quinta-feira, 30 de julho de 2015

MPF quer saber se taxistas estão em dia com a Receita Federal


Foco são os que dirigem táxi mas não declaram ao fisco a profissão
 
A partir de dados enviados ao Ministério Público Federal (MPF) pela Justiça do Trabalho, cruzados com informações da Prefeitura e da Receita Federal (RF), foi constatado que 60% dos taxistas de Florianópolis declararam à RF profissões não compatíveis com a de taxista. Diante disso, o MPF requisitou à RF que indique se essas pessoas declararam rendimentos compatíveis com a profissão de taxista ou se essa profissão é somente fictícia.
Segundo o procurador da República João Marques Brandão Néto, dentre as profissões não compatíveis constatadas, estão as de professor de ensino fundamental, ensino médio, ensino profissional e ensino superior, bancário, técnico em informática, advogado, engenheiro, servidor público, militar, auditor fiscal, economista, policial, odontólogo, geógrafo, publicitário, jornalista, técnico em eletrônica, psicólogo, médico, analista de sistemas, técnico em construção civil, cinegrafista e decorador/vitrinista.
A investigação do MPF teve origem em um processo na Justiça do Trabalho, no qual um motorista de táxi reclamava direitos trabalhistas decorrentes de um contrato de trabalho com o dono de uma frota de táxis. A Justiça reconheceu a existência de direitos trabalhistas não atendidos e contribuições previdenciárias não recolhidas. Além disso, poderia haver impostos devidos à RF.
Ao receber os documentos, o MPF requisitou à Prefeitura de Florianópolis o nome de todos os permissionários do serviço de táxi na cidade. De posse desses dados, foi requisitado à RF que indicasse quais desses taxistas declaravam ao fisco federal profissões compatíveis com a atividade de motorista de táxi. Na resposta da RF, ficou constatado que, dos 481 permissionários, 291 declararam profissões não compatíveis.
Com a quantidade de pessoas que têm permissão da prefeitura para serem taxistas e não declaram essa profissão à Receita Federal, há indícios de que não estariam pagando o imposto devido, bem como de que haveria empresários do ramo de táxi que possuem frotas de veículos e atuam na informalidade, sem pagar impostos, contribuições ao INSS, FGTS e outros direitos trabalhistas. Essa situação se enquadra nos crimes da lei nº 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária) e nos artigos 203, 297, §§ 3º e 4º, e 337-A do Código Penal. No entanto, por força da Súmula Vinculante nº 24 do STF, o MPF nada poderá fazer, se a Receita Federal não apurar e lançar os créditos tributários.


Procedimento nº 1.33.000.002515/2013-71

terça-feira, 21 de julho de 2015

Noções Básicas de Processo para Leigos em Direito




Pedro vem dirigindo seu caminhãozinho e o veículo da frente freia bruscamente.
O caminhãozinho tem uma filmadora frontal.
Como as luzes do freio estavam queimadas, Pedro bate atrás. Miguel, dono do carro da frente, vai embora. No dia seguinte, Miguel apresenta um orçamento do estrago a Pedro. Pedro paga o estrago.

Quem faria o pagamento como Pedro fez?


Renata escreve uma matéria no jornal dizendo que a empresa Telebone subornou o Governo para ter o monopólio da telefonia na região.
Renata tem um vídeo em que aparece o suborno, mas o guarda em casa.
No dia seguinte a polícia aparece no local de trabalho de Renata e a prende.
Renata vai para a prisão e cumpre a pena.
Quem agiria como Renata?



A estrutura processual que temos hoje é a mesma que temos desde 1300 em Portugal.


Por mais que se tente introduzir novidades processuais inglesas, francesas, alemãs, italianas, sempre a prática mantém tudo como sempre esteve desde 1300.
Exemplo: réplica.


O que isto significa?
Significa que as informações básicas sobre um processo judicial brasileiro estão postas há mais de 500 anos.
Se um Advogado, um Juiz e um Promotor viajassem no tempo de 1500 até hoje e atuassem usando caneta e papel, pouca coisa teriam a aprender.
E saberiam responder pergunta feita depois de uma denuncia: o que vai acontecer agora?

