quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Município e a Polícia no Brasil Colônia

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato IX


Em abril de 1729,também em São Francisco/SC, um certo mestre-carpinteiro, Manoel de Arzão, é chamado para realizar obras na Casa do Concelho (PEREIRA, Carlos da Costa. História de São Francisco do Sul. Florianópolis, UFSC/Prefeitura Municipal de São Francisco do Sul, 1984, p.80).
Esta Casa do Concelho era o local onde funcionava o legislativo, o executivo e o judiciário “municipal” da época.
O Concelho se compunha do Juiz Ordinário, Vereadores, Procurador, Tesoureiro, Escrivão da Câmara, Juiz e Escrivão dos Órfãos, Juiz dos hospitais, Almotacé, Depositário do Cofre dos Órfãos e outros, todos eleitos. Não era em todos os lugares que havia Tesoureiros, Juiz e Escrivão dos Órfãos e Juízes dos hospitais. Se na povoação não houvesse candidatos suficientes para os cargos, seria eleito um candidato do termo e um da vila ou da povoação (Ordenações Filipinas, Livro 1, Título LXVII).
Os vereadores administravam as cidades e as vilas e legislavam nos limites delas (tinham o encargo de todo o regimento da terra e das obras do Concelho – Ordenações Filipinas, Livro I, Título LXVI). Os Almotacés eram fiscais do abastecimento, do comércio e das edificações. Havia também os Quadrilheiros, que era o nome dado aos policiais. Eles trabalhavam gratuitamente. Eram chamados de Quadrilheiros por que cada um comandava uma quadrilha de vinte homens. Segundo Cândido Mendes de ALMEIDA Quadrilheiro (era o) Oficial inferior de Justiça nomeado pelas Câmaras para servir durante três anos.
Esta palavra, que (em 1879 e) hoje se toma em mau sentido, em outro tempo, diz Moraes, designava uma pessoa grave, de confiança e muito privilegiada, como a latina – Irenarcha.
Ao Rei D. Fernando I se deve a criação desses Oficiais, que distribuiu aos pares por cada Paróquia de Lisboa. Traziam por insígnia uma vara pintada de verde com as armas Reais.
Vide Regimento de 12 de Março de 1603 e de 13 de Setembro de 1625, mandados de novo observar por Alvará de 31 de Março de 1742, Leis de 14 de Agosto de 1751 e de 20 de Outubro de 1763 e Decreto de 11 de Fevereiro de 1699.
Esta polícia foi caindo em desuso, de modo que os Quadrilheiros foram substituídos por Pedestres, Guardas Municipais, Policiais, etc. E por tal forma caíram em olvido, que, a despeito do Alvará de 31 de Março de 1742, quase que a Legislação posterior nunca mais deles se ocupou.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O Processo Civil no Brasil Colonial

Itajaí: 150 de direito, 352 de fato VIII

Em 1722, ainda Miguel Dias de Arzão é testemunha, em processo, no qual se informa que é morador do lugar, ou seja, de São Francisco/SC (PEREIRA, Carlos da Costa. História de São Francisco do Sul. Florianópolis, UFSC/Prefeitura Municipal de São Francisco do Sul, 1984, pp. 86-87).
A estrutura dos processos, nas Ordenações Filipinas, é basicamente a mesma de hoje. As diferenças eram poucas e mesmo alguns pontos que foram modificados pelo Código de Processo Civil atual, ainda continuam sendo praticados, agora à margem da lei, como veremos ainda nesta postagem.
O que é hoje o Código de Processo Civil estava quase todo no livro 3 das Ordenações Filipinas (havia disposições processuais e de organização judiciária no livro primeiro e normas processuais penais no livro 5). O livro terceiro começava disciplinando a citação e a revelia, depois tratava do Juízo Arbitral, das férias, das audiências, da ordem dos juízos nos feitos cíveis, das suspeições, dos impedimentos, da prova documental e dos advogados. No título XXX começava a tratar do processo, dispondo que a petição podia ser oral ou escrita, conforme o valor da causa. Passava a tratar da pena de confissão, seguia dispondo sobre a ação e a reconvenção. Tratava da situação dos autores e de peculiaridades processuais, do chamamento à autoria e da denunciação da lide, da outorga uxória, da força nova (menos de um ano e dia) e das exceções (dilatórias e peremptórias, que são hoje as matérias do artigo 301 do Código de Processo Civil). Passava a tratar da contestação (título LI). O título LIII do livro 3 tratava dos “artigos” (estes artigos eram mencionados no art. 417, II do Código de Processo Penal até sua revogação pela Lei nº 11.689, de 2008, mas o art. 271 do CPP ainda fala em “articulados”).
O título LIV dizia que, após recebida a petição e a contestação, se abriria prazo para especificação de provas: Depois que os Julgadores receberem os artigos às partes, dar-lhes-ão dilação, em que façam suas provas. Apesar desta disposição já estar revogada, ainda se intima as partes para especificarem provas.
Depois da apresentação das provas, era aberto o prazo para apresentação das testemunhas (título LV). Os impedimentos das testemunhas constavam do título LVI, a possibilidade de contradita estava no título LVIII. O título LIX tratava das provas por escritura pública e o título LX regulava a fé que se daria à prova documental. Os juízes tinham que ficar restritos à prova do processo (título LXIII).
Na falta de lei, estilo do tribunal (jurisprudência) ou costume (ou seja, em caso de lacuna da lei, da jurisprudência ou do costume), se julgava segundo as Leis Imperiais, ou seja, o Direito Romano (t. LXIV). Havia sentença interlocutórias e definitivas, condenação nas custas (t. LXVII), apelação das sentenças interlocutórias e definitivas (t. LXVIII), proibição do juiz inovar quando pendente a apelação, possibilidade de agravo quando o juiz não recebesse a apelação (t.LXXIII e LXXIV) e sentenças nulas. Havia os agravos (t. LXXXIV) e execução de sentenças. As execuções podiam ser embargadas (t. LXXXVII). Os magistrados e demais pessoas que atuassem nos processos recebiam seu pagamento por assinatura que lançassem no processo e por espórtulas.
Em São Francisco, em 1722, já que havia processo, havia Juiz Ordinário, eleito pelos homens bons do lugar.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Polícia na Colônia

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato VII

Em começos do século XVIII a família Arzão continua habitando São Francisco do Sul, na parte que viria a ser Itajaí. Miguel Dias de Arzão se estabeleceu às margens do Itajaí, tendo se retirado em 1711 (1). Retirara-se, porém, para São Francisco, já que, em 1720, recebera votos (não sendo eleito) para Capitão-Mor.
Este ofício de Capitão-mor não era o mesmo daquele que governava a Capitania, ou seja, aquele que também podia ser chamado de Governador. É pelo menos a impressão que se tem do Alvará de 18 de outubro de 1709. Neste Alvará, do Rei de Portugal, se dispõe que cada cidade, vila ou concelho terá um Capitão-mor quando não houver Alcaide-mor. O alcaide-mor era o responsável pelo policiamento da cidade ou da vila, função que provavelmente era desempenhada pelo capitão-mor na falta de alcaide. Este capitão-mor equivaleria, hoje, ao comandante de uma guarnição de polícia militar responsável pela segurança de uma cidade ou de uma região. Especialmente porque o alcaide-mor cuidava do policiamento dos castelos e os capitães-mores cuidavam do policiamento das cidades chãs, ou seja, aquelas que não eram castelo. A escolha deste capitão-mor, que deve ter ocorrido em São Francisco em 1720, era disciplinada pelo referido alvará de 1709, que pode ser visto aqui. O ocupante do outro ofício de capitão-mor, escolhido pelo donatário da capitania ou pelo Rei, era também chamado de governador da capitania.

