terça-feira, 30 de novembro de 2010

Crise do Dto. Constitucional na Europa do séc. XIX


Na Europa continental prevaleceu, durante a primeira metade do século XIX, a idéia de que países dotados apenas de uma Constituição de fato eram países sem Direito Constitucional, já que se distinguia Constituição de Direito Constitucional. No pensamento liberal-burguês haveria duas modalidades de constituição: uma "jurídica" e outra "sociológica". Esta última era reprovada pela consciência jurídica e caracterizaria os Estados despóticos. Mais tarde a Constituição passou a representar o espelho real de toda e qualquer organização política, conforme acentua BONAVIDES (1). Note-se que estas concepções brotaram entre os teóricos de origem germânica (alemães, franceses e anglo-saxões).
A crise do direito constitucional é abordada também por BONAVIDES. Esta crise, segundo o autor, é a tentativa de substituição de um constitucionalismo jurídico por um constitucionalismo político (2). A crise do Direito Constitucional é a constatação de que a Constituição não resolvia todos os problemas da convivência política humana
Esta "crise do direito" constitucional eclode em modos diferentes em cada país. Nos países em que triunfou o liberalismo e o capitalismo e onde a Constituição passou a ser a garantia do que se chamou estado liberal burguês [França, Alemanha, Inglaterra (3) e EUA, principalmente], a reação ao liberalismo foi o socialismo, resultado do que se considerou a exploração do proletariado, sob a proteção do direito. Vejam-se, por exemplo, as condições de trabalho na Inglaterra, segundo Karl MARX:
A lei de 1833 declara que a jornada normal de trabalho fabril deveria começar às 5 ½ horas da manhã e terminar às 8 ½ horas da noite, e dentro desses limites, um período de 15 horas, é legal utilizar adolescentes (isto é, pessoas entre 13 e 18 anos) a qualquer hora do dia, pressupondo-se sempre que um mesmo adolescente não trabalhe mais que 12 horas num mesmo dia...(4).

 
É também MARX, que, ao comentar a constituição francesa de 1848, afirma que cada parágrafo da Constituição encerra sua própria antítese (5).
Sobre o Direito, MARX declarava estar a serviço da burguesia:
Vossas próprias idéias decorrem do regime burguês de produção e de propriedade burguesa, assim como vosso direito não passa da vontade de vossa classe erigida em lei, vontade cujo conteúdo é determinado pelas condições materiais de vossa existência como classe (6).

 
Notas:
1 - BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 7 ed., 1997, pp. 24-25.
2- BONAVIDES, ob. cit, p. 26.
3 - MARX Karl. O Capital. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Abril Cultural, 1983, pp. 16 e 17.
4 - MARX, obra citada, p. 221.
5- MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte.Tradução revista por Leandro Konder. São Paulo, Abril Cultural (Os Pensadores), 1974, p. 344.
6- Trecho do Manifesto Comunista, obtido no site http://www.culturabrasil.pro.br/manifestocomunista.htm.

 

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Carros e Carroças


Em 1989, logo após ter vencido as eleições, o Presidente eleito, Fernando Collor, foi viajar pelo exterior. Das inúmeras declarações que deu, uma foi-me lembrada estes dias por Gerobão: os carros brasileiros são verdadeiras carroças.
Gerobão disse-me que alguns empresários e outros endinheirados viram aí a confirmação de um fator que os levou a apoiar a candidatura do então Caçador de Marajás: a derrubada de barreiras para a importação de automóveis, especialmente os de luxo.
E dito e feito: no governo Collor começou a abertura nas importações. A existência do similar nacional aos poucos foi deixando de ser uma barreira para importar. E logo carros estrangeiros nunca dantes vistos nas nossas ruas, passaram a se tornar corriqueiros por aqui.
Mas quando se libera uma coisa também se libera outra. E não só carros vieram para cá: outros produtos manufaturados chegaram aqui a preços muito convidativos. Havia camisetas por 30 centavos de dólar, cristais feitos à máquina por um terço do preço do fabricado à mão daqui etc etc. Os prejudicados pela concorrência estrangeira logo deixaram de pagar impostos (a primeira providência é apresentar a conta ao contribuinte...). E, nos processos criminais por sonegação de contribuição previdenciária (na época, art. 95 da Le nº 8.212; hoje, art. 168-A do Código Penal), a alegação era que a empresa quebrou por não poder concorrer com os importados.
Não faltaram Magistrados que prolataram sentenças absolutórias em profusão, acolhendo a dificuldade financeira como excludente de culpabilidade. No recurso, eu dizia que se contabilizava o lucro e se socializava o prejuízo... Algumas sentenças foram reformadas.
Do episódio, se aprende uma coisa: não há milagres na economia; se posso importar coisas que não podia comprar aqui, o meu cliente (que não era bem servido) também poderá importar o que comprava de mim.

domingo, 28 de novembro de 2010

Ele e Ela


Vênus de Milo, no Louvre/Paris
Era maio de 1969, tempos de auge da ditadura militar. Um padre tinha um programa na TV Paraná. Surgia naquele mês a Revista Ele e Ela, uma publicação voltada ao público masculino (ou seja, revista de mulher pelada).

Com 12 anos, vi meus pais estarrecidos assistindo ao programa do padre, que se ocupava de espinafrar a revista. Revista pútrida, lixo etc etc. E encerrava o programa rasgando a revista. Depois o padre "largou a batina" - como se dizia na época - e casou. Seu programa saiu do ar e a revista continuou existindo por muito tempo.

Mulheres nuas em fotos, pinturas e esculturas, existem de há muito. Vênus de Milo, para ficar num exemplo. Homens nus também são expostos há tempos como obras de arte (o David de Michelangelo, por exemplo). A nudez e a exposição da nudez são coisas tão humanas quanto comer e dormir.

David, réplica em Florença, na praça; original na Galeria Academia

sábado, 27 de novembro de 2010

"A escola de dona Júlia"


O texto a seguir descreve o cotidiano profissional de uma professora primária, no início do século XX, na cidade de Itajaí/SC.