Há hoje dois tipos básicos de processos: judiciais e administrativos.
A diferença entre um e outro é que os processos administrativos correm perante a administração pública (principalmente perante o poder executivo) e os judiciais somente perante o poder judiciário.
Outro dia alguém me disse que tinha visto um filme e apreendido a diferença entre delação premiada nos EUA e no Brasil: lá qualquer promotor podia obter um acordo, aqui só o PGR.
TOLICE, aqui qualquer Promotor ou Procurador também pode.
O exemplo é interessante, pois meu interlocutor era mestre em ciências exatas e com bom poder aquisitivo, um classe media, enfim.


Vemos que, independentemente do grau de instrução ou da convivência social, as pessoas não entendem como tramita um processo, nem como funciona o poder judiciário.

Para saber como funciona um processo judicial, primeiro nós temos que saber o que faz cada um dos atores processuais, mas para isso nós precisamos saber que existem processos civis e criminais.

No processo civil, atua basicamente advogado/ juiz/advogados. Pode acontecer que é atue também advogado/ juiz/ advogado/procurador ou promotor.

No processo civil privado, o advogado vai entrar com uma ação defendendo uma parte e outro advogado defende a outra parte; e o juiz vai decidir quem ganha.

Processo civil público – ACP e AIA


Todo processo começa com uma petição inicial (se civil) ou uma denúncia (se criminal), depois há uma defesa (no crime) ou uma contestação (no cível), a apresentação das provas e depois o julgamento.
Todo processo admite um recurso para o segundo grau e depois um recurso para o terceiro grau e até quarto grau.
Portanto pode haver de três recursos a quatro recursos, porque, dependendo do que se vai discutir, pode haver um recurso ao Superior Tribunal de Justiça, que é o segundo recurso, e um terceiro recurso ao Supremo Tribunal Federal.
Assim, o processo começa na primeira instância, e pode haver recurso para as demais instâncias. Pode acontecer no processo civil que o Ministério Público entre com ação o advogado público ou privado conteste a ação.


No processo criminal, a parte judicial começa com uma denúncia;
A denúncia é feita sempre pelo Promotor ou pelo Procurador;
o Advogado do réu faz a defesa,
são apresentadas as provas,
o juiz julga
e também pode haver recurso para o tribunal de segunda instância
depois para o superior tribunal de justiça
e também é possível um recurso ao supremo tribunal federal.



Antes de entrar com o processo se faz a coleta das provas.


No processo civil, se é o advogado que vai entrar com ação,
é o advogado que vai coletar as provas para o seu cliente,
tanto o advogado do autor quanto o do réu.


No processo civil que é proposto pelo ministério público, há um inquérito civil público dirigido pelo ministério público e não pela polícia, em que vai haver a coleta de provas:
de posse destas provas se propõe a ação civil pública
e a prova da defesa tanto pode ser coletada pelo advogado privado
quanto pelo advogado de órgãos públicos, se a ação civil pública é proposta contra um órgão público.


No processo criminal, a coleta das provas, em geral, é feita pela polícia.
Quando é feita pela polícia, esta prova é reunida no inquérito policial, que é presidido pelo delegado de polícia.
Se ao final do inquérito o delegado acha que há indícios contra alguém pela prática do crime, o delegado indicia esta pessoa,
mas este indiciamento não significa uma denúncia, significa que há indícios.
O inquérito termina com um relatório.


O indiciamento pode ser aceito ou não pelo ministério público,
que irá denunciar ou pedir o arquivamento
ao juiz ou aos órgãos superiores do Ministério Público. É o advogado de defesa que vai coletar as provas para a defesa daquele que vai ser réu no processo criminal


O promotor atua perante a justiça estadual e o procurador da república perante a justiça federal,
mas sem qualquer vínculo.
Ambos fazem o mesmo trabalho
só que em esferas diferentes
e não há nenhuma hierarquia entre um procurador da república e entre um promotor de justiça.






