
A leitura de CADORNEGA deve ser feita sem preconceitos e comparada com outros textos da época. Ele permite saber como se dava a relação entre Estados soberanos no século XVII. Talvez as mudanças nas religiões e a desvinculação de algumas nações de Roma, autorizaram invasões ou conquistas de terras já descobertas. Assim, sem as limitações dos tratados celebrados com o Papa (Tordesilhas, no caso), as nações não católicas talvez se tenham sentido autorizadas a disputar territórios. Quiçá por isso a Holanda calvinista fez incursões no Brasil e em Angola. Este tomo II narra mais as consequências da expulsão dos Holandeses de Angola, do que sua invasão (esta é tratada no Tomo I, cujo resumo já disponibilizei). Mas é neste Tomo II que se fica sabendo que, mesmo tendo expulsado os Holandeses do Brasil e de Angola entre 1648 e 1650, em 1661 os portugueses indenizaram os holandeses em  quatro milhões de cruzados, tendo cada cruzado o valor de dois florins carolinos (moedas da época). O pagamento dessa indenização foi feito a partir de um aumento do imposto pago pela venda de escravos (imposto, na época, se chamava “direitos reais”).
Este segundo Tomo vai tratar, como tema central, das guerras dos portugueses contra os hoje Congoleses e Angolanos. Assim, o livro permite ver estas relações entre países no século XVII: os mais bem armados, com exército e marinha mais poderosos, invadindo os territórios e colônias dos menos bem armados, com exército e marinha menos poderosos; estes menos bem armados e menos poderosos invadindo outros povos que ainda se limitavam às flechas e azagaias. Uma espécie de cadeia ou pirâmide de poder entre estados, povos e nações.
O tomo II ainda narra a forma como se dava a obtenção de escravos no que era chamado a Etiópia Ocidental, hoje Angola e Congo. Não eram razias, mas guerras, ou batalhas, de portugueses contra sobas que não se sujeitavam ao avassalavamento. Estas guerras resultavam em presas, os escravos. As guerras também podiam ser somente entre sovas. A vassalagem dos sovas e reis para com os portugueses implicava em pagamento de tributos, em geral escravos e marfim. 
Este Tomo II, da mesma maneira que o Tomo I, permite que se saiba como era a administração das colônias no império português. A verossimilhança da narrativa é constatada mediante a comparação com as regras de administração constante das Ordenações Filipinas. O livro de CADORNEGA permite saber como era a aplicação (na prática) destas Ordenações: quais cargos existiam, como se dava seu provimento etc. Neste ponto, se fica sabendo que, apesar de não ser a regra ou a maioria dos casos, havia, sim, cargos (hoje chamados públicos) que eram vendidos, herdados ou repassados por testamento.
Havia pessoas que transitavam em cargos administrativos de uma colônia para outra: André Vidal de Negreiros, por exemplo, foi Governador de Pernambuco e de Angola; Salvador Correia de Sá, que expulsou os holandeses de Angola em 1648 e foi Governador de Angola, foi Alcaide Mor da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A frota comandada por Salvador Correia de Sá, que expulsou os holandeses de Angola, veio do Rio de Janeiro.
Da mesma forma que no Tomo I, a Rainha Jinga, ou Ginga, ou Nzinga Mbandi é um personagem de grande evidência neste Tomo II.
Tanto neste Tomo II como no Tomo I é possível ver a disputa do catolicismo com as religiões animistas, cujas práticas eram associadas ao demônio (os quimpacos, as diabolarias que utilizavam buxinifadas).
Como todo livro histórico, este também serve para entender o presente.