 
Durante longo período, mais de um quarto de século, uma parte da população de Itajaí frequentou a escola de D. Júlia Miranda. Foi lá que aprendi a ler e a escrever, assim como meus irmãos, primos, amigos e conhecidos.
A figura de D. Júlia está nitidamente gravada em minhas impressões de infância. Era uma senhora de meia-idade, de pequena estatura e magrinha; usava quase sempre paletó de fazenda claro e saia preta. Quando ela passava de um lado para outro, muito pequena, olhando para tudo com os olhos escuros e vivos por trás dos óculos - que pareciam muito grandes no seu rosto miúdo - não aparentava a energia de que era possuidora.
A escola ficava pouco adiante de nossa casa, à rua Lauro Müller, num pequeno chalé de madeira, pintado de cinzento, com um jardinzinho na frente. A sala de aula ocupava a metade da casa e D. Júlia residia na parte de trás, com a sobrinha Tereza. O mobiliário era modesto: cadeiras "de italiano", onde sentavam os grandes, e, em frente a elas, uma fila de cadeirinhas da mesma fabricação, poro os menores.
No fundo da sala a mesa onde D. Júlia, sempre muito atenta, tomava as lições e corrigia os erros.
Todos tinham lousas para escrever e eu gostava dos lápis porque eram envoltos até ao meio em papéis coloridos.
Quem passasse pela escola, no período da manhã, escutaria o b-a-bá dos que soletravam, ou a taboada dos mais adiantados. A parte da tarde era silenciosa, porque, só havia aula de bordados. Lembro-me, também, de um pormenor interessante:

Todos os dias, às quatro horas, batiam na porta. Era o rapaz das roscas. D. Júlia levantava-se logo e ia atender, levando na mão uma moeda escura, de quarenta réis. Abria a porta e tirava do balaio duas grandes roscas de polvilho. Entregava uma a Tereza e ficava com a outra, para comer com o café que daí a pouco a sobrinha lhe trazia, e ela tomava ali mesmo
o me lembro de ter visto palmatória na sala de aula. D. Júlia castigava com a régua e tamm com um pequeno instrumento, aparentemente inofensivo mas que inspirava grande respeito: o seu dedal. Trazia-o muitas vezes, porque, sempre que podia ocupava-se com alguma costurinha. Nessas ocasiões, se alguém merecia castigo, ela não ia buscar a régua: levantava a mão até à cabeça do aluno e, com o dedo em que tinha o dedal, dava um croque!

 


 

O texto acima foi escrito na década de 1940. Está no livro "Uma Menina de Itajaí", de Raquel Liberato Meyer, editado em 1961, edição póstuma, pelos familiares da autora. A crônica está nas páginas 42 e 43.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

SIGNIFICADO E ORIGEM DO DIREITO CONSTITUCIONAL


A expressão DIREITO CONSTITUCIONAL pode ser entendida em, pelo menos, três sentidos:
  1. DISCIPLINA JURÍDICA = estudo das teorias, normas constitucionais, jurisprudência, doutrina e outras manifestações jurídicas que digam respeito à organização do Estado;
  2. RAMO DO DIREITO = conjunto de normas, jurisprudência, doutrina e outras manifestações jurídicas que organizam o Estado;
  3. DIREITO A SER EXERCIDO = faculdade ou poder ou meio de proteção prevista na Constituição que alguém exerce em regra contra o Estado, mas que também pode se manifestar como exigência do Estado ou mesmo de outrem (ou seja: alguém tem um direito constitucional, um direito que está na Constituição).
BONAVIDES (1) atribui a origem da expressão Direito Constitucional ao triunfo do constitucionalismo. O constitucionalismo foi um movimento que buscava a limitação do poder ora por meio de um direito natural, ora por meio da separação do poder, ora pela soberania popular. Ainda segundo BONAVIDES, a expressão Direito Constitucional se consagrou há cerca de um século. Mas é no norte da Itália, em 1797, que a expressão nasce, segundo FERREIRA (2) e passa a ser ministrada como disciplina de curso jurídico por Giuseppe Compagnoni Di Luzo em Ferrara. E é também FERREIRA que informa que a disciplina só se firmou no Brasil com o nome de Direito Constitucional após 1940, quando a cadeira de direito público constitucional foi desdobrada em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional. Mas não se pode deixar de considerar que, já quando da criação dos cursos jurídicos no Brasil (Lei de 11 de agosto de 1827), era instituída a disciplina "análise da Constituição do Império" e que passaria a se chamar Direito Público Constitucional com a Lei nº 314, de 30.10.1895 (em ambas as leis a disciplina deveria ser ministrada no primeiro ano do curso) (3).
A expressão Direito Constitucional se trasladou a outros países, tornando-se de uso corrente no vocabulário político e jurídico dos últimos cem anos, período em que passou a designar o estudo sistemático das regras constitucionais (4).
Sempre lembrando que a expressão "direito constitucional" é a junção de direito (antigamente o contrário de torto, hoje ciência do comportamento obrigatório) com constitucional, ou seja, relativo à constituição, lei diferente das outras leis, cuja diferença decorre (a) de sua superioridade hierárquica em relação a todas as demais normas jurídicas, (b) dos critérios especiais de mudança e (c) da existência de instituições que não podem ser abolidas (as chamadas cláusulas pétreas).

 
Notas
1 - BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 7 ed., 1997, pp. 22-27.
2 - FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 12 ed., 2002, p. 3.
3- Informações constantes da obra MELO FILHO, Álvaro. Metodologia do Ensino Jurídico. Rio de Janeiro, Forense, 3 ed., 1984, pp. 36-37.
4 - BONAVIDES, obra citada, p. 24.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Tomé de Souza



Quando sucederem algumas coisas que não forem providas por este regimento vos parecer que cumpre a meu serviço porem-se em obra vós a praticares com meus oficiais e com quaisquer outras pessoas que virdes que nelas vos poderão das informação ou conselho e com seu parecer as fareis. E sendo o caso que vos sejais em diferente parecer do seu hei por bem que se faça o que vós ordenardes e das tais cousas se fará assento em que se declarará as pessoas com as práticas e o parecer delas e o vosso para mo escreverdes com as primeiras cartas que após isso me enviardes.
Parte do Regimento de Tomé de Souza, datado de 17.12.1548, sendo Rei de Portugal Dom João III. In ALVES Fº, Ivan. Brasil, 500 Anos Em Documentos. Rio, Mauad, 1999, 2000, p. 56.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Tempos de Inflação


