quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Processo Eletrônico 3

Em 16 de julho de 2003 houve uma solenidade, em Blumenau/SC, para implantação do Processo Eletrônico no Juizado Especial Federal. Na época, propagou-se que o sistema de Processo Eletrônico (...) elimina o uso de papel e dispensa o deslocamento dos advogados à sede da Justiça Federal. A ação passa a ser inteiramente virtual, pois todos os atos processuais serão realizados em meio digital, desde a petição inicial até o arquivamento."
Iniciada a solenidade, com os discursos de praxe, passou-se a uma demonstração de como funcionava o processo virtual. Simulou-se a entrada de uma petição inicial, depois de uma contestação. E começou-se a simular o Despacho do Juiz. Pois o sistema, neste momento,travou e, por mais que os informáticos batalhassem, não houve como destravar o programa. E acabou a solenidade.
Mas o Processo Eletrônico no Juizado Especial continuou e, ainda hoje, quando o uso, volta e meia trava, fica lento, enfim, apresenta as costumeiras dificuldades que uma banda larga que é a 38º no mundo em velocidade (entre 42 países) costuma apresentar.
Agora se pretende "eletronicar" todos os demais processos. E hoje fui assistir a mais uma palestra destinada a esclarecer como funciona o processo virtual e a propalar suas "inúmeras" vantagens (fim das toneladas de papel no Judiciário, economia de transporte etc etc). O palestrante ilustrava sua preleção com imagens de computador e também usava estas imagens como roteiro de sua palestra. Foi neste momento que "apagou a luz", ou seja, faltou energia elétrica.
Como não poderia deixar de ser, tudo parou: projeção, computador, iluminação da sala, sistema de som... e, também como não poderia deixar de ser, parou a palestra.
Não pude deixar de gritar "olha aí no que deu o processo eletrônico..." E, vendo o palestrante assistir a desarticulação de seu discurso, não consegui deixar de lhe sugerir o uso do velho roteiro de papel. Mas o palestrante fez que não ouviu minha gaiatice (ou talvez não a tenha ouvido mesmo) e foi retomando, aos poucos, a apresentação, até que voltasse a energia elétrica.
Episódios como este ilustram o erro de se implantar uma medida com repercussão no trabalho de milhares de pessoas, sem os devidos testes, sem a necessária motivação destas pessoas e sem o cuidado de buscar a efetiva adesão dos destinatários à inovação pretendida.
A implantação de um novo sistema de condução de processos, que substituirá a milenar prática do processo escrito em meio físico (o Fuero Juzgo, no ano 500, já se referia a processo escrito), requer muito preparo não só de mentes, mas de corações e de habilidades.
Quando se fala em preparo de mentes para a inovação, sempre é bom lembrar - como exemplo para reflexão - que o título "Desembargador" passou a ser usado em Portugal por volta de 1400 (de 1200 a 1400, mais ou menos, a Sentença do Juiz podia ser reformada por um Magistrado chamado "Sobre-Juiz"). Mesmo com tal antiguidade, o cargo de Desembargador sobreviveu até hoje. E, apesar da Constituição de 1988 ter denominado os Magistrados dos Tribunais Regionais Federais de Juízes, logo nos anos seguintes, um TRF após o outro foi editando atos adminstrativos denominando os Juízes Federais de Segundo Grau de Jurisdição de Desembargadores. Ou seja: tem-se argumentado que a resistência ao processo eletrônico é atitude conservadora. Pois que se comece a inovar adotando, para os cargos da Magistratura Federal de segundo grau, a nomenclatura da Constituição de 88: Juiz.
E mais: se tudo pode ser virtual, será que se aceitaria que uma testemunha, em audiência, comprovasse sua identidade mostrando uma imagem do respectivo documento gravada no telefone celular?
Enfim, quando um órgão da administração pública pretende que os usuários de seu serviço sejam obrigados a praticar uma rotina diferente de trabalho, é bom que este órgão se auto-avalie, para saber se mudou seus paradigmas. E se está preparado para atitudes inovadoras também quando e se estas eventualmente partirem de seus usuários.
Após, as mudanças precisam ser implantadas gradativamente e com constantes testes de eficiência e eficácia. E, acima de tudo, com frequentes avaliações sobre sua funcionalidade e consecução dos objetivos. No caso dos processos judiciais, não é nada prudente "eletronicar" todas as ações: que se comece por aquelas que tratem, predominantemente, de matérias de direito; que se avalie o que pode causar nulidades (o processo criminal, por exemplo, é muito sensível a nulidades); que se repense os conceitos de prova material dos fatos, de modo a ver se a prova material é compatível com a prova virtual. Enfim, há muito mais de mudanças jurídicas e de mentalidades a fazer do que só adaptações de programas de computador.
Além disso, é necessário agir com o olho no mundo real: apesar de existir, no Brasil, tecnologia para alguns avanços consideráveis nos meios judiciários, ainda falta dotar o país de infra-estrutura de informática que permita, efetivamente, uma comunicação eletrônica tão rápida como já se faz em diversos países do mundo, em especial no Japão, tido como o mais aparelhado para a comunicação virtual.

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