O que é um sistema punitivo?
Punição é pena, segundo NORONHA (1995:220-221), hoje determinada pelo Estado, detentor do "jus puniendi" (NORONHA, idem). Sistema Punitivo Brasileiro, portanto, será aqui entendido como o conjunto de todas as penas previstas nas Leis Brasileiras em vigor, interagindo entre si e com outras normas jurídicas, segundo processo de interação estabelecido na Constituição da República. Esta noção de sistema abarca, portanto, as penas estipuladas na parte especial do Código Penal, na Lei das Contravenções Penais, no Código Penal Militar e em outras leis esparsas.
Interagem com as leis acima mencionadas exemplificativamente, as normas complementares (infra-legais) das leis penais em branco. Eventualmente podem surgir problemas quando da aplicação da Lei Penal.
Alguns destes problemas encontram solução na Constituição da República ou no Código Penal, como é o caso dos conflitos de leis no tempo e no espaço, bem como do problema das imunidades (MIRABETE, 1989:61-83). Outros problemas, como é o caso do conflito aparente de normas, encontram solução na doutrina (TOLEDO, 1994:51).
Esta interação com normas inferiores que complementam as leis penais em branco e as soluções de problemas surgidos com a aplicação das leis penais é que reforçam a ideia de sistema punitivo. Assim, por exemplo, a lei que prevê penas de detenção e multas decorrentes de crime de transgressão a tabela oficial de gêneros e mercadorias (1) é complementada pela respectiva tabela de preços, a qual constará de uma norma infra-legal (Portaria da SUNAB).
Por outro lado, o sistema oferece solução para o conflito temporal de leis: quatro pessoas, por exemplo, se associam para cometer um crime, caracterizando O delito de formação de quadrilha (2). Em 24 de julho de 1990 estas quatro pessoas são presas em flagrante, já que mantinham uma vítima sob sequestro, para fins de extorsão (3) há quinze dias. Em 25 de julho de 1990 entra em vigor a Lei dos Crimes Hediondos (4), que agrava a pena do crime de sequestro. Qual a pena aplicável aos quatro delinquentes? A cominada na lei velha, posto que mais branda, por força de norma constitucional (5), aplicável nesta hipótese de
"novatio legis in pejus" (MIRABETE, 1989:63).
Outro exemplo de solução oferecida pelo sistema ocorre nos chamados conflitos de leis no espaço. Veja-se o seguinte exemplo: alguém falsifica moeda brasileira em território argentino. Esta pessoa estará sujeita à legislação brasileira, por força do principio da proteção (MIRABETE, 1989:75), se for utilizada a norma penal do Brasil (6).
Um derradeiro exemplo de funcionamento do sistema punitivo é dado com O uso de soluções doutrinárias. Assim, se alguém viola uma residência para furtar objeto de seu interior, somente será punido pelo crime de furto, em face do principio da consunção ("Lex consumens derogat legi consumptae" - TOLEDO, 1994:53).
O Sistema Punitivo Brasileiro só não permite soluções por meio da analogia. Ou seja, não se pode definir crimes ou cominar penas com base na analogia (NORONHA, 1995:51). É o caso, por exemplo, do crime de não inclusão de segurado empregado em folha de pagamento, para o qual a legislação anterior não cominava pena (7). Não era possível, também, pela legislação vigente antes do ano de 2000, cominar pena por analogia ao crime de não recolhimento de contribuição previdenciária (8).
Como se observou, ha uma interação dos componentes do Sistema Penal Brasileiro, interação esta que se dá entre normas jurídicas de diferentes hierarquias e com base em princípios estabelecidos na Constituição, nas leis ordinárias e na doutrina. Esta interação objetiva resolver problemas decorrentes da aplicação das leis penais.
Mas o Sistema Punitivo Brasileiro não tem um caráter absoluto de racionalidade lógico-dedutiva. É que a aplicação da pena requer, também, seja considerado seu efeito no mundo dos fatos. Assim, ao aplicar a pena, o Juiz deve fazê-lo "conforme
seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime"; deve levar em conta a conduta social do agente, os motivos, circunstâncias e consequências do crime (9).
Resta saber, porém, se o Sistema Punitivo Brasileiro está contribuindo para a reprovação e prevenção do crime, por parte da Sociedade. Ou seja, se o Sistema Punitivo Brasileiro interage com a Sociedade, para corresponder aos anseios populares. Isto veremos em outra postagem.
Notas:
1) BRASIL. Lei nº 1521/51, art. 2º, VI e Decreto-Lei nº 422, de 20 de janeiro de 1969, art. 7º.
2) BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), artigo 288.
3) ________________.Idem, ibidem, artigo 159.
4) BRASIL. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, art. 8º.
5) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, art.5º,XL.
6) BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7.12.40 (Código Penal), artigo 7º, I, b.
7) BRASIL. Lei nº 8.212, de 24.07.1991, artigo 95, a. Hoje este dispositivo está revogado em face dos artigos 297, § 4º e 337-A do Código Penal.
8) ________.Idem, ibidem, art. 95, "d" e § 1º. Hoje este dispositivo está revogado em face do art. 337-A do Código Penal.
9) BRASIL. Dec.-Lei nº 2.848, de 7.12.40 (Código Penal), artigo 59.
Bibliografia:
MIRABETE, Júlio Fabbrini. MANUAL DE DIREITO PENAL - PARTE GERAL. 4.ed. São Paulo:Atlas, 1989. 3 v. V.1.
NORONHA, E. Magalhães. DIREITO PENAL - INTRODUÇÃO E PARTE GERAL. 31 ed. São Paulo:Saraiva, 1995. 4 v. V. 1.
TOLEDO, Francisco de Assis. PRINCÍPIOS BÁSICOS DE DIREITO PENAL. 5.ed.São Paulo:Saraiva, 1994.