Quem chegou até a vida adulta antes de 1994 conheceu a inflação alta. Coisa de 10 a 80 por cento ao mês. Sequer se sabia quanto seria a remuneração do mês seguinte. Nas lojas, o vendedor pressionava dizendo que o preço ia aumentar no dia seguinte. E aumentava mesmo. Dia desses ouvi dois representantes comerciais conversando. Um deles lamentava os dias que correm, pois dizia que seus compradores pechinchavam muito no preço. E lembrava com saudades dos tempos em que ninguém discutia os preços. E não se discutia mesmo, pois os preços eram muito instáveis, sempre mudando para mais.
Pois bem, naqueles tempos os bancos ofereciam toda sorte de investimentos que preservassem o valor da moeda. Para gente comum havia a poupança e as contas remuneradas. Ninguém deixava o dinheiro no banco sem colocá-lo em alguma aplicação.
Para os muito endinheirados, havia o "over night", o "over" como diziam. De um dia para o outro, durante a noite, o dinheiro rendia juros e correção. Então, contou-me agora um empresário (Gerobão é seu nome), quem tinha muito dinheiro, praticamente ditava as taxas de juros. Fritz – dono de uma empresa – ligava para Geraldo, gerente de um banco:
- Geraldo, quanto estás pagando no "over"?
- 19,55%
- O Pedro (gerente de Banco Bola de Ouro) está pagando 21%!
Geraldo sabia que, se Fritz tirasse o dinheiro de seu banco, perderia o emprego. E concedia a taxa de juros de 21%.
Mas eram tempos em que os empresários ganhavam mais aplicando o dinheiro do que modernizando seu parque fabril. Um amigo contou-me que um empresário daquela época estava em dúvida se gastava alguns milhares de cruzeiros numa máquina ou colocava o dinheiro no banco. Sabia que se colocasse no banco teria um retorno maior.
A produção, por causa disso, se tornava um detalhe do processo industrial. O mesmo empresário Gerobão contou-me que era relações públicas de uma malharia, nos idos de 1990 e esta malharia destinava 500 camisetas por mês para brindes. Um dia, acabaram-se as camisetas que estavam no escritório e Gerobão pediu que lhe trouxessem mais. Vieram caixas e caixas e ele mandou contar, resultando um total de 5 mil camisetas. Ligou para o depósito, dizendo para virem buscar as 4.500 em excesso. O encarregado disse que podia distribuir as 5 mil, que não fariam falta.
Com o fim da inflação, os parques fabris estavam sucateados, pois muitas máquinas deixaram de ser compradas e as antigas não eram competitivas.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Competitividade e Câmbio


Novamente nosso empresariado está às voltas com o dólar baixo. Diz que perde a competitividade. A competitividade seria perdida no comércio exterior.
Talvez o problema não esteja só no que se vende lá fora. O fato é que o comércio aqui de dentro não consegue competir com o comércio lá de fora. Ainda se pratica aqui, na medida do possível, um capitalismo sem risco. Há produtos que não se acha aqui no nosso comércio, ou que se acha com menos qualidade.
Nos tempos de comércio fechado, coisa da década de 70, das décadas anteriores, havia uma expressão muito comum: similar nacional. Só podia importar se não houvesse o similar nacional. Qualquer porcaria feita aqui podia barrar uma importação de melhor qualidade.
Com a abertura do país, nos começos dos anos 90, foi um festival de falências. Gente que denunciei por sonegação de tributos, dizia que foi à bancarrota por não suportar a concorrência exterior. Nas audiências, eu perguntava se o parque fabril da empresa sonegadora havia se modernizado. A resposta era invariavelmente não. Ou seja, por conta do mercado interno fechado, com "similares nacionais" tendo garantia de venda, não se comprava máquinas e a qualidade dos produtos desandava.
Agora, ainda enfrentamos dificuldades para comprar coisas. Há produtos que não há no Brasil, e abundam no exterior. Suspensórios de abotoar, por exemplo, se acha em Lisboa, em Nova York, em Santiago de Compostela, em Maiami, e em muitas cidades da Itália (os mais bonitos estão lá). Aqui, só de presilha. Tênis Adidas Climacool são outro problema. Nas lojas nacionais chegam a dizer que não se fabrica mais. Entretanto, até em lojas da internet, sediadas no exterior, o produto existe.
Um dia vi na Galeria Lafaiete, em Paris, umas bolas de Natal brancas, lindas. Tinham uma textura límpida, clara, brilhante, eram bolas muito bonitas, enfim. Procuro o produto desde 2008, por aqui e nunca achei.
Agora, que mais e mais brasileiros estão viajando para o exterior, a falta de competitividade do nosso comércio local vai ficar mais evidente e mais gente vai voltar pra cá abarrotada de malas, e impressionada com a variedade do que se pode comprar.
Certamente logo o empresariado vai pedir redução de impostos e facilidades fiscais. O contribuinte vai pagar pela falta de competitividade.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

