terça-feira, 7 de dezembro de 2010

AS RELAÇÕES DO DIREITO CONSTITUCIONAL COM OUTRAS CIÊNCIAS


É hábito nos cursos jurídicos, ao ser iniciado o estudo de alguma disciplina jurídica, relacioná-la com outros ramos do Direito ou mesmo com outras ciências. Não poderia ser diferente com o Direito Constitucional. Esta lista de relações do Direito Constitucional com outros saberes vai ser encontrada, por exemplo, em FERREIRA (1), FERREIRA FILHO (2) e BONAVIDES (3). De fato, só pela leitura do texto da Constituição da República Federativa do Brasil, perceberemos que o Direito Constitucional se relaciona com outros ramos do Direito, primeiro pela simples razão de estarem disciplinadas matérias destes outros ramos no referido texto constitucional, segundo, porque outros ramos do direito e do conhecimento informam o Direito Constitucional. No tocante à disciplina de outros ramos de direito na Constituição da República Federativa do Brasil, temos, por exemplo, no artigo 5º, normas que dizem respeito ao:
Direito Civil:
XXII  -  é garantido o direito de propriedade;

Direito do Consumidor:
XXXII  -  o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
Direito Penal:
XL  -  a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
Direito Administrativo:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 
Outra forma de o Direito Constitucional se relacionar com outros ramos do Direito é na menção que a norma constitucional faz a determinado instituto jurídico, enquanto que a definição deste instituto está no ramos de direito a que ele se refere.
Vejamos dois exemplos:
Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º (...)
    XI -  a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

 

Mas o que o Direito considera como "casa"? O conceito de casa é encontrado no Código Penal:
Art. 150. (...)
    § 4° A expressão "casa" compreende:
    I - qualquer compartimento habitado;
    II - aposento ocupado de habitação coletiva;
    III - compartimento não aberto ao público, onde alguem exerce profissão ou atividade.
    § 5° Não se compreendem na expressão "casa":
    I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n. II do parágrafo anterior;
    II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

 
Um outro exemplo vamos encontrar no artigo 145 da Constituição:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
 I -  impostos;
 II -  taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
 III -  contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

 
O conceito de imposto, taxa, poder de polícia e contribuição de melhoria se encontram no Código Tributário Nacional:
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
 Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
    Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto.
    Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse, ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à tranqüilidade pública, ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
 Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.

 
A relação acima é meramente exemplificativa, pois o Direito Constitucional se relaciona com todos os demais ramos do Direito, principalmente por sua função ordenadora e sua posição hierarquicamente superior em relação a estes ramos.
Já no caso dos saberes não listados na nossa Constituição, há as relações do Direito Constitucional com aqueles não-jurídicos, como a Filosofia, especialmente a Filosofia Política (prescreve o Estado ideal), a Ciência Política (descreve como são os Estados), a Sociologia (especialmente a Sociologia Jurídica, que descreve o comportamento da sociedade frente ao Direito) e outras (4). É difícil esgotar a relação de saberes com que se relaciona o Direito Constitucional, seja em face da amplitude do conhecimento humano, seja em face da interdisciplinaridade que norteia e conhecimento atual. Afinal, só um artigo da nossa Constituição – visto a título de exemplo – já nos remete à Engenharia, à informática, à cibernética etc:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:  
 XXVII  -  proteção em face da automação, na forma da lei;

 
E, curiosamente, neste mesmo dispositivo, o Direito Constitucional se nega a conhecer não só a Engenharia, mas também a Sociologia, a Administração etc: se pensarmos na profissão de datilógrafo(a), por exemplo, veremos que somente se fosse proibida a existência de computadores com editores de texto é que se conseguiria fazer valer o supracitado dispositivo constitucional. Uma lembrança: quando não havia computadores com editores de texto, os textos eram rascunhados manualmente e entregues a um(a) datilógrafo(a) para "passá-los a limpo".
Uma palavra importante para se relembrar aqui é INTERDISCIPLINARIEDADE, ou seja, o entrelaçamento das diversas disciplinas, jurídicas ou não, e a alimentação de umas pelas outras, como forma de obtenção e aplicação do conhecimento.
Outro ponto a destacar: os diversos ramos do direito têm uma chave, ou seja, seu ponto de partida: a chave do direito constitucional é a limitação do poder do Estado; a chave do Direito Administrativo é a limitação da administração pública; a chave do direito penal é a limitação da vingança. E assim por diante.

Bibliografia:
1 – FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 12 ed., 2002, p. 6 e 7.
2 – FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 20 ed., 1993, p. 17.
3 – BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 7 ed., 1997, pp. 29-35.
4 - Diferenças entre teoria jurídica (= fundamentação científica da ciência do direito) e filosofia do direito (= o saber que pergunta pelas "estruturas axiológicas"e fundamentos últimos do direito) podem ser vistas em CANOTILHO, obra citada (Constituição Dirigente...), p. 203.

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