A idéia de férias como período de descanso do trabalho, destinado a todas as pessoas, parece que só surgiu no Brasil no Século XX. Até então e especialmente na época da Colônia, quando vigoravam as Ordenações Filipinas, havia, legalmente, três tipos de férias (Livro 3, Título XVIII): as do primeiro tipo, tido como mais importante, era para louvor e honra de Deus e dos Santos (Domingos, festas e dias que a Igreja mandava guardar); as do segundo tipo eram as ordenadas pelo Rei e as do terceiro tipo eram as destinadas à colheita do pão e do vinho. As férias deste terceiro tipo eram outorgadas por prol comum do povo e duravam de dois meses. Os meses em que ocorreriam as férias podiam ser escolhidos pelos juízes, segundo a disposição e necessidade das terras, repartindo os tempos conforme as estações. Cândido Mendes de ALMEIDA (Comentários às Ordenações Filipinas) acha que estas férias nunca foram usadas no Brasil (pelo menos até 1873).
As férias eram destinadas tão somente à suspensão das atividades judiciais, para que pudesse haver um tempo em que as pessoas tivessem certeza de que não seriam importunadas por processos judiciais, audiências e defesas. Este tempo era destinado, em regra, a comemorações religiosas e respectivas atividades, ou para a inadiável colheita. Disto se tem notícia desde a primeira legislação surgida na Península Ibérica, o Fuero Juzgo (Código Visigótico, vigente na Península Ibérica do ano 500 até o ano 1200, aproximadamente).
O Livro II, Título I, item X do Fuero Juzgo dizia que nenhum homem podia ser chamado em Juízo no domingo e os processos deviam ser suspensos neste dia. Também não poderia haver processos em andamento nos quinze dias que antecediam a Páscoa e nos quinze que a sucediam; também deviam ser guardados o dia do Nascimento de nosso Senhor, o dia da Circuncisão, o dia da Aparição, o dia da Ascensão e a cinquesma (= o dia de Pentecostes); quinze dias em agosto e quinze em setembro; e, para as vindimas, quinze dias em setembro e quinze em outubro. Em todos estes dias de férias e feriados, nenhuma pena podia ser executada e, quem estivesse condenado, ficaria preso até que voltassem os dias normais, para a execução da pena. Note-se que, naqueles tempos, não havia pena de prisão: só havia açoite, morte, degredo, tormento e coisas do gênero. Assim, se alguém fosse condenado à morte, não seria morto nestes dias de férias, só o sendo nos dias comuns. No Fuero Juzgo, aquele que não obedecesse a lei das férias, seria punido com 50 açoites.
Ainda segundo Cândido Mendes de ALMEIDA (Comentários às Ordenações Filipinas), “férias"são os tempos de vacações em que, diz Pereira e Sousa, cessa o exercício dos Tribunais e Auditórios. Vem do Latim "feria".
Chamavam-se "férias" os dias da semana, do verbo (latino) "ferior", "feraris", que significa guardar festas, ou conforme outros a "ferendis hostiis", porque antigamente se traziam holocaustos e vítimas aos templos em dias festivos.
Também chamavam os antigos "férias" aos dias nefastos, porque era de mau agouro proferir alguma sentença, ou dar execução a lei. Nesses dias o Pretor não podia usar das três célebres palavras ("tria verba") e nem proferi-las ("Do, Dico, Addico").” O significado destas palavras, segundo o Free Dictionary, é: “Do", eu faço a ação; "Dico", eu declaro o direito, eu promulgo o edital e "Addico", eu invisto o juiz com o direito de julgar.
Ainda conforme ALMEIDA, foi o Papa Silvestre que chamou "feria" os nomes dos dias da semana, denominando o Domingo "primeira feria" etc, mudando assim entre os Cristãos as antigas denominações desses dias.” Espanhois, franceses, ingleses e os povos que adotaram suas línguas, por exemplo, permaneceram denominando os dias da semana com os nomes dos deuses pagãos (lunes, viernes e martes, no castelhano, por exemplo).
Diz ainda ALMEIDA que as disposições das Ordenações Filipinas foram alteradas, no Brasil, pelo Decreto nº 740 - de 28 de Novembro de 1850, que declarou quais os dias feriados nos diferentes Juízos e Tribunais do Império. As disposições deste Decreto foram alteradas pelo Decreto nº 1.285 - de 30 de Novembro de 1853, que dispôs assim sobre as férias, entre outras disposições:
Art. 1º. As férias do Natal começarão no dia vinte e um de dezembro até o último de janeiro; as da Semana Santa, de Quarta feira de Trevas até se completarem quinze dias, e as do Espírito Santo, desde o Domingo do Espírito Santo até o da Trindade.
Art. 2º. Serão também feriados nos Juízos de primeira e segunda Instância, e Supremo Tribunal de Justiça, os dias vinte e cinco de março, sete de Setembro, dois de novembro e dois de dezembro, assim como em cada Província os dias de festividade que forem aniversários da adesão da mesma Província à Independência Nacional.
Tanto no Fuero Juzgo, quando nas Ordenações Filipinas e na legislação do Império, as férias forenses não suspendiam os processos criminais.
O Decreto 848/1890, que instituiu a Justiça Federal no Brasil, apesar de não descrever quais eram os dias de férias, não só fazia referência a elas (artigos 381 e 382) como estipulava um recesso de natal (art. 383). Mas o art. 386 dizia que Constituirão legislação subsidiária em casos omissos as antigas leis do processo criminal, civil e comercial, não sendo contrárias às disposições e espírito do presente decreto. Provavelmente se referia ao Decreto 1.285, de 1853.
As férias como direito dos trabalhadores brasileiros, desvinculadas da religião, datam do ano de 1925 (Decreto do Poder Legislativo nº 4.982 de 24/12/1925). Mais tarde, este decreto passou a fazer parte da CLT.
O Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939) dizia o seguinte sobre as férias no Judiciário, sem mencionar motivos religiosos:
Art. 39. (...)
§ 1º As autoridades judiciárias e os serventuários da Justiça terão direito, respectivamente, a sessenta (60) e trinta (30) dias consecutivos de férias por ano, que poderão ser gozados na forma estabelecida nas leis de organização judiciária.
Com a revogação do CPC de 1939, pelo de 1973, as férias de 60 dias ficaram mantidas pelas leis das respectivas magistraturas, de modo que os Juízes Federais, por exemplo, tiveram o direito garantido de 73 a 79 pelo art. 51, da Lei nº 5.010/66. A partir de 1979, o direito aos 60 dias ficou garantido no art. 66 da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LC 35/1979).
O direito a 60 dias de férias dos membros do Ministério Público da União está no art. 220 da LC 75/93.
O recesso de Natal, constante do art. 62 da Lei 5.010/66 (e hoje adotado também pela Justiça dos Estados), ainda existe, mas ficou menor do que aquele previsto em 1853, mas ocorre quase durante o mesmo período do Decreto de 1890.
Como se percebe, por muito tempo, os grandes períodos de inatividade do trabalho se destinaram a atividades religiosas e o nome "férias" se desvinculou totalmente da religião, no Brasil, a partir do Século XX. É claro que isto aconteceu também porque, até o fim do Século XIX, o trabalho, por aqui, era feito por escravos.