Então vemos que, no crime, a polícia investiga e o MP pode também investigar;


se a polícia investiga, a “pastinha” onde se guardam os documentos da investigação se chama Inquérito;
se o MP, a “pastinha” se chama PIC;


- a polícia faz um relatório do inquérito e entrega para o MP;


- o MP pega o inquérito a faz uma denúncia ou pede arquivamento (o MP não julga, pois não decide em definitivo).


- A denúncia, ao ser recebida pelo Juiz, faz com que o inquérito se transforme em processo.


- O MP atua no crime e no cível
(não tem diferença entre cível e civil, são duas palavras para dizer a mesma coisa).

- O MP tem atribuição e o Juiz tem competência;
o que um Procurador ou Promotor pode ou não fazer se chama atribuição;
o que um juiz pode ou não fazer se chama competência.







- Pode haver ou não especialização na atribuição e na competência
(no caso do MPF, tem Procurador que atua só no crime, outros atuam só no civil, e estas atribuições podem ter subdivisões:
no crime, crimes de lavagem de dinheiro, crime contra a administração pública e crimes residuais;
no cível, meio ambiente, direito do consumidor, moralidade administrativa etc).


Resumo:
advogados entram com ações civis privadas e fazem a defesa de pessoas tanto nas ações civis privadas quanto nas ações civis públicas;


advogados também fazem a defesa nos processos criminais;


a polícia investiga e faz inquéritos que terminam com indiciamentos e relatórios;


o ministério público pode entrar com ação civil pública e com ação penal pública;
o ministério público faz a acusação nas ações penais
os juízes julgam e dão ordens;


os documentos produzidos pelos advogados se chamam petições;


os delegados fazem inquéritos;

procuradores e promotores fazem denúncias, petições, pareceres;
(despachos, promoções e audiências)

juízes fazem audiências (não são reuniões) despachos, decisões e sentenças;


Desembargadores e ministros de tribunais fazem despachos, decisões e acórdãos



os desembargadores julgam recursos na segunda instância


os ministros do judiciário julgam terceira instância e STF


os advogados atuam em todas as instâncias (perante juízes e todos os tribunais;


no ministério público atuam no primeiro grau procuradores da república e promotores da justiça;


no segundo grau, procuradores de justiça no ministério público estadual e procuradores regionais da república no ministério público federal;
na terceira instância atua somente o ministério público federal pelos subprocuradores gerais da república;


um processo civil começa com uma petição inicial;


um processo penal começa com uma denúncia;


todo processo, civil ou penal, começa com um pedido, depois há uma contestação, depois as provas e depois a sentença; sempre pode haver recurso,





No historieta de Pedro e Renata, acima, retrata-se o devido processo legal
como garantia
de um
estado democrático de direito
e como um dos direitos humanos

domingo, 5 de julho de 2015

Terras de Marinha

Os terrenos de marinha surgiram de um inconformismo, em 1710, com construções nas praias do Rio de Janeiro. Como escrevi em meu livro "Direito Administrativo para Concurso de Juiz do Trabalho", ed. Edipro, 2011, "O conceito de terrenos de marinha começa a aparecer a partir de 1710, em face do excesso de construções nas praias do Rio de Janeiro. Assim, depois de atos de consulta datados de 21.10.1710 e 7.5.1725, surgiu a ordem régia de 1.12.1726, que proibia a edificação nas praias. Daí que se firmou o domínio do Estado sobre os terrenos de marinha, cujo conceito inicial, segundo os Avisos de 18.11.1818, 27.4.1826 e 13.7.1827, era “o espaço de terreno compreendido em 15 braças entre terra firme e o bater do mar em marés vivas”." A cobrança de uma taxa é instituída em 1831, para fins arrecadatórios e incluída na lei orçamentária de 1832, donde a LPM ser de 1831. A respeito há também um artigo de Osvaldo Aranha Bandeira de Melo (veja o artigo aqui).
A ordem régia de 1726 que primeiro disciplinou o assunto é a seguinte:
Ordem Régia de 10 de dezembro de 1726

(MADRUGA, Manoel, Terrenos de marinha, Ed. Ministério da Fazenda, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1928, p. 73-74)

Prohibindo edificar nas praias ou avançar sequer um palmo para o mar, por assim o exigir o bem publico.