França, Brasil, Portugal, Angola


   A Revolução Francesa acabou tendo alguma influência na independência do Brasil e na adoção, por aqui, ao Constitucionalismo. 
   É que Portugal, antigo aliado da Inglaterra, aderiu à primeira coalizão contra a Revolução Francesa, pelo tratado de Londres, de 26 de setembro de 1793, dela se retirando em 1796. A Espanha, que assinou armistício com a França em 1795, declarou guerra à Inglaterra e desejou que Portugal fizesse o mesmo. Portugal não aderiu à pretensão espanhola. Em 20 de agosto de 1797 fez um tratado de paz com a França, mas logo após o diretório francês teve o tratado por nulo. Ainda em 1797, Portugal se aliou com a Inglaterra para guerrear com a Espanha e, em 1799, auxiliou os ingleses em bloqueio às tropas de Napoleão Bonaparte. Em 1801 Portugal faz novo tratado de paz com a França. Na verdade, Portugal pendia para o lado da Inglaterra, mas procurava aparentar neutralidade na contenda desta com a França. Deste modo, não aderiu ao bloqueio continental que Napoleão Bonaparte decretara contra a Inglaterra. E a sequência dos fatos levou à invasão de Portugal pelas tropas francesas, sob o comando do General bonarpartista Junot. No dia 28 de novembro de 1807, Junot chegava a Portugal e a família real partia para o Brasil, sob a proteção da esquadra inglesa (1). Aqui ficou por 13 anos. Esta permanência criou o sentimento de independência no Brasil, forçando a mudanças paulatinas: elevação do Brasil de Estado para Reino, em 1815; revolução em Portugal em agosto-setembro de 1820, que levou ao retorno da família real, permanecendo o príncipe regente Dom Pedro (filho do Rei D. João VI) no Brasil; implantação do constitucionalismo em Portugal e independência do Brasil. Uma semelhança: a independência de Portugal do reino de Leão e Castela, em 1128, foi declarada pelo neto do rei de Leão e Castela (D. Afonso Henriques); a independência do Brasil foi proclamada pelo filho do rei de Portugal.
   De se ponderar que não foram só os eventos que se seguiram à invasão de Portugal pelos franceses que levaram à independência do Brasil. Já no século XVIII se acentuava a dependência de Portugal para com o Brasil, de modo que a relação de ambos não era meramente o de um servo colonial e um senhor europeu. Desde a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro (que foi uma questão amplamente brasileira, apesar de seu objetivo ser o restabelecimento da soberania portuguesa no Brasil), os líderes portugueses mais astutos passaram a tratar os brasileiros com cuidado, com respeito conveniente e com cautela (2). Ademais, o Brasil não era a única opção para a fuga da família real portuguesa: havia também Angola, na época também colônia de Portugal. Ilustrativo desta relação Portugal-Brasil-Angola é o seguinte episódio:
   Por volta de 1660 os comerciantes brasileiros começaram a enviar cachaça e tabaco para seus representantes comerciais na capital colonial de Angola, a fim de serem negociados no comércio de escravos (3), especialmente com o reino de Matamba. Em Angola a cachaça brasileira era conhecida por geribita. Por ser mais barata e com teor alcoólico mais alto, a geribita desbancou o vinho e o aguardente portugueses. Não tardou, portanto, que o comércio da cachaça fosse proibido, sob o argumento de que a bebida era nociva à saúde (1679). Desde a proibição, porém, não faltaram as tentativas para revogá-la. A cachaça brasileira, então, passou a ser contrabandeada para Angola. Em 1694, os conselhos municipais de Luanda peticionaram mais uma vez à Coroa, juntando atestado firmado por três médicos, no qual estes diziam que, afinal, a geribita não era tão prejudicial à saúde, desde que usada moderadamente. E, em 1695 a Coroa Portuguesa revogou a proibição.
   Do que foi visto até aqui, pode-se concluir dizendo que os fundamentos históricos dos nossos comportamentos jurídicos, pode não só nos fazer distinguir constituições reais de constituições de papel (4), mas também ensinar-nos como elaborar constituições que efetivamente sejam vivenciadas por todos, posto que fruto da experiência jurídica coletiva.
Notas:
  1. 1.LIMA, Oliveira. Dom João VI no Brasil. Rio de Janeiro, Topbooks, 3ª edição, 1996, pp. 25-54.
  2. 2.MAXWELL, Kenneth. MARQUES DE POMBAL – PARADOXO DO ILUMINISMO. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, pp. 172-173.
  3. 3.CURTO, José C. Vinho verso Cachaça: A Luta Luso-Brasileira pelo Comércio do Álcool e de Escravos em Luanda, c. 1648-1703. In Angola e Brasil nas Rotas do AtLântico Sul. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999, pp. 73 a 95.
  4. 4.LASSALE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Tradução de Walter Stönner. Rio, Editora Lúmen Júris, 2000, p. 37.

domingo, 21 de novembro de 2010

Irmão Sol, Irmã Lua

Casario em Assis

Redondezas da Casa de São Francisco

Rua de Assis

Uma das portas de Assis

Igreja em Assis

Turista indo ver igreja

Museu Romano em Assis
Revendo o filme Irmão Sol, Irmã Lua lembrei-me que, enquanto não saí do hemisfério sul,  imaginava que sempre fazia frio no hemisfério norte. As roupas dos personagens do filme são pesadas e provavelmente quentes. Visitando Assis, na Itália, no verão (agosto) vi que lá também faz calor. Fiquei em dúvida se, na Idade Média, as roupas eram as mesmas durante o ano todo e as pessoas sofriam muito com o calor, ou se o filme não foi muito fiel à realidade.
Um detalhe curioso: na Itália não se permite que mulheres entrem nas Igrejas com o ombro e as coxas descobertas, de modo que as visitantes ou pegam uma capinha na porta da igreja ou levam um lenço, como a moça de uma das fotos. 

sábado, 20 de novembro de 2010

Constituição e Iluminismo


É importante registrar que, segundo MAXWELL, em Portugal, Iluminismo, racionalidade e progresso têm um significado muito diferente do costumeiramente conhecido para outros países da Europa. Esta diferença diz respeito, segundo o mesmo autor, ao poder do Estado, que cresceu em Portugal, enquanto diminuía naqueles países, de modo que a história da administração de Pombal é um antídoto importante para a visão excessivamente linear e progressiva do papel do Iluminismo no século XVIII na Europa... Além disso, interessantíssima é outra observação de MAXWELL, segundo a qual, na Europa central, oriental e meridional (...), o Iluminismo casou-se mais vezes com o absolutismo do que com o constitucionalismo(1).
É interessante notar que, apesar do papel preponderante que a burguesia teve na Revolução Francesa, no Portugal do século XVIII foi o Estado que criou a burguesia, e não, como na América britânica, a burguesia que restringiu o Estado, conforme assinala MAXWELL (p. 170-172).
Para se ter uma idéia melhor dos valores que FERREIRA FILHO aponta como sendo exaltados pelo Iluminismo, convém fazer um quadro comparativo de seus opostos:

 
VALORES DO ILUMINISMO 
VALORES OPOSTOS AO ILUMINISMO 
Individualidade

(vida e direitos próprios, sem se fundir com a coletividade)
Personalismo
Vinculação à totalidade social, complementaridade aos outros, fusão com a coletividade(2)
Racionalidade

(rejeição do que não pode ser explicado objetivamente)
Emotividade
(agir segundo as emoções – obedecer por amor ou temor, p.ex.) 
Mundo governado por leis naturais 
Mundo governado por leis sobrenaturais
(crença no sucesso ou fracasso em face de sorte ou azar, p. ex.) 
Felicidade na terra e não no céu 
Felicidade no céu e não na terra
(crença na justiça divina corrigindo as falhas dos juízes terrenos, p. ex.)
Otimismo quanto ao futuro,

pois o homem está sempre em progresso 
Pessimismo quanto ao futuro
(acreditar que o futuro será pior que o presente) 
Observe que há diferenças entre um quadro e outro, ou seja, há os valores do iluminismo e os que não são do iluminismo.

 


 

Notas:

1 – MAXWELL, Kenneth. MARQUES DE POMBAL – PARADOXO DO ILUMINISMO. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, pp. 170-172

2 - DA MATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis – Para Uma Sociologia do Dilema Brasileiro. Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1983, p. 175.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Regimento de Tomé de Souza (extrato)

Não houve contratos de colonização no sistema Portugal-Brasil, já que aos colonizadores eram dados regimentos. A colonização portuguesa no Brasil se fez pelo sistema das Capitanias, nas quais o Capitão ou Governador recebia poderes para distribuir sesmarias, fazer justiça etc. Foi assim com Duarte Coelho. E Tomé de Souza, primeiro Governador-Geral do Brasil – já sucedendo a primeira forma das Capitanias (de privadas passaram a pertencer à Coroa) - também recebeu seu regimento (veja aqui na íntegra):

1548 - REGIMENTO TOMÉ DE SOUZA

Eu o Rei faço saber a vós Tome de Souza fidalgo de minha casa que Vendo Eu quanto serviço de Deus e meu é conservar e enobrecer as capitanias e povoações das terras do Brasil e dar ordem e maneira com que melhor e mais seguramente se possam ir povoando para exalçamento da nossa Santa Fé e proveito de meus reinos e senhorios e dos naturais deles ordenei ora de mandar nas ditas terras fazer uma fortaleza e povoação grande e forte em um lugar conveniente para daí se dar favor e ajuda às outras povoações e se ministrar Justiça e prover nas coisas que cumprirem a meu serviço e aos negócios de minha fazenda e a bem das partes e por ser informado que a Bahia de Todos os Santos é o lugar mais conveniente da costa do Brasil para se poder fazer a dita povoação e assento assim pela disposição do porto e rios que nela entram como pela bondade abastança e saúde da terra e por outros respeitos hei por meu serviço que na dita Bahia se faça a dita povoação e assento e para isso vá uma armada com gente artilharia armas e munições e todo o mais que for necessário.

(...)

Item
Eu sou informado que a gente que possui a dita terra da Bahia é uma pequena parte da linhagem dos tupinambás e que poderá haver deles nela de cinco até seis mil homens de peleja...

(...)

Item
Tanto que tiverdes assentada a terra para seguramente se poder aproveitar dareis de sesmaria as terras que estiverem dentro do dito termo à pessoas que vo-las pedirem, não sendo já dadas a outras pessoas que as queiram ir povoar e aproveitar no tempo que lhe para isso há de ser notificado as quais terras dareis livremente sem foro algum. Somente pagarão o dízimo à Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo e com as condições e obrigações do foral dado às ditas terras e de minha ordenação no quarto livro título das semanas com condição que resida na povoação da dita Bahia ou das terras que lhe assim forem dadas três anos dentro do qual tempo as não poderá vender nem enlhear e não dareis a cada pessoa mais terra que aquela que boamente e segundo sua possibilidade vos parecer que poderá aproveitar e se as pessoas que já tiverem terras dentro no dito termo assim aquelas que se acharem presentes na dita Bahia como as que depois forem a ela dentro no tempo que lhes há de ser notificado quiserem aproveitar as ditas terras que já tinham vós lhas tornareis a dar de novo para as aproveitarem com a obrigação acima dita e não indo alguns dos ausentes dentro do dito tempo que lhe assim há de ser notificado aproveitar as terras que dantes tinham vós as dareis pela dita maneira a quem as aproveite. E deste capítulo se treladará nas cartas das ditas sesmarias.

(...)

Item
E assim ordenareis que nas ditas Vilas e povoações se faça em um dia de cada semana ou mais se vos parecerem necessários: feira a que nos gentios possam vir vender o que tiverem e quiserem comprar o que houverem mister...

(...)

Item
Quando assim fordes correr as ditas capitanias irá convosco Antonio Cardoso de Barros que envio por provedor-mor de minha Fazenda às ditas terras do Brasil e em cada uma das ditas capitanias vos informareis se há nelas oficiais de minha Fazenda e por que provisões servem não os havendo vereis se são necessários e sendo-o os provereis com parecer do dito provedor-mor e de minha Fazenda para que sirvam até eu deles prover.

(...)

Item
Porquanto pelo direito e pelas leis e Ordenações destes Reinos é mandado que senão dem armas a mouros nem a outros infiéis porque disso lhe darem se segue muito desserviço de Nosso Serviço e prejuízo aos cristãos mando que pessoa alguma de qualquer qualidade e condição que seja não dê aos gentios da dita terra do Brasil artilharia arcabuzes espingardas pólvora nem munições para elas bestas lanças e espadas e punhais nem manchis nem foices de cabo de pau nem facas da Alemanha nem outras semelhantes nem algumas outras armas de qualquer feição que forem assim ofensivas e defensivas. E qualquer pessoa que o contrário fizer morra por isso morte natural e perca todos seus bens a metade para os cativos e a outra metade para quem o acusar. (...)

(...)