Nota:
1 – SILVA, J. Ferreira da. Os primeiros moradores. Itajaí-Cem Anos de Município. Itajaí, 1960 (sem numeração de páginas).

domingo, 27 de junho de 2010

O MIA


José encontrou Pedro na rua.
- "Oi Mia", gritou José.
Pedro imaginou o que José tinha pretendido dizer ao chamá-lo de "Mia":
- "Quem mia é o gato. O gato come o rato; o rato come o queijo; o queijo vem do leite; o leite vem da vaca... Desgraçado! O José me chamou de galhudo..."
Moral da história: nem sempre o que pensamos que as pessoas pretenderam dizer, foi o que elas realmente quiseram dizer. Elas podem nos ter dado sinais de amizade e nós - ao sermos exageradamente "dedutivos" - encontrarmos ofensas que não existiram.

sábado, 26 de junho de 2010

Inventários nas Ordenações

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato VI

Ao longo do período que vai de 1658 a 1794, a família de João Dias de Arzão, primeiro morador da região que é hoje Itajaí, continuava lá habitando. Na verdade ele era um morador da Vila de São Francisco, à qual pertencia Itajaí. João Dias de Arzão aparece como testemunha do testamento de Antônio da Fonseca Pinto,cujo inventário foi processado em 1673 (1).
Os testamentos eram regulados no título LXXX do Livro 4 das Ordenações Filipinas e precisavam ser testemunhados por seis homens livres, maiores de 14 anos. Não podiam fazer testamento os homens menores de 14 anos, as mulheres menores de 12 e os "furiosos", salvo se o furor não fosse contínuo, mas por luas (título LXXXI). Os codicilos eram regulados no título LXXXVI do livro 4 e a herança era regulada a partir do título LXXXVII. A herança de filhos de danado coito (filhos de padres, por exemplo) era regulada no título XCIII. A partilha era regulada no título XCVI e outras disposições sobre inventário e herança são encontradas até o final do livro 4 das Ordenações Filipinas.Os inventários eram processados perante o Juiz, o Tabelião e o Escrivão.
Se levarmos em conta que as Ordenações Filipinas só chegaram em São Francisco em 1720, vamos perguntar como se processavam os inventários e outras questões jurídicas sem o conhecimento da lei ou sem o acesso à lei? A resposta talvez esteja nos formulários, nos modelos de petições, sentenças etc. E talvez desse tipo de situação tenham nascido os rábulas, advogados que advogavam somente com base na prática.
Até hoje as pessoas valorizam muito a prática; escrituras públicas, termos de audiência ainda usam um linguajar antigo, como se a falta daquelas palavras tornasse inútil o documento.

Nota:
1 - PEREIRA, Carlos da Costa. História de São Francisco do Sul. Florianópolis, UFSC/Prefeitura Municipal de São Francisco do Sul, 1984, pp. 52-53.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Batida de Carro

Um dia destes bateram no meu carro. Eu vinha andando na rua, quando um carro saiu de uma garagem e bateu no meu. Ainda businei, mas não adiantou. Parei o carro e logo entendi porque que, sempre que vejo uma batida de carro, as pessoas estão falando ao celular: os dois motoristas de pé, fora do carro, entretidos a falar nos respectivos telefones. Mesmo que se tenha razão, ou mesmo que não se seja o culpado (era o meu caso), o situação é tensa. Sai-se do carro atônito e não se sabe o que fazer. Evidentemente que nunca há por perto uma autoridade do trânsito. Ligo para a esposa para dizer que estarei às voltas com o problema (é a hora do celular que se vê nos outros acidentes). Aí tento ligar para o SETERB (este é o nome do órgão de trânsito, o DETRAN, aqui em Blumenau). Uma gravação diz que o número não existe; ligo para todos os números de emergência e, um a um, a gravação diz que não existem. Horas depois de tudo resolvido venho a saber que a operadora do meu celular ou bloqueia ou tem falhas no acesso aos telefones de emergência. Ainda não tive certeza se esta operadora funciona ou não com os números de emergência. Farei mais alguns testes e, se não funcionar, terei de mudar de operadora.
Graças à minha esposa, que, do local de trabalho conseguiu ligar para o SETERB, fico sabendo que o órgão não se desloca para atender acidentes de trânsito quando os carros se movem: os motoristas devem se dirigir até lá e fazer o boletim de ocorrência (BO). Então a gente tem que esfriar a cabeça e ver o que fazer. Se o motorista do outro carro não reconhecesse a culpa, a providência seria tentar conseguir o nome e endereço de pelo menos duas testemunhas e fotografar os dois carros, de preferência nos locais em que aparecesse a tinta do que bateu na lataria do que foi batido (os celulares hoje resolvem este problema). Para minha sorte o motorista do outro carro reconheceu sua culpa. Mas, por via das dúvidas, bati fotos. Fomos ao SETERB: pega senha, pois só há duas pessoas atendendo e se espera. Meia hora depois se é atendido e se conta o acidente. Contado o acidente, deve-se ir a um banco (evidentemente que fora da repartição pública e longe dali) para pagar uma taxa que dará direito a se retirar o BO. Volta-se e pega-se o BO. Depois disso, as providências para arrumar o carro.
O veículo que bateu era de uma concessionária de automóveis que tinha serviço de lataria. Como era uma sexta-feira, combinamos que eles fariam contato na segunda. Um final de semana preocupado se iriam ou não ligar. Segunda ligaram e fui lá combinar. Acertei que levaria o carro na terça de tarde, para recebê-lo sexta ou segunda. Na segunda o carro não ficou pronto, pois tinha chovido e precisava secar a tinta e poli-la. Na terça o carro ficou pronto, ou seja, uma semana e quatro dias depois da batida. Tudo certinho e sem problemas.
Fico pensando naqueles que andam em desabalada carreira pelas ruas, achando que, se alguém esbarrar neles, não terá razão. Não sabem o quanto incomoda uma batida de carro, mesmo que se tenha razão, mesmo que quem bateu repare o dano. Melhor dar uma paradinha, mesmo estando na preferencial; melhor passar devagar pelo sinal verde, melhor não bater nem ser batido, mesmo tendo razão.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

São João Batista

Hoje é dia de São João Batista. Quando criança, na década de 1960, eu fazia uma fogueira no jardim da casa, meu pai comprava fogos de artifício na Loja Lauro Silva e até soltávamos balões (isso foi só uma vez, pois logo nos alertaram dos perigos de tal prática). A fogueira era fácil de fazer, pois havia sempre lenha em casa, para o fogão (o fogão a lenha deve ter caído em desuso, lá em casa, por volta de 1965). Depois que não se usou mais o fogão a lenha, a gente tinha que catar a madeira fora do quintal casa.
Minha mãe fazia quentão e pinhão e eu colocava uma imagem de São João Batista no quintal , perto da fogueira. A imagem era do meu avô (João Marques Brandão, apelidado de Joca, falecido em 1930) e uma tia ma deu (repassou-me a herança) por meu nome ser João Marques Brandão Néto.
Aqui no sul as festas juninas (Santo Antônio, São João, São Pedro e São Paulo) se fazem também para espantar o frio: há bebida quente (o quentão, que é uma mistura de vinho, cachaça, gengibre, cravo, podendo haver outras adições, como gemada e suspiro), o pinhão (que é uma espécie de castanha que dá no pinheiro), batata doce, cará com melado etc. E a fogueira. As mais monumentais que vi foram na festa que se fazia no bairro São João , no dia de São João (em Itajaí, claro!) e no parque Dom Bosco (dos Salesianos) no dia de São Pedro e São Paulo.
E havia nas festas as quermesses: barraquinhas com churrasco, pescaria (com uma vara tendo na ponta um gancho à moda de anzol, se pescavam prendas enterradas no sipilho e só com um ganchinho de fora), bingo, roleta, café com bolo etc.
Na festinha de São João lá em casa, a gente tomava o quentão ao lado da fogueira para se esquentar e soltava os foguetinhos: traque (uma espoleta que fazia barulho ao ser jogada no chão,) buscapé (um foguetinho que andava pelo chão a perseguir as pessoas), girândola (se pregava num cabo de vassoura e a pólvora fazia o foguetinho girar), vulcão (um cone com pólvora dentro que soltava fogo como um vulcão), lágrima (um palito de fósforo que soltava chamas no chão) e outras coisas mais, todas muito bonitas.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Embrião do Controle de Constitucionalidade

As posturas ou vereações feitas no Brasil Colonial, ou seja, o que hoje chamamos “leis municipais”, não ficavam fora de controle da organização estatal de então. Da mesma forma que as leis de hoje não podem contrariar a Constituição, as posturas não podiam contrariar as Ordenações do Reino, ou seja, a legislação feita pelo rei. Também não podiam prejudicar o povo, nem ao bem comum. Além disso, a minoria dos vereadores podia impugnar a decisão da maioria. É o que diz o Livro 1,Título LXVI, item 29 das Ordenações Filipinas:

29. E as posturas e Vereações, que assim forem feitas, o Corregedor da Comarca não lhas poderá revogar, nem outro algum Oficial ou Desembargador nosso, antes as façam cumprir e guardar. E quando o Corregedor vier ao lugar, saberá se as dão a boa execução. Porém, quando os Corregedores e Ouvidores dos Mestrados forem por correição, informar-se-ão de seu Oficio, se há nas Câmaras algumas posturas prejudiciais ao povo e bem comum, posto que sejam feitas com a solenidade devida, e nos escreverão sobre elas com seu parecer. E achando que algumas foram feitas, não guardada a forma de nossas Ordenações, as declarem por nulas, e mandem que se não guardem; e se ao fazer das posturas os que menos forem em votos, quiserem agravar, por lhes parecer que sua tenção é melhor, que a dos mais votos, poderão agravar para os Desembargadores do Agravo da Relação de seu distrito, o qual agravo tirarão à sua custa, e não do Concelho.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Antigas Leis Municipais

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato V

Uma sesmaria devia ser cultivada. Assim, quem recebesse uma, caso cumprisse as leis, a cultivaria. João Dias de Arzão, que chegara em 1658 ao que seria, anos mais tarde, a cidade de Itajaí/SC, deve ter cultivado a sesmaria que recebera. Isto se presume, pois, em 1796, ela constava em mapa da região de Itajaí. Como, porém, Arzão poderia saber de sua obrigação de cultivar a sesmaria, se somente em 1720 é que chegou à Vila de São Francisco, na então Capitania de Santa Catarina, um exemplar das Ordenações Filipinas? Este exemplar foi trazido de Curitiba/PR por Rafael Pardinho (1). E como viviam as pessoas, sem conhecer as leis do reino?
Na verdade, o sistema legislativo do reino português não se baseava só nas Ordenações. A legislação cotidiana era feita no que hoje chamamos de Municípios e que, em 1720 se chamava Concelho (nome até hoje usado em Porgugal). Esta legislação “municipal” se chamava postura ou vereação. Assim dizia o Livro 1, Título LXVI das Ordenações Filipinas:

Posturas
28. Item, proverão (os Vereadores) as posturas, Vereações e costumes antigos da cidade, ou vila; e as que virem que são boas, segundo o tempo, façam-nas guardar, e as outras emendar. E façam de novo as que cumprir ao prol e bom regimento da terra, considerando em todas as coisas, que a bem comum cumprirem; e antes que façam as posturas e Vereações, ou as desfaçam, e as outras coisas, chamam os Juízes e homens bons, que costumam andar no regimento, e digam-lhes o que virem e considerarem. E o que com eles acordarem, se coisa leve for, façam-na logo por em escrito e guardar; e nas coisas graves e grandes, depois que por todos, ou pela maior parte deles for acordado, façam chamar o Concelho, e digam-lhe as coisas quais são, e o proveito, ou dano, que delas pode recrescer, assim como, se tiverem demanda sobre sua jurisdição, ou se lha tomam, ou lhe vão contra seus Foros e costumes, de modo que não possam escusar demanda, ou em outros feitos semelhantes. E o que pela maior parte deles for acordado, façam logo escrever no livro da Vereação, e dêem seu acordo à execução.

Nota 1:
PEREIRA, Carlos da Costa. História de São Francisco do Sul. Florianópolis, UFSC/Prefeitura Municipal de São Francisco do Sul, 1984, p. 75.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A Igreja e as Sesmarias

Se as terras pedidas para sesmaria fossem matos maninhos (= "terrenos incultos e infrutíferos"), ou matas e bravios (= "terreno não cultivado"), que nunca foram lavrados e aproveitados ("era este o caso das terras novas da América e do Brasil"), ou se as terras não fossem coutadas (= "garantidos com o privilégio dos Coutos, que se regiam por leis próprias e aonde não entravam as justiças do Rei"), nem reservadas pelos Reis, a concessão dependeria de consulta ao Procurador e aos Vereadores do lugar em que se situavam.
Quando as terras, casaes e quintas existentes nos domínios das Ordens, Igrejas e Mosteiros ficassem ermas, os respectivos Prelados, Mestres ("os Chefes de Ordens Militares Portuguesas, de Cristo, Santiago, e Aviz"), Priores, Comendadores, Fidalgos e quaisquer outras pessoas, deveriam dá-las em sesmaria, caso tais terras, casaes e quintas não pertencessem às Ordens, ou Igrejas e Mosteiros, como o rei fazia em suas terras.
O que está entre aspas é de autoria de Cândido Mendes de ALMEIDA, nos comentários às Ordenações Filipinas.
Os temas acima estão no Livro 4, Título XLIII, item 15 , das Ordenações Filipinas.
O original das Ordenações Filipinas pode ser visto aqui.

domingo, 20 de junho de 2010

A simulação de cultivo da terra

Se alguém fingisse que cultivava sua terra, podia perdê-la e vê-la virar sesmaria, sendo dada a outra pessoa: E porquanto algumas pessoas deixam perder seus olivais e colher mato, por os não quererem adubar, nem roçar e para lhos pedirem de sesmaria, escavam, ou cultivam algumas oliveiras e não querem roçar os matos. E outros, que tem terras para dar pão, as deixam encher de grandes matos e soveraes, e por lhos não pedirem, lavram um pedaço de terra, e deixam toda a outra. E alguns deixam perder as vinhas, e tornar em pousios, e adubam umas de cepas em um cabo e outras em outro, alegam, que as aproveitam. Mandamos que os donos de tais bens sejam requeridos, e lhes seja assinado termo, a que adubem os ditos olivais e vinhas, e as terras lavrem, e semeiem as folhas, segundo o costume da terra. E se assim não o fizerem, passado o dito termo, as dêem de sesmaria.
Os temas acima estão no Livro 4, Título XLIII, item 8, das Ordenações Filipinas.
Para ver o original das Ordenações Filipinas, clique aqui.

sábado, 19 de junho de 2010

O prazo para cultivar a sesmaria

Quem ganhava sesmaria tinha cinco anos para a cultivar a terra, sob pena de a perder. Além disso, os Sesmeiros não poderiam dar a uma pessoa mais terras do que ela pudesse razoavelmente cultivar. Segundo Cândido Mendes de ALMEIDA, em nota às Ordenações Filipinas, no Brasil não havia limite para as concessões. As sesmarias variavam. Ora as dadas eram de meia, ora de légua quadrada. A Provisão de 27 de Junho de 1816 declarou que nove mil braças era a área ou medida exata de uma légua quadrada. Na Bahia, a princípio chegou-se a conceder datas de quatro léguas de comprimento e uma de largo. Caso houvesse litígio quanto a sesmarias em terras foreiras ou tributárias ao Rei ou à Coroa, o conhecimento (= julgamento) pertencia aos Almoxarifes; fora desta situação, o julgamento seria pelos Juízes ordinários dos lugares onde tais bens estiverem. Havia um tratamento diferenciado para bens de Capelas, Hospitais, Albergarias, ou Confrarias: os Administradores, ou Mordomos deveriam reparar a situação de abandono das terras, pois não podiam ser transformadas em sesmarias. Se os senhores das terras não cultivadas estivessem homiziados (= "escondidos, foragidos por medo da justiça"), a comunicação do prazo de um ano para cultivo era feita para suas mulheres.
Os temas acima estão no Livro 4, Título XLIII, item 3, das Ordenações Filipinas.
Para ver detalhes no original das Ordenações, clique aqui.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A contagem do prazo dado em edital

Sobre a citação por edital, há uma informação muito interessante nas Ordenações Filipinas. Não conheço lei em vigor que explique como se conta o prazo de um edital. Por exemplo: um edital com prazo de 20 dias que contenha uma citação para que se conteste determinada ação em 15 dias. Quando começa a ser contado o prazo de 15 dias para contestar? Da publicação do edital? Não! Os quinze dias contam a partir do vigésimo dia da publicação do edital. Assim, do dia da publicação até o fim do prazo para contestação passam-se 35 dias (20 + 15). A explicação para isto está nas Ordenações Filipinas:
E façam (a citação por edital) em esses lugares, e em outros dois a eles mais comarcãos (= "mais vizinhos, próximos, perto. Também o que reside na mesma Comarca, ou distrito, e o que está no limite ou raia de um território ligado com outro", conforme ALMEIDA), por editos de trinta dias, em que se contenha, que aqueles que cujos os bens forem, os venham lavrar e aproveitar até um ano, senão que se darão de sesmaria. E se alguns vierem ouçam-nos com os que as sesmarias requererem, e façam em tudo como acima dissemos, quando especialmente são citados. E se passado o ano contado depois que os trinta dias dos editos forem acabados, não vierem, dêem as sesmarias. Segundo ALMEIDA, O Alvará de 30 de Março de 1770, § 7, permitia embargar-se a concessão da sesmaria. O mesmo já havia determinado o Alvará do 1º de Abril de 1860, § 40 e o Decreto de 6 de Junho de 1775. Na concessão da sesmaria deviam ser ouvidas as Câmaras dos respectivos Municípios, que, na época, se chamavam concelhos (Alvará de 5 de Outubro de 1795 § 15).
Os temas acima estão no Livro 4, Título XLIII, item 2, das Ordenações Filipinas.
O original das Ordenações Filipinas pode ser visto aqui.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Como uma terra improdutiva se tornava sesmaria

As sesmarias foram o ponto de partida, a origem da reforma agrária. Como acontece hoje, o ponto central do instituto das sesmarias era distribuir terras improdutivas a quem se dispusesse cultivá-las.
Se as terras onde estivessem as sesmarias fossem foreiras, ou tributárias ao Rei ou à Coroa, os Sesmeiros (ou seja, os que dariam as sesmarias) seriam os almoxarifes dos lugares ou almoxarifados, onde os tais bens ou terras estivessem. Almoxarifes dos lugares, segundo Cândido Mendes de ALMEIDA, em nota às Ordenações Filipinas, eram os arrecadadores das rendas públicas nas Comarcas, que já foram chamados de coletores e hoje são chamados auditores da receita (federal, ou estadual, ou municipal). Almoxarifado era o ofício ou cargo de Almoxarife, ou o distrito sujeito a algum destes funcionários.
Os Sesmeiros, antes da dar a sesmaria, deviam saber a quem pertenciam, para cita-lo a fim de que explicasse por que não cultivava a terra. Se não explicassem porque não cultivavam a terra, era-lhes dado um ano para lavrarem, ou aproveitarem e repararem a terra e suas benfeitorias; ou, ainda, para que a vendessem, emprazassem, ou arrendassem a quem as pudesse aproveitar ou lavrar. E se o não fizessem, passado o dito ano, os Sesmeiros dariam as ditas sesmarias a quem as lavrasse e aproveitasse. E isto ocorreria com os bens de quaisquer Grandes e Fidalgos, como de outros de qualquer condição que fossem. Se não fosse possível saber quem eram os senhores das terras não cultivadas, seria apregoado nos lugar onde estivessem, descrevendo o terreno e suas confrontações em edital com prazo de trinta dias.
Os temas acima estão no Livro 4, Título XLIII, 1.
Para ver mais detalhes, clique aqui e leia o original das Ordenações.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

AS SESMARIAS

Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato IV

A sesmaria que João Dias de Arzão recebeu junto à foz do Rio Itajaí-Mirim era uma daquelas que as Ordenações Filipinas (vigentes no Brasil até 1822 e, em alguns casos, até 1916) regulavam pormenorizadamente em seu Livro 4, Título XLIII.
Sesmarias eram as dadas de terras, casaes, ou pardieiros, que foram, ou são de alguns Senhorios, e que já em outro tempo foram lavradas e aproveitadas e agora o não são.
Cândido Mendes de Almeida, nos comentários às Ordenações, diz que esta palavra vem da palavra latina – “caesina”, os cortes ou rasgões feitos na superfície da terra pela relha do arado ou pela enxada.
“Outros”, segundo ainda ALMEIDA, “dizem que vem do verbo sesmar”, partir, dividir, demarcar terras.
ALMEIDA dá outra explicação, ainda, com base em outros autores:
Sesmaria. Assim chamaram as datas das terras, casais ou pardieiros, que estão em ruína, e desaproveitados, e que os seus direitos senhorios, depois de avisados não fazem aproveitar e valer.
Antigamente eram Sesmeiros, os que El Rei destinava, para darem as ditas propriedades de Sesmaria, outras vezes permitia aos Conselhos (Municipalidades) o nomeá-los.
A origem deste nome parece que se deve procurar em Sesma (hoje Sesmo) que era a sexta parte de qualquer coisa. E como estas terras se costumavam dar com foro, e pensão de sexto ou de seis um, daqui se disse facilmente sesmaria e sesmeiro; e também sesmo, sítio, termo ou limite, em que se acham estas terras, assim dadas de sesmaria. Diz, ainda, que, segundo costume, “as terras incultas eram dadas para rotear, mediante a renda da sexta parte dos frutos.”
O original das Ordenações Filipinas pode ser visto aqui.

A legislação antiga sobre as SESMARIAS
Cândido Mendes de ALMEIDA, em nota às Ordenações Filipinas, diz que “as dadas das terras virgens do Brasil não se poderia chamar Sesmarias, mas como se achavam desaproveitadas, assim foram também denominadas. E a respeito dessas dadas ou datas expediram-se diferentes atos legislativos de que por interesse histórico apontaremos aqui os principais e mais notáveis; visto como a presente Ordenação não era aplicável a este país.”
A parte das Ordenações Filipinas relativa às sesmarias e a subseqüente legislação foi revogada pela Lei nº 601 – de 13 de Setembro de 1850, e Decreto nº 1318 – de 30 de Janeiro de 1854, regulando a venda e a posse das terras devolutas e públicas.
Antes da revogação, a Legislação portuguesa sobre o assunto era a seguinte, conforme ALMEIDA:
“A Provisão de 5 de Dezembro de 1653 declarava que as dadas de Sesmarias não se reputavam bens a Coroa, embora estivessem lançadas nos livros dos Próprios.
O A1vará de 1º de Abril de 1680 § 40 e Lei de 6 de junho de 1655 declarava que na concessão de tais dadas a particulares sempre se reservava o prejuízo de terceiro.
As Sesmarias privativamente do Brasil, contam as seguintes Cartas Régias: de 16 de Março de 1682, de 27 de Dezembro de 1695, de 7 de Dezembro de 1697, de 23 de Novembro de 1698, de 20 de Janeiro de 1699, de 27 de Janeiro de 1711, e Provisões de 20 de Agosto, e de 28 de Março de 1743.
O A1vará de 5 de Janeiro de 1785 declarou, que as Sesmarias do Brasil constituíam uma parte considerável do domínio da Coroa, e eram dadas com a condição essencialíssima de se cultivarem.
(...)
Pela Carta Régia de 4 de julho de 1768 §11 tem o governo permissão para dar as das Corporações de mão-morta, quando elas não queiram fazê-lo, estando incultos os terrenos.
O Decreto de 10 de julho de 1792 declarou, que por Lei antiga, promulgada para bem e adiantamento da agricultura, e incorporadas na Ordenações davam as Sesmarias de terras incultas, sem outro encargo além do Dízimo.
A1vará de 5 de Outubro de 1795 regulou a concessão das Sesmarias no Ultramar, devendo para esse fim serem ouvidas as câmaras.
Este Decreto foi suspenso em 1796 por outro de 10 de Dezembro.
Pelo Decreto de 22 de Junho de 1808 foram os Capitães Generais do Brasil autorizados para fazer concessões de datas de Sesmarias, sujeitas a confirmação do Desembargo do Paço.
Por outro Decreto de 25 de Novembro do mesmo ano permitiu-se que essa concessão se estendesse aos estrangeiros residentes no Brasil.
O A1vará de 25 de Janeiro de 1809 regulou a forma das cartas expedidas pelo Desembargo do Paço, e as condições de aprovação.”
(...)
Casaes significa casa de campo ou granjerias. Também se chama casal o lugarejo de poucas casas, o solar, conforme ALMEIDA, que define pardieiros como sendo casas velhas, ameaçando ruínas, ou já arruinadas e desabitadas. Ainda ALMEIDA explica que sesmeiros eram os que tinham cargo de dar Sesmarias, das terras maninhas, incultas, ou abandonadas.
O original das Ordenações Filipinas pode ser visto aqui.

terça-feira, 15 de junho de 2010

O Primeiro Morador de Itajaí


Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato III
Hoje é o aniversário de direito de Itajaí, pois, pela lei, a cidade emancipou-se de Porto Belo em 15 de junho de 1860.

Até 1832, a região em que hoje se encontra a cidade de Itajaí pertenceu à cidade atualmente denominada São Francisco do Sul.
Em princípios de 1553, Fernando de Trejo e Maria de Sanabria, espanhóis, fundam uma povoação na Ilha de são Francisco (l). Todavia, dali se retiram algum tempo depois (2).
Segundo Walter Piazza e Carlos Pereira, quando Manoel Lourenço de Andrade chegou a São Francisco do Sul, lá já tinha capela de N.S. da Graça (3 e 4). A elevação do povoado (na terminologia das Ordenações Filipinas, povoado era chamado de “lugar”) à categoria de Vila deve ter ocorrido, segundo supõe Carlos Pereira, por volta de 1660. Apesar de Piazza afirmar que em 1658 é que se inicia, efetivamente o povoamento de São Francisco, ele mesmo alerta que há elementos que asseveram ter, em 1642, sido entelhada a casa do Capitão-mor e em 1646 estruturada a paróquia e nomeado seu primeiro vigário.
Manoel Lourenço de Andrade, considerado fundador de São Francisco do Sul, segundo Piazza (5), ou povoador, segundo Pereira (6), recebeu poderes para governar e conceder terras do Marquês de Cascaes, herdeiro de Pero Lopes de Souza (7). Manoel Lourenço era natural de Lamego (Portugal), casando-se com Branca de Andrade em São Paulo (3). Junto com o povoador, vieram, em 1658, várias várias pessoas, entre as quais João Dias de Arzão, paulista, que recebeu uma sesmaria junto à foz do Rio Itajaí-Mirim. Apesar de Edison D'Ávila dizer, na página 17, de sua "Pequena História de Itajaí", que a família Arzão logo se retiraria sem fazer fortuna, afirma,na página 92 da mesma obra, que Arzão morreu em Itajaí, no ano de 1697. Todavia, o engano parece estar na página 17(8).

No foto acima, de 2004, Navegantes vista de Itajaí. A Sesmaria de Arzão ficava em Navegantes, que era parte de Itajaí até 1960.

Notas
1 - PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: Sua História. Florianópolis, Editora da UFSC-Editora Lunardelli, 1983, pp. 91-92).
2 – PEREIRA, Carlos da Costa. História de São Francisco do Sul. Florianópolis, UFSC/Prefeitura Municipal de São Francisco do Sul, 1984, p. 40.
3 – PIAZZA, obra citada, p. 111.
4 - PEREIRA, obra citada, p. 42.
5 – PIAZZA, obra citada, p. 112.
6 – PEREIRA, obra citada, p. 40.
7 - PIAZZA, obra citada, p. 112.
8 - D'ÁVILA, Edison. Pequena História de Itajaí. Itajaí, Prefeitura Municipal de Itajaí, 1982.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A CAPITANIA DE SANTA CATARINA


Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato II

Acatando idéia de Diogo de Gouveia, Dom JOÃO III, rei de Portugal, cria, em 1532, o sistema de capitanias hereditárias. Mais tarde, deixam de ser hereditárias, sendo correto, então, chamá-las só de capitanias. E, após o regresso da expedição que Martim Afonso de Souza fez ao Brasil, o litoral brasileiro foi dividido em 12 capitanias, de 50 léguas cada uma e profundidade variável. Isto ocorreu em l533.
A partir de março de 1534, lavraram-se "cartas de doação" e, depois, os respectivos "forais" (1).
No mesmo ano, Pero Lopes de Souza, irmão de Martim Afonso, recebe 70 léguas litorâneas, nas quais estava compreendida toda esta parte do território atual de Santa Catarina. A capitania recebeu o nome de “Capitania de Santo Amaro e Terras de Sant’Ana”. Pero Lopes morre antes de tomar posse de seu quinhão. Sua esposa, Dona Isabel de Gamboa passa a ser tutora do filho do casal. É que, na época, segundo dispunham as Ordenações Filipinas, a mãe não assumia o poder sobre o filho com a morte do pai. Para tanto ela deveria ser nomeada tutora. Assim, a viúva de Pero Lopes foi nomeada tutora do filho do casal e, nesta condição, nomeou, em 1542, Capitão-mor Loco-Tenente a Cristóvão de Aguiar Altero. Se chamava “ Capitão-mor Loco-Tenente” por que era alguém que tinha (= “tenente”) o lugar (=“loco” - hoje seria o “cargo”) do capitão-mor. Dona Isabel nomeou, também, um Ouvidor (o Ouvidor fazia as funções de Juiz; Ouvidor e Juiz de Fora tinham as mesmas atribuições). Assim, Cristóvão tinha o lugar, estava ocupando o lugar, do Capitão-mor, que era equivalente a ser governador da Capitania (tanto é que, mais tarde, passou-se a usar o nome de Governador da Capitania em vez de Capitão-mor). Com procuração dos donatários, os Capitães-mores Loco-Tenentes podiam, entre outras atribuições, conceder sesmarias. Os donatários nomeavam capitães-mores loco-tenentes até 1669. A partir daí, a escolha era feita em lista tríplice, elaborada pelo donatário, cabendo a escolha ao Rei. Em 1710 a Capitania de Santo Amaro e Terras de Sant’Ana foi vendida ao Marquês de Cascaes, do qual a Coroa Portuguesa a comprou em 1714, por quarenta e quatro mil cruzados. Em 1738, por Provisão Régia, é criada a Capitania de Santa Catarina, da qual foi primeiro Governador o Brigadeiro José da Silva Paes, nomeado pelo Aviso Régio de 11.08.1738 (2).

Na foto acima, de 1999, o molhe, os tetrápodes e a praia de Cabeçudas, em Itajaí/SC.

Notas:
1 - PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: Sua História. Florianópolis, Editora da UFSC-Editora Lunardelli, 1983, p. 97.
2 - PIAZZA, obra citada, pp. 97-101, 120-133).

domingo, 13 de junho de 2010

A pré-história de Itajaí


Itajaí: 150 anos de direito, 352 de fato I

Os primeiros vestígios humanos na região de Itajaí,com datações pelo método Carbono 14, são de 3.280 a.c … Pertencendo à "fase" pré-cerâmica, são da "fase" Itajai, que é...
dentro da cultura dos 'sambaquis', a de maior antiguidade no Estado de Santa Catarina, até o momento.
Os povos desta "fase" são da tradição tupi-guarani.
Em 1500, ali habitavam os índios Carijós, da mesma tradição tupi-guarani.
Pelo menos a partir da chegada dos portugueses, o Rio Itajaí-Açu (na, foz do qual está a cidade de Itajaí, atualmente) serviu como ponto de referência da Região. Em 1516, no Mapa dos Reinel (pai e filho) ele era denominado rio "das voltas" e, em 1563, na carta de Ramúsio, rio "de las Bueltas" (1). No século XVII, um trabalho...
feito segundo notícias de Emanuel Figueiredo, português. e Theodoro Reuter, holandês” menciona o rio como aquele “que os índios chamam de Tajahug.”
No mapa Garaffa de 1637 ou 1641, é mencionado o Rio Tayahuy e no mapa de José Ferreira de Mendonça, em 1796, grafa-se "Rio de Tajay". Em 1799, Joaquim Francisco de Salles e Mello escreve rio Itajahy, ao requerer terras na região (2). Não é, pois, sem razão que, até hoje, não se chegou a um acordo quanto ao verdadeiro significado da palavra Itajaí, pois, 'como asseverou Edison d'Ávila,
é muito difícil se chegar a uma certeza, que só os índios poderiam dar (3).

Na foto acima, de 1999, Itajaí vista do molhe.

Notas:
1 - PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: Sua História. Florianópolis, Editora da UFSC-Editora Lunardelli, 1983, pp. 54, 68, 85-86).
2 – SILVEIRA JÚNIOR, Norberto. Itajaí. São Paulo, Comemorativas, 1972, pp. 11 e 29.
3 – D'ÁVILA, Edison. Pequena História de Itajaí. Itajaí, Prefeitura Municipal de Itajaí, 1982, p. 16.

sábado, 12 de junho de 2010

A CONGADA

DIREITO E ESTADO ENTRE OS CENTRO-AFRICANOS 16


SOUZA (1) aponta a eleição do Rei Congo (ou congada) como um dos resquícios do passado dos escravos no Brasil. A festa se realizava em diversas cidades brasileiras e constava da eleição de um rei, uma rainha e a corte, ou só o rei e a sua corte. A congada, registre-se, é, no Brasil, uma festa tipicamente negra.
Os escravos e os libertos (forros) se organizavam numa irmandade católica, no Brasil, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Sobre esta irmandade, além da obra de SOUZA, tive informações sobre a que existia na hoje Florianópolis, então Desterro, no Século XIX, nos seguintes trabalhos: MORTARI, Cláudia. Os Homens Pretos do Desterro – Um estudo sobre a irmandade de Nossa Senhora do Rosário (1841-1860). Dissertação apresentada ao CPGH da PUC-RS, 2000; MORTARI, Cláudia. A Irmandade de Nossa Senhora do Desterro e São Benedito dos Homens Pretos: um espaço de controle ou um território negro de resistência? (1840-1850). UFSC/Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Curso de História, 1995. Cláudia MORTARI e Fabiana COMERLATO. Transcrição de Diversos Manuscritos Referentes à Irmandade de N.S. do Rosário e de N.S. do Parto. Fpolis, 2000.