Dom João por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Faço saber a vós Luiz Vahia Monteiro, Governador da Capitania do Rio de Janeiro, que se vio o que respondeste em carta de 6 de julho deste anno, aos de que vos foi sobre informados na representação que Me fez o Provedor da Fazenda Real dessa mesma Capitania, Bartholomeu de Siqueira Cordovil, de que os moradores desta cidade que possuem casas da banda do mar, tratando do seu accrescentamento, as avançarão tanto delle que totalmente deixarão as prais sem marinha, não só em prejuizo do bem publico, mas da minha Real Fazenda, e que neste particular devieis ouvir assim os Officiaes da Camara, como aos donos das casas interpondo o vosso parecer, representando-Me que assim a Camara como os interessados nellas responderão o que consta dos papeis inclusos que Me enviastes; e que examinando vós attentamente esta materia haveisque o senado da Camara nos aforamentos que fez para a parte do mar não declarou a medição certa dos chãos que aforava e somente declarou a largura e o que occupava a uma direita até o mar, onde chegando os primeiros edificios, e parando nelles as arêas se originava nova praia, da qual foram os foreiros accrescentando os edificios, e dizem que com este título lhes pertence tudo quanto largou o mar e é certo que por este principio têm feito um considerável dano não só ao serviço da Cidade e desembarque do Provimento della, pois não faltão aonde se fação, mas diminuindo um molhe em que dão fundo as frotas e todas as embarcações que entrão nesse poço sendo a vosso ver a mais preciosa jóia que póde ter o mundo, porque depois de entrarem da barra para dentro, recolhidos os navios neste molhe estão como debaixo de chave ainda que os inimigos estejão nesse porto também dentro da barra, principalmente enquanto se conservar a Ilha das Cobras, que a cobre pela parte do mar deixando-lhe somente a estreita entrada entre ella e o Mosteiro de S.Bento, cuja distancia salva um tiro de pedra de mão, e pela outra parte da ponta da mesma Ilha corre uma restinga de arêa, que remeta na Fortaleza de S.José, e impede a entrada de embarcações maiores que lanchas; à vista do que, a mesma razão que aponta a Camara de ter furtado ao mar todo o chão em que se acha essa cidade situada, é forçosa para se lhes embaraçar a continuação dos edificios para não extinguir o molhe e ancoradouro dos navios, que haja estreitissimo, e que tambem as praias devem estar livres para bôa defensa da Cidade, para que as rendas passem livres por toda ella e se possam socorrer as partes atacadas, sem a dificuldade de se dar volta pela Cidade, mas que essa circunstancia já é dificultosa, por alguns edificios antigos que o embaração e como esse e alguns modernos são de preço consideravel, vos parecia que Eu os devo conservar, impedindo porém com rigorosas penas que daqui em diante ninguém se possa alargar um só palmo para o mar, nem edificar nas praias até a ponte de vallongo, fazendo carga aos Governadores e Provedor da Fazenda de toda a desordem que houver daqui em diante sobre este particular: Me pareceu dizer-vos que, mandando ouvir sobre esta matéria ao Engenheiro Mor do Reino, Manoel de Azevedo Forte, se conforma em tudo com o que apontaes; e assim Sou servido ordenar que daqui em diante se siga a disposição que insinuais de que ninguém se possa alargar um só palmo para o mar, nem edificar casa nas praias até a ponte de Vallongo, e que nem vós, nem que os que vos sucederem, nem os Provedores da Fazenda, e Senado da Camara, dessa Cidade possam permitir semelhantes licenças, tendo entendido que nas residenciais que se houverem de tirar, assim