Item
Quando sucederem algumas coisas que não forem providas por este regimento vos parecer que cumpre a meu serviço porem-se em obra vós a praticareis com meus oficiais e com quaisquer outras pessoas que virdes que nelas vos poderão dar informação ou conselho e com seu parecer as fareis. E sendo caso que vos sejais em diferente parecer do seu hei por bem que se faça o que vós ordenardes e das tais cousas se fará assento em que se declarará as pessoas com as práticas e o parecer delas e o vosso para mo escreventes com as primeiras cartas que após isso me enviardes.

Item
Encomendo-vos e mando-vos que as coisas conteudas neste regimento cumprais e façais cumprir e guardar como de vós confio que o fareis. Gerônimo Corrêa o fez em Almerim aos xbij de dezembro de 1548

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Os forais

Dos precedentes históricos do Constitucionalismo, tivemos forais em Portugal, como, por exemplo, o Foral de Tomar, obtido em CONDE, Manuel Sílvio Alves. Os forais tomarenses de 1162 e 1174. Guimarães, Sociedade Martins Sarmento | Casa de Sarmento. Revista de Guimarães, n.º 106, 1996, pp. 193-249). Vejamo-lo em alguns trechos:

Foral de Tomar de 1174

Em nome da santa e indivisível Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. Amém. Porque Deus, justo e onipotente juiz, recomenda a todos os que exercem o poder na terra que governem o povo, a eles submetido, com justiça e equidade, como se lê em Salomão: amai a justiça, vós que julgais a terra. Por esta razão, eu, mestre Gualdim, juntamente com os meus freires, ensinado pela predição divina, achamos, por misericórdia, necessário fazer desaparecer os roubos e as injúrias do povo que nos está submetido. Pensando mais e melhor na salvação das almas do que no proveito da aquisição das coisas perecíveis, consegui-lo-emos. Por isso, na terra submetida ao nosso poder, fixamos os seguintes regulamentos:

[1º] Se alguém, porventura, cometer rousso ou homicidium, ou penetrar violentamente em casa [de outrem], armado, provocar feridas, ou partir portas, se o fizer dentro do couto da vila, pague sessenta soldos.

[2º] Se alguém cometer rousso ou homicidium, fora da vila, pague sessenta soldos.

(...)

[5º] O que puser esterco na boca de outrem, onde quer que se encontre, pague sessenta soldos.

[6º] Se alguém, munido de armas, voluntariamente e por ira, ferir outrem, dentro do couto da vila, pague sessenta soldos; se for no exterior, pague trinta soldos.

(...)

[9º] Por membro decepado, pague sessenta soldos.

[10º] Por todas as feridas que deva reparar, entre às varas segundo o foro velho de Coimbra, ou compre-as àquele que deve reparar.

[11º] O sinal do alcaide ou do juiz seja tido por testemunho.

(...)

[26º] Proibimos que alguém corte com valos as carreiras ou estradas públicas do concelho, ou que mude marcos; e quem isto fizer que o repare de acordo com o foro da terra.

(...)

[28º] O almotacé seja do concelho.

(...)

[31º] Todo aquele que achar um ladrão ou malfeitor, prenda-o como lhe for possível, sem calumnia dos seus parentes e homicidium.

(...)

[36º] Se o mouro de alguém for solto e cometer alguma calumnia, o seu dono responda por ele, segundo a calumnia que tiver feito, ou deixe-o à mão do mordomo.

[37º] O mordomo não tire o mouro de alguém, que esteja a ferros, ou a moura solta, por qualquer calumnia que faça, mas se o senhor da terra e o concelho virem que fez algo por que deva ser lapidado ou queimado, seja lapidado ou queimado.

(...)

Feita a carta de garantia no mês de Junho da era de mil duzentos e doze anos, da encarnação do Senhor de mil cento e setenta e quatro. Eu, mestre Gualdim, que mandei fazer esta carta, juntamente com todos os nossos freires, para todos os que habitam em Tomar e vossos filhos e descendentes, roboro e confirmo. Reinando D. Afonso, rei portucalense, filho do conde Henrique e de D. Teresa, neto do rei Afonso magno, e seu filho, o rei Sancho, e a mulher deste, a rainha Dulce.

Escreveu-a João, presbítero. [Frei] Arnaldo de Arronches, confirmante. Frei Soeiro Bermudes, conf. Frei Elias, conf. Frei Martim [Pires], conf. Frei [D.] Manço, conf. Frei Pero [Gonçalves]. Frei João Garcia [capelão de Tomar], conf. Conde D. Fernando, testemunha. Conde D. Afonso, test. Pero Garcia, alcaide de Coimbra, test. Pero Femandes, dapifer, test. Mestre Femando viu. Paio Romeu, test. Martim de Roma, test. Pero de Caldelas, test. Paio Nunes [alcaide de Tomar], test. Pero Garcia, test. Salvador Mendes, test. D. Sancho, test. Garcia Bermudes Banita, test. Pero Moniz, test. Pero Mendes, test. Paio Aires, justiça, test. Pero Rodrigues, justiça, test. Gonçalo Borona. Pero Gonçalves Anolanus test.


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Antecedentes do Constitucionalismo

FERREIRA (1) assevera que a idéia de uma Constituição escrita é uma criação coletiva apoiada em precedentes históricos e doutrinários. Os precedentes históricos são os pactos, forais ou cartas de franquia e contratos de colonização; os precedentes doutrinários são as doutrinas contratualistas medievais e as leis fundamentais do Reino. Entre os pactos, FERREIRA cita como o mais famoso a Magna Carta inglesa (1215); os forais ou cartas de franquia eram encontrados por toda a Europa; os contratos de colonização ocorriam nas colônias da América do Norte (hoje EUA); as leis fundamentais do reino foram uma criação dos legistas franceses; as doutrinas do pacto social tiveram como seus expoentes Hobbes (Inglês, n. 1588 – m. 1679; obra: Leviatã), Locke (Inglês, n. 1632 – m.1704; obra: Tratado do governo civil) e Rousseau (Suíço, n. 1712 – m.1778; obra: O Contrato Social). Segundo o mesmo autor, o Iluminismo foi outro fator que serviu como antecedente do constitucionalismo. O Iluminismo exalta a individualidade (vida e direitos próprios, sem se fundir com a coletividade), racionalidade (rejeição do que não pode ser explicado objetivamente), mundo governado por leis naturais, felicidade na terra e não no céu e, finalmente, otimismo quanto ao futuro, pois o homem está sempre em progresso. No plano político, o constitucionalismo se confunde com o liberalismo, doutrina que prega a não intervenção do Estado na economia.