Notas:
1 - SOUZA, Marina de Mello e. Reis Negros No Brasil Escravista. Belo Horizonte, Edito-ra UFMG, 2002, p. 258 – mas o tema é o objeto de toda a obra.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O QUILOMBO

DIREITO E ESTADO ENTRE OS CENTRO-AFRICANOS 15

O quilombo (famoso no Brasil como local em que se juntavam escravos fugitivos) não era, também entre os africanos, um conglomerado de membros de um povo ou nação: apesar de não ser abrigo de escravos fugitivos, era uma comunidade guerreira, sem laços de parentesco. O quilombo, na África, era um sistema militar de iniciação; a entrada para o quilombo significava o fim dos vínculos de linhagem, passando as crianças a serem educadas pela comunidade (quando não eram assassinadas ou abortadas). Os Mbangala criaram os ritos e leis (quigila/kijila) dos quilombos (1). Entre os ritos estava o canibalismo (2), abstinência de carnes de porco, de elefante e de serpente. O sacrifício de crianças, já narrado em outra postagem – extraído da obra de SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Frantei-ra/Fundação Biblioteca Nacional, 2002 – é também narrado por PARREIRA: Um dos rituais do quilombo, obrigava ao sacrifício de uma criança que devia ser pisada no pilão e reduzida a uma massa informe, à qual se juntava ervas, raízes e uns pós. A massa de carne humana, depois de fervida e atingir a consistência desejada, era chamada maji-a-osamba, a pomada mila-grosa, com que os homens se deviam untar antes de partirem para a guerra. Outra lei kijila associava os gêmeos ao infortúnio e ao mau presságio, de modo que estes e os deficientes físicos eram sacrificados logo após nascerem (3). Os quilombos brasileiros possuíam algumas características dos quilombos Mbangala (4), havendo grande semelhança entre as táticas de guerrilha dos ambundos de Angola e as dos palmaristas (5).

Notas:
1 - HEINTZE Beatrix. Angola nas garras do tráfico de escravos: as guerras do Ndongo (1611-1630). Em REVISTA INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS, Lisboa, Editora Jill R. Dias, nº 1, janeiro/junho 1984, p. 44. Quigila ou Kijila, em kimbundo, quer dizer proibição
2 - SOUZA, Marina de Mello e. Reis Negros No Brasil Escravista. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, p. 104.
3 - PARREIRA, Adriano. ECONOMIA E SOCIEDADE EM ANGOLA Na Época da Rainha Jinga Século XVII. Lisboa, Editorial Estampa, 1997, pp. 153 e 154.
4 - PANTOJA, Selma. NZINGA MBANDI – MULHER, GUERRA E ESCRAVIDÃO. Brasília, Thesaurus, 2000, pp. 99, 100, 155, 157. Os Mbangala eram povos do interior do continente africano, da região dos Lunda (obra citada, p. 98).
5 - SOUZA, Marina de Mello e. Reis Negros No Brasil Escravista. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, p. 113.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

MOÇAMBIQUE




DIREITO E ESTADO ENTRE OS CENTRO-AFRICANOS 14


No que hoje é Moçambique, havia o reino Monomotapa, organizado segundo o modelo habitual de monarquia africana, cuja fundação se deu no século XV. A integridade física do rei era condição de prosperidade do país, havendo, pois, o regicídio sagrado (1). Já em Nsanje, que é uma região africana fronteiriça com Moçambique, existiu Mbona, um célebre fazedor de chuva, que passou a ser cultuado. Acredita-se que o médium do grupo encarna o próprio Mbona, cujas ordens podem deitar por terra quaisquer decisões dos chefes responsáveis (2). Em Moçambique havia também o império marave, em que predominava a etnia Njanja, que se expandiu nos fins do século XVI e começo do século XVII. Os chefes detinham o uso exclusivo de certas peles e recebiam um imposto chamado cha moto (pelo fogo). Os povos Njanja e Yao se subdividiram em pequenos estados nos fins do século XIX. Um destes era o Estado chefiado por Mataka, apoiado por vários chefes membros de clã ou por chefes nomeados (jumbe). Ainda no século XIX, havia também em Moçambique o reino dos Hehe (3).
A foto acima, no centro, é um artesanato comprado na Bahia/Brasil e reproduz uma baiana com seu tabuleiro. As fotos laterais são de um artesanato moçambicano, comprado pelo correio.

Notas:
1 - KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Tradução de Américo de Carvalho. Mem Martins (Portugal), Publicações Europa-América, 3ª Edição, 1999, p. 240 e MARTINS, José Soares e MEDEIROS, Eduardo da Conceição Medeiros. A história de Moçambique antes de 1890: apontamentos bibliográficos sobre os resultados de investigação entre 1960 e 1980. Em REVISTA INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS, Lisboa, Editora Jill R. Dias, nº 1, janeiro/junho 1984, p. 205.
2 - SCHOFFELEERS, Matthew. “Hoje em dia eles cospem em Jesus!” a polarização de uma zona rural africana. Em REVISTA INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS, obra citada, pp. 95-96, 103-104.
3 - LIESEGANG, Gerhard. Guerras, terras e tipos de povoações: sobre uma “Tradição Urbanística” do Norte de Moçambique no século XIX. Em REVISTA INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS, obra citada, pp. 170-172.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

IMBANGALAS E BANGUELA

DIREITO E ESTADO ENTRE OS CENTRO-AFRICANOS 13


Em 1601, os portugueses que traficavam escravos, viram a paliçada imbangala. Era muito grande e tinha doze portas, uma para grupo de guerreiros (calculados em 12 mil). Foi visto também um régulo de cabelo comprido e enfeitado de conchas. Usava ele, a envolver a parte inferior do corpo, um pano de ráfia. Trazia colares de búzios e, ao redor da cintura, contas de ovos de avestruz. Peito e costas, pintados de vermelho e branco, cobriam-se de escarificações, untadas de gordura humana. E no nariz e nas orelhas exibia batoques de cobre. (...) Os imbangalas necessitavam de escravos jovens para renovar e ampliar os quilombos. Neles só inseriam, entretanto, os meninos não circuncidados, isto é, que não haviam sido submetidos aos ritos de passagem que os tornavam membros adultos de uma linhagem, aptos ao casamento e à procriação. Esses guris eram submetidos a curtas mas duríssimas cerimônias iniciatórias, durante as quais se lhes extraíam os incisivos superiores e talvez também os inferiores (e, como em vez de bangala, muitos diziam banguela, a palavra passou a aplicar-se a quem lhe faltam os dentes da frente), e a um não menos rigoroso treinamento militar.
Notas:
1 – SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Franteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, p. 422.

terça-feira, 8 de junho de 2010

OS IMBANGALAS


DIREITO E ESTADO ENTRE OS CENTRO-AFRICANOS 12

Os portugueses chamavam os imbanglas (ou bângalas) de jagas.
Os imbangalas teriam se originado de mudanças no centro do continente africano, no Chaba ou Catanga, entre os lubas e lundas. Os lundas não se conformaram com a adoção da estrutura política dos lubas, e se afastaram sob a liderança de um ou mais quingúri. Dos "quinguris" (...) conta-se tudo com o mais sanguinário exagero. Que eram ferozes como leões – "nguri" quer dizer "leão". Que retiravam sua força de multiplicados sacrifícios humanos e da antropofagia. Que, para se sentarem ou levantarem, apoiavam-se em dois punhais, que cravavam nas costas de escravos agachados.
A passagem do quingúri para o imbangala é contada de forma muito interessante por SILVA. Desmanchou-se o tecido político e o parantesco. As mães foram proibidas de ter filhos. Sem maternidade, deixava de haver parentes, passando a renovação do grupo a ser garantida por crianças adotadas ou escravizadas, que, ao crescerem, só conheceriam uma fidelidade: ao quingúri.
Parte dos imbangalas rumou para o Oeste e encontrou o reino do Libolo, que tinha uma organização guerreira ovimbunda disciplinadíssima e rigorosa, o quilombo. Os libolas (habitantes do Libolo) eram ambundos, mas absorveram ou herdaram instituições políticas do reino ovim-bundo do Culembe. O rei dos libolas era o hango e, os que nomeava seus representantes, eram denominados vunga. O poder do soberano poderia ter como um dos seus fundamentos uma espécie da exército em constante prontidão, que tinha o nome de quilombo. Essa poderosa e disciplinada máquina de guerra talvez tenha tido origem nos centros de circuncisão. Ali ter-se-ia desenvolvido, entre jovens de diferentes linhagens, um novo sistema de coesão e fidelidade, uma associação iniciática, cujos membros se ligavam por rigorosos ritos, que os faziam invulneráveis às armas inimigas. Esses ritos não teriam sido criados por um homem, mas, sim, por uma mulher, uma rainha conquistadora, Temba Andumba (Tembo a Mbumba), que os impôs numa cerimônia recordada pelos ambundos como terrível: mandou buscar uma filha ainda bebê, colocou-a num pilão e a reduziu a uma pasta, que, após misturada com certas raízes e ervas, se transformou no poderosíssimo ungüento ‘maji a samba’, um ungüento que, esfregado no corpo, o tornava invulnerável às armas inimigas. Segundo as tradições, ela teria instado os seus guerreiros a matar os próprios filhos, corta-los em pedaços e comê-los.
Na foto acima, artesanato queniano.

Notas:
1 – SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Franteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, pp. 420, 421.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

ANGOLA A QUILUANJE


DIREITO E ESTADO ENTRE OS CENTRO-AFRICANOS 11


Segundo SILVA, o que é hoje Angola era um reino andongo, sendo estes um subgrupo dos ambundos. O título do soberano deste reino era Angola a quiluange ou Angola a kiluange. E o nome do reino era Dongo ou Andongo, ou Ndongo. Em 1556 o Manicongo – do qual o Angola a quiluange era vassalo – não suportou mais o que entendia ser abusos do soberano do Dongo, de modo que houve guerra entre Congo e Dongo. Os portugueses lutaram dos dois lados e, numa batalha às margens do Rio Dande, o exército do manicongo foi derrotado. O interesse dos portugueses em ter relações com o reino do Angola a quiluange era chegar por terra até Mo-çambique e, portanto, às minas do Monotapa. Assim foi criada, em 1571, a Capitania e Governança de Angola, calcada no sistema das capitanias hereditárias adotado no Brasil.
O angola nunca tinha certeza de com quem podia contar. Nem todos os chefes lhe mandavam a tempo as tropas que requisitava. Não possuindo exército permanente, só tinha por seguro dispor de soldados na estação seca, quando se interrompiam as labutas agrícolas. Era durante esses meses que tradicionalmente se empreendiam as campanhas militares, até porque as tropas, após a colheita, podiam sair de casa de farnel cheio e ir comendo dos celeiros de amigos e de inimigos, pelo caminho.
Sem cavalos, as guerras na África não seguiam a mesma lógica da Europa, pois não era viável uma perseguição rápida e efetiva. Por isso, um exército que se considerasse derrotado podia fugir em desordem do campo de batalha, reunir-se de novo, dias depois, e voltar a atacar, com novo ânimo e determinação.
Os europeus que iam para a África, por seu turno, morriam mais de doenças do que por causa da guerra: Dos 1700 europeus falecidos em Angola de 1575 a 1591, só 400 perderam a vida na guerra; os demais se foram de maleita e outras febres.
Já no século XVI era grande o número de escravos exportados por Luanda: 52.053 entre 1575 e 1591, sem incluir os que não eram declarados para não pagar os impostos devidos, nem os contrabandeados. Calcula-se que, entre 1576 e 1600, 5.600 pessoas deixavam a África atlântica por ano, na condição de escravas.

A foto acima é de uma tapeçaria de Celeste Brandão Pirajá.

Notas:
SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Franteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, pp. 380, 381, 387, 387, 408, 410, 411, 413, 415, 416.

domingo, 6 de junho de 2010

Ndongo


RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 10


No Ndongo chamava a atenção do Padre Garcia Simões, em 1575, a submissão do povo do Ndongo ao Ngola, bem como a rigidez das leis (havia pena de morte para adultério e roubo) (1). Outros poderosos, no Ndongo, eram os macotas e os sobas (2). Obedecia-se por amor ou por temor. Os morindas eram os livres; os quisicos, os escravos. Não era permitido, entre os Mbundo, que mulheres fossem rainhas (apesar Nzinga Mbandi o ter sido), nem filhos de escravos ascenderem à realeza (mas Nzinga era filha de escravos - para alguns autores). Havia também leis regulando as relações de vassalagem com os Ngolas (3). No século XVIII, a demanda do tráfico de escravos fez com que se tornasse fácil reduzir alguém à servidão: pela lei quituxe, esbarrar ou pisar no pé de alguém tinha como pena a escravidão (4). Havia outros costumes dignos de nota: a rainha (Ngola) Jinga (Nzinga Mbandi) sacrificava, sempre no mês de março, a golpes de enxada, um homem e uma mulher, que eram posteriormente enterrados no campo, com a finalidade de apaziguar os espíritos e obter a sua benevolência com a colheita (5).
A foto acima, tirada em 1995, é de uma apresentação folclórica em Salvador/BA.

Notas:
1 - PANTOJA, Selma. NZINGA MBANDI – MULHER, GUERRA E ESCRAVIDÃO. Brasília, Thesaurus, 2000, pp. 132-133.
2 - Segundo PANTOJA (obra citada – NZINGA..., p. 133), macotas eram conselheiros de um soba e, entre os mbundo, conselheiros do Ngola do Ndongo. Soba é um régulo, regedor, chefe local.
3 - HEINTZE, Beatrix. Angola nas garras do tráfico de escravos: as guerras do Ndongo (1611-1630). Em REVISTA INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS, Lisboa, Editora Jill R. Dias, nº 1, janeiro/junho 1984, pp. 28-29 e 36. Também em Heintze se vê que o Ndongo era um Estado e seu rei era chamado “senhor da chuva” – p. 40. Sobre os makota há informação na p. 45.
4 - PANTOJA, obra citada, pp. 140 e 157. A mesma informação consta em HEINTZE, obra citada, pp. 11-12.
5 - PARREIRA, Adriano. ECONOMIA E SOCIEDADE EM ANGOLA Na Época da Rainha Jinga Século XVII.Lisboa, Editorial Estampa, 1997, p. 41.

sábado, 5 de junho de 2010

Os Ambundos


RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 9
Cor do texto

O reino do Ndongo fora vassalo do Congo, apesar de também haver informação de que, no século XVII, o Ndongo ser um estado independente e poderoso (1). O Ndongo e Matamba ficavam ao sul e sudeste do Congo e neles habitavam ambundos (2) e jagas, os quais pagavam tributos ao rei congolês e reconheciam sua soberania, mesmo que formalmente (3). No século XVII, Portugal enfrentou resistência liderada por Nzinga Mbandi, então rainha ou Ngola (4) do Ndongo. O nome Angola se devia ao fato de que o soberano do reino de Ndongo tinha o título de Ngola. O Ngola possuía centenas de mulheres e o matrimônio mais comum na África pré-colonial subsaariana era a poliginia (5). Os ngola eram considerados sagrados, com poderes sobre a chuva, estando-lhes outorgada a função de lançarem as primeiras sementes na terra (6).
Na foto acima, tirada em 1995, apresentação folclórica na Bahia.

Notas:
1 - PANTOJA, Selma. NZINGA MBANDI – MULHER, GUERRA E ESCRAVIDÃO. Brasília, Thesaurus, 2000, p. 131.
2 - Bacongo era o habitante do Congo; ovimbundo, o de Benguela e ambundo, o de Angola (SOUZA, Marina de Mello e. Reis Negros No Brasil Escravista. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, p. 143).
3 - SOUZA, obra citada , p. 99.
4 - KI-ZERBO, História da África Negra. Tradução de Américo de Carvalho. Mem Martins (Portugal), Publicações Europa-América, 3ª Edição, 1999, pp. 423-426. Em 1617, o governador Português de Luanda declarou guerra ao Ndongo (PANTOJA, obra citada, p. 95).

5 - PANTOJA, obra citada, pp. 65 e 82. Mesmo porque a demanda por mulheres na escravidão africana foi sempre maior do que na escravidão Atlântica, inclusive no Brasil (obra citada, pp. 33 e 83). Numa relação de cativos que saíram do Rio de Janeiro para outras províncias, de um total de 19.134, havia anotação do sexo em 2.249. Nestes casos, a proporção era de três homens para cada mulher (FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras – Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, pp. 58-59).
6 - PARREIRA, Adriano. ECONOMIA E SOCIEDADE EM ANGOLA Na Época da Rainha Jinga Século XVII.Lisboa, Editorial Estampa, 1997, p. 175.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Os Jagas



RAÍZES JURÍDICO-POLÍTICAS CENTRO-AFRICANAS 8

Os jagas invadiram o Congo por volta de 1568. Destes jagas se diz muita coisa: uma horda feroz, nômade, antropófaga, destruidora, que vivia da guerra e do saque, como relatou Filipo Pigafetta citado por SILVA. Mas, pondera o mesmo SILVA, talvez os próprios jagas difundissem uma imagem cruel de si mesmos, que não correspondesse à realidade (como faziam os manes da Serra Leoa, os galas da Etiópia e os zimbas de Moçambique). É possível que a organização social dos jagas tenha surgido das sociedades secretas de caçadores ou dos acampamentos de iniciação de jovens, entre camaradas que se sentiam mais ligados uns aos outros por aqueles ritos, e pelos juramentos de sangue que então faziam, do que às respectivas estirpes...
Jaga", em quicongo antigo, significava o "outro", o "estrangeiro", o "bárbaro" e, mais tarde, já no século XVII, também "bandido". Os jagas podem se ter formado para escapar de razias e sequestros. “De pasto das razias angicas e congas, eles passaram a dedicar-se a capturar gente para o manicongo ou o "macoco".
No período da invasão dos jagas, os congueses se viram forçados a trocar por comida seus escravos, seus dependentes e até familiares. Mesmo filhos de nobres foram escravizados. Mas, em 1571, os jagas foram expulsos do Congo e recuaram até o médio Cuango, onde se instalaram, dando origem aos iacas.
Expulsos os jagas, o tráfico de escravos voltou a prosperar.

As fotos acima são de artesanato de provável origem queniana.

Notas:
SILVA, Alberto da Costa e. A Manilha e o Libambo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Franteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, pp. 390, 391, 392.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

CORPUS CHRISTI 8


O público que vai à Procissão de Corpus Christi, hoje, em geral é maior ou menor do que o que ia antigamente?
Antigamente, talvez houvesse mais divulgação das recompensas espirituais para quem acompanhasse procissões. E dos castigos que poderiam receber os que se furtassem a acompanhar a procissão. Vejamos.
Para recompensar a presença do público nas procissões, eram prometidos benefícios espirituais. Assim, as pessoas que fossem acompanhar a procissão de Corpus Christi eram agraciadas com indulgências de seus pecados, sendo as Constituições do Arcebispado da Bahia, de 1707, bem expressas neste ponto (e menos detalhistas quanto aos castigos aos faltosos):

Livro Terceiro
TÍTULO XVII.
DAS INDULGÊNCIAS QUE SE GANHAM NA PROCISSÃO DE CORPO DE DEUS, E SUA E SUA OITAVA E DE COMO SE HÃO DE PUBLICAR PELOS PÁROCOS.

502. Para que os fiéis Cristãos com maior religião, e piedade celebrem esta Santíssima festa, concederam os Sumos Pontífices Urbano IV, Clemente V, Martinho V, e Eugenio IV Indulgências, as quais mandamos que os Párocos publiquem, e declarem a seus fregueses na estação da Dominga precedente, e juntamente as que Nós concedemos aos que acompanharem a Procissão. E em primeiro lugar os admoestarão, e exortarão a que neste dia, ou na oitava dele se confessem e comunguem, e assistam à Missa solene, e Horas Canônicas, e dêem, quanto lhes for possível, algumas esmolas, e continuem a fazer orações nas Igrejas, porque estes são os ofícios de piedade, com que se devem preparar para lucrarem as Indulgências desta festa, as quais são as seguintes.

503. Os que assistirem confessados e comungados as Matinas, e Missa solene no dia de Corpo de Deus, e às primeiras Vésperas, e segundas ganham cem anos de Indulgência. E os que assistirem à Prima, Terça, Sexta, Nona, e Completas, ganham cem anos por cada uma das ditas Horas: e os que jejuarem à Véspera, ganham cem anos. E nos sete dias do Oitavário se ganham os mesmos cem anos de Indulgência assistindo às Vésperas, ou Matinas, ou Missa. E a todas as pessoas que à ida, e volta acompanharem a Procissão, concedemos Nós quarenta dias de Indulgência. E juntamente os Párocos declararão a seus fregueses na dita estação as penas destas Constituições, que incorrem os que não acompanharem a sobredita Procissão em dia do Corpo de Deus.
As horas canônicas são as seguintes: Matinas = 00h00; Laudes = 03h00; Primas (início das missas públicas) = 06h00; Terça (oportunidade da missa solene) = 09h00; Sexta = 12h00; Nona = 15h00; Vésperas = 18h00; Completas = 21h00 (veja mais informações sobre as horas canônicas aqui).

A foto acima é da Procissão de Corpus Christi em Itajaí, no ano do centenário da cidade (1960). A foto foi tirada na esquina da Rua Felipe Schmidt com Hercílio Luz. Ao fundo aparece o prédio em que funcionava a matriz do Banco Inco. O centenário era um fato político, a procissão, um fato religioso. O SSmo. Sacramento é o Padroeiro de Itajaí, que antes se chamava Vila do Santíssimo Sacramento de Itajaí. A procissão, comemorando o centenário, era um resquício da união entre Igreja e Estado. A menina que segura a tocha tinha 10 anos de idade.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

CORPUS CHRISTI 7

O que se pensa que é um costume de ornamentar as ruas da cidade por onde passa a procissão de Corpus Christi, na verdade não é tradição, hábito ou costume, mas deriva de uma obrigação imposta pelas Constituições do Arcebispado da Bahia, de 1707. Além de enfeitarem as ruas, os fregueses (= filhos da igreja) deviam ornamentar suas casas e ficarem de joelhos, com a cabeça descoberta, quando a procissão passasse:

500. E mandamos outrossim a todos os nossos súditos, que no dia em que se fizer esta solene Procissão tenham as ruas, e lugares por onde houver de passar limpos; e ornados com ramos e flores nas janelas e paredes concertadas, e armadas com sedas, panos, alcatifas, tapeçarias, quadros, imagens de Santos, e outras pinturas honestas, quanto lhes for possível.

501. E outrossim mandamos, que nenhum homem, (não tendo legítima causa) enquanto a Procissão passar pelas ruas, esteja às janelas, ou sentados em cadeiras de espaldas com a cabeça coberta, e tanto que avistarem o Senhor se porão de joelhos sob pena de excomunhão maior.

terça-feira, 1 de junho de 2010

CORPUS CHRISTI 6

As Constituições do Arcebispado da Bahia, de 1707, determinavam não só a obrigatoriedade dos padres seguirem a procissão de Corpus Christi, como disciplinavam sua roupa e asseio (as tonsuras ou coroas deviam ser aparadas, da mesma forma que as barbas):


498. E mandamos sob pena de excomunhão maior ipso facto incurrenda, e de mil réis de multa a todos, e quaisquer Clérigos de Ordens Sacras, ou Beneficiados, ainda que sejam de Menores, de qualquer qualidade, ou condição que sejam, que se acharem nesta Cidade, ou em qualquer das Vilas, ou Lugares em que se fizer a Procissão do dito dia de Corpus Christi, a acompanhem da Igreja donde sair, até se recolher, e irão com vestido Clerical decente, e com sobrepelizes lavadas, coroas, e barbas feitas.
499. E sob a mesma pena de excomunhão, que neste caso pomos como Delegados da Santa Sé Apostólica, mandamos a todos os Religiosos das Religiões, que costumam no nosso Reino de Portugal acompanhar esta Procissão, que assim nesta Cidade, como nas Vilas, e Lugares de nosso Arcebispado, (em que houver costume de se fazer a dita Procissão) a acompanhem no dito dia em corpo de Comunidade com Cruz diante, da Igreja donde sair até se recolher. E o nosso Provisor nesta Cidade mandará dois dias antes fixar um edital nas portas da nossa Sé, porque mande as pessoas, que a isso são obrigadas, se achem na tal Procissão, declarando-lhes que se assim o não cumprirem, incorrem nas ditas penas de excomunhão e dinheiro.