Iago é um conhecido meu e, um dia desses, contou-me uma história interessante. No começo dos anos 90 conheceu uma moça muito bonita. Seu nome era Sibila. Conversou algumas vezes com ela, mas uma mudança de bairro dificultou os encontros e eles passaram a se comunicar por carta. Iago foi percebendo que seus sentimentos estavam passando do que seria de se esperar por uma amizade. Mas Sibila se comportava nas cartas como quem nada pretendesse além da amizade. Iago, então, mandou uma carta que era uma cantada. Mas, disse-me ele, talvez a cantada contida na carta fosse direta demais, ou, pelo menos não deixava claro o que efetivamente era pretendido por Iago (na verdade era pretendia namorar com Sibila).
Talvez pela cantada ter sido direta além da conta, talvez por lhe faltar as necessárias sutilezas, o fato é que a moça recusou o bote e se mostrou muito ofendida na carta-resposta que remeteu a Iago (naquele tempo não havia e-mail). Uns dois meses depois, porém, Sibila encontrou Iago num evento e tentou se aproximar dele. Iago não lhe deu trela. Sibila telefonou, logo depois para Iago e propôs-lhe que não restassem mágoas entre os dois (alegou que era por superstição, para não dar azar em eventual relacionamento, com algum carinha mais legal). Evidentemente que a proposta continuava deixando Iago fora das cogitações de Sibila. Iago disse que estava tudo bem e que esqueceria as mágoas (e, confessou-me ele, esqueceu Sibila também).
Mas o tempo passou e nunca mais Iago teve notícias de Sibila. Durante este tempo Iago casou, mudou de cidade e de profissão. Ficou 16 anos sem ter notícias de Sibila. Até que, um dia, recebeu um e-mail, em que ela pedia notícias. Iago deu-lhe as notícias e houve uma troca de um ou dois e-mails, que cessaram quando ele lhe disse que havia casado e era feliz no casamento.
O episódio dos e-mails e seu fim abrupto, porém, deixou Iago curioso e ele foi consultar Morgana, sua amiga. Morgana lhe explicou que, às vezes, as mulheres - mesmo que queiram aceitar a cantada - ficam impedidas de aceitar, em face da falta de sutileza ou do exagero das intenções do cantante. Iago, achou interessante a explicação dada por Morgana. Disse-me ele, porém, que nunca ficou sabendo o que Sibila pensava dele no passado, nem o que efetivamente pretendia no presente.
O fato é interessante para entendermos a prescrição e a decadência de direitos.
A prescrição extingue uma pretensão, conforme o art. 189 do
Código Civil e a decadência extingue o direito. O Código Civil não define a decadência como faz com a prescrição, mas nos vários artigos que trata da decadência, permite que se perceba que a decadência é a perda do direito e a prescrição é a perda do direito de ação ou pretensão.
No caso de Sibila, ao receber a cantada de Iago, ela poderia aceitar de imediato ou esperar um tempo e, depois, aceitar. Supondo-se que Sibila sempre quis aceitar a contada, ela exerceu duas vezes a pretensão: no encontro pessoal e, depois, no telefonema. Talvez não tenha sido clara o suficiente para que Iago percebesse sua intenção e, por isso, sua pretensão não foi atendida. Depois deixou muito tempo passar e, ao perder o contato com Iago, acabou vendo desaparecer a pretensão de aceitar a cantada. Mas, com o casamento de Iago, passou a haver um impedimento jurídico para a aceitação da cantada, de modo este direito de aceitar, teria sido vitimado pela "decadência". Assim, mesmo que a troca de e-mails tenha, aparentemente, feito ressurgir a pretensão, esta era inviável, pois tinha ocorrido a decadância.
Em resumo: a prescrição é a perda do direito de ação, do direito de entrar contra alguém na justiça, de, enfim, processar alguém. A decadência é a perda do direito, do direito cujo cumprimento se pedirá na ação.