Nota 1 - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 20 ed., 1993, p. 4.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

CLÁUSULAS PÉTREAS DA CONSTITUIÇÃO


Há normas constitucionais que são imutáveis, que não podem ser objeto de emenda que as pretenda abolir. São as chamadas cláusulas pétreas da Constituição. Estas normas imutáveis são a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais (art. 60 § 4º, I a IV).

 
Além das normas constitucionais que não dizem necessariamente respeito à organização do Estado, existem as que se referem à organização do Estado, parte das quais pode ser mudada e outra parte não. Estas normas que não podem ser mudadas são as que compunham as constituições dos Estados Modernos.

 
Resulta, portanto, que a idéia que se pode fazer de nossa Constituição é de uma lei diferente das outras leis, cuja diferença decorre (a) de sua superioridade hierárquica em relação a todas as demais normas jurídicas, (b) dos critérios especiais de mudança e (c) da existência de normas que não podem ser abolidas (as chamadas cláusulas pétreas).



 

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA


Artigos 10, 11 e 24 da Lei nº 16, de 12.08.1834-

ATRIBUIÇOES Das assembléias e dOS PRESIDENTES DAS PROVÍNCIAS
Art. 2º do Decreto nº 7, de 20.11.1889 -
ATRIBUIÇOES DOS GOVERNADORES DOS ESTADOS
(legislar) sobre a divisão civil, judiciária, e eclesiástica da respectiva Província, e mesmo sobre a mudança da sua Capital para o lugar que mais convier (art. 10, º 1º) 
Estabelecer a divisão civil, judiciária, e eclesiástica do respectivo estado e ordenar a mudança da sua Capital para o lugar que mais convier (§ 1º)
(legislar) sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não compreendendo as faculdades de Medicina e Cursos Jurídicos...(10, § 2º)
Providenciar sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la em todos os seus graus (§ 2º)  
(legislar) sobre os casos e forma de desapropriação por utilidade pública municipal ou provincial (10, § 3º) 
Determinar os casos e regular forma da desapropriação da propriedade particular por utilidade pública do estado, nos estados em que a matéria já não esteja regulada por lei (§ 3º)
(legislar) sobre a fixação das despesas municipais e provinciais, e os impostos para elas necessários, contanto que estes não prejudiquem as imposições gerais do Estado. (...) (10, § 5º)
Fixar a despesa pública do estado e crear e arrecadar os impostos para ela necessários, contanto que estas não prejudiquem as imposições gerais dos Estados Unidos do Brasil (§ 4º)
(legislar) sobre a repartição da contribuição direta pelos municípios da Província, e .sobre a fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e municipais, e das contas da sua receita e despesa (10, § 6º)
Fiscalizar o emprego das rendas públicas do estado e a conta de sua despesa (§5º)
(legislar) sobre a criação e supressão dos empregos municipais e provinciais, e estabelecimento de seus ordenados (10, § 7º)
Criar empregos, provê-los de pessoal idôneo e marcar-lhes o vencimento (§ 6º) 
Fixar, sobre informações do Presidente da Província, a Força policial respectiva (art. 11, § 2º)
Criar a força policial indispensável e necessária... (§ 6º)
Autorizar as Câmaras Municipais e o Governo Provincial para contrair empréstimos (art. 11, § 3º) 
Contrair empréstimos e regular o pagamento dos respectivos juros e amortização, dependente de aprovação do Governo Federal (§ 10)
Regular a administração dos bens provinciais (11, § 4º) 
Regular a administração dos bens do estado...(§ 12) 
Promover, cumulativamente com a Assembléia e o Governo Gerais, a organização da estatística da Província, a catequese, e civilização dos indígenas, e o estabelecimento de colônias (11, § 5º)
Promover a organização da estatística do estado, a catequese e civilização dos indígenas e o estabelecimento de colônias (§ 12)
Decretar a suspensão, e ainda mesmo a demissão do Magistrado, contra quem houver queixa de responsabilidade, sendo ele ouvido, e dando-se-lhe lugar à defesa (11, § 7º)
Nomear, suspender e demitir os empregados públicos dos respectivos estados, à exceção dos magistrados perpétuos que poderão ser suspensos para serem devidamente responsabilizados e punidos, com recurso necessário para o governo (§ 9º)

 

A tabela acima é uma comparação entre as competências das províncias e dos estados-membros, antes e depois da proclamação da República, em 15.11.1889.

domingo, 14 de novembro de 2010

CONSTITUIÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO ESTADO


     Há na Constituição Brasileira normas que dizem respeito à organização do Estado, mas que também podem ser modificadas por emenda. É o caso, por exemplo, do art. 55, § 4º, que já foi inclusive objeto de emenda em 1994 (Emenda Constitucional de Revisão nº 6, de 07.6.94 - A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º).

Além das normas constitucionais que não dizem necessariamente respeito à organização do Estado, nem a direitos fundamentais, há normas constitucionais no Brasil que se referem à organização do Estado e que podem ser modificadas por emenda.

 

sábado, 13 de novembro de 2010

CONSTITUCIONAL E INCONSTITUCIONAL


   A Constituição é composta de várias normas jurídicas, algumas sendo princípios e outras, regras. Não é correto chamar a constituição de "conjunto de leis", "carta de leis" ou expressões equivalentes.
Vejamos, agora, esta idéia de constituição na prática, examinando alguns aspectos da Constituição da República Federativa do Brasil e sua relação com outras leis.
   A Constituição Brasileira de 1988 dispõe sobre diversos assuntos. Ela organiza os poderes do país, declara direitos e garantias e dispõe sobre uma série de outros temas (família, índios, desporto, previdência social, ensino, bancos, entre outros). Como se disse, a Constituição é uma lei hierarquicamente superior a todas as outras leis e demais normas jurídicas, o que significa – repita-se - que todas as normas jurídicas que estão fora da constituição não podem contrariar o que é determinado pela constituição. Assim, por exemplo, se a constituição diz que Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º), não pode o Código Civil dizer que O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos, como fazia o artigo 233 Código de 1916 (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916). A lei ordinária, com status inferior à Constituição, tem que a ela se subordinar. E foi o que se fez no novo Código Civil (Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002): A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, p elo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos (artigo 1.567). Mas esta cláusula do artigo 226 da Constituição não é imutável, pois pode ser objeto de emenda constitucional e modificada (votação em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros das casas do congresso nacional – C.R.F.B., art. 60, § 2º).

Portanto, já observamos que há normas constitucionais no Brasil que não dizem necessariamente respeito à organização do Estado, nem a direitos fundamentais, mas conservam a natureza de norma constitucional. Podem, porém, ser modificadas por emenda.

 

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

DIFERENÇA ENTRE LEI E CONSTITUIÇÃO


   Saber a diferença entre lei e constituição está entre aquelas informações básicas que todas as pessoas devem ter para viver numa sociedade organizada. Mas nem todas as pessoas sabem que existe tal diferença. Em pesquisa por mim realizada em Itajaí-SC, em 1986, constatei que somente 52,13% dos entrevistados afirmavam existir diferença entre lei e constituição. Os demais 47,85% achavam que não havia diferença entre uma e outra (37,32%) ou não sabiam se existia tal diferença (10,53%). 
     Vejamos no que consiste a diferença entre lei e constituição:

Lei – infere-se do art. 5º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil - é norma jurídica capaz de criar obrigações para as todas as pessoas. A Constituição é também uma lei, mas é uma lei que está acima de todas as outras leis. Portanto, se uma lei entra em contradição com a constituição, deve prevalecer o que consta da Constituição. Daí porque se diz que a Constituição é a Lei Maior, a Lei Magna.

 

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

CONSTITUIÇÃO LIBERAL E CONSTITUIÇÃO SOCIAL


      O conceito de constituição não é politicamente neutro, de modo que não há uma postura "errada" de constitucionalistas e uma postura "certa"; não há um conceito de constituição do bem e um conceito do mal. Mas, deste que a palavra constituição adquiriu o sentido moderno, houve uma mudança nas finalidades do Estado. De um Estado que não intervinha na economia (Estado liberal/moderno), houve Estados que assumiram uma postura intervencionista (Estado social/contemporâneo); e, consequentemente, ocorreu a mudança de constituições que se resumiam em proibir ações do Estado (Estado liberal/moderno) para constituições que, além de repetirem estas proibições, passaram a listar deveres para o Estado (Estado social/contemporâneo). PINTO FERREIRA*, por exemplo, lista uma série de conceitos doutrinários de constituição, que variaram ao longo da história e das organizações dos Estados. Vale anotar sua observação: As Constituições são, assim, documentos que retratam a vida orgânica da sociedade, e nenhuma delas foge ao impacto das forças sociais e históricas que agem sobre a organização dos Estados.
     Deste modo, pode-se fazer tantas idéias de constituição quantos forem os períodos da história em que a estudarmos. Podemos resumir estas idéias em duas épocas: as constituições do Estado moderno, em que apenas se limita o poder estatal; e as constituições do Estado contemporâneo, em que, além de limitarem o poder estatal, estabelecem deveres para o Estado.


* FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 12 ed., 2002, p. 9.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CONSTITUIÇÃO E DIREITOS SOCIAIS


       CANOTILHO* anota como dimensões fundamentais que o conceito de constituição moderna incorpora, os seguintes: (1) ordenação jurídico-política plasmada num documento escrito; (2) declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia; (3) organização do poder político segundo esquemas tendentes a torná-lo um poder limitado e moderado.
Com o tempo, outros temas foram incorporados às constituições: inicialmente, os direitos sociais, primazia que coube às Constituições Mexicana de 1917 e a Alemã de Weimar, de 1919, e, no Brasil, à de 1934 (desta já constando princípios da ordem econômica e social); depois outros temas passaram a constar das constituições, como é o caso da brasileira de 1988, em que constam inclusive normas sobre desporto, por exemplo, todas com "status" constitucional.

 
*CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra. Almedina, 7ª edição, 2003, p. 88.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

CONSTITUIÇÃO E DECLARAÇÃO FRANCESA


Praça da Concórdia (onde funcionou a guilhotina) - Paris
A palavra "constituição" somente passou a ter o sentido atual a partir do Século XVIII. É no artigo 16, da DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO de 26 DE AGOSTO DE 1789 (surgida com a Revolução Francesa), que aparece o indicativo do que se passaria a entender como constituição dali para frente: Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não for assegurada, nem a repartição dos poderes determinada, não tem constituição. Ou seja, constituição passaria a ser um documento que assegurava a garantia dos direitos e determinava a repartição dos poderes. Neste diapasão seguiu a primeira Constituição Brasileira, a de 1824, na qual se vislumbra já a idéia de norma materialmente constitucional:
 Art. 178. E' só Constitucional o que diz respeito aos limites, e atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuais dos Cidadãos.(...).

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

CONSTITUIÇÃO E MONTESQUIEU


Museu do Louvre - Paris - 2008
Templo Grego - Agrigento - Itália - 2010
Montesquieu, na obra "Do Espírito das Leis", publicada em 1748*, usa a palavra constituição no mesmo sentido de Aristóteles e Platão, ou seja, organização do Estado:

A constituição de Roma e a de Atenas eram muito sábias. Os decretos do senado tinham força de lei durante um ano e as leis só se tornavam perpétuas pela vontade do povo.
(...)
Para descobrir a liberdade política na constituição, não é necessário tanto esforço. Se essa pode ser vista onde se
Pompéia e o Vesúvio - 2010
acha, se já foi encontrada, por  que procurá-la? (148)
(...)
Da constituição da Inglaterra
Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o executivo das que dependem do direito civil.
Pelo primeiro, o príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamaremos este último de poder de julgar e, o outro, simplesmente o poder executivo do Estado.
(...)
Eis, assim, a constituição fundamental do governo de que falamos.


 
* MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la Brède et de. Do Espírito das Leis. Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. São Paulo, 2ª Edição, Abril cultural (Os Pensadores), 1979, pp. 33, 148, 149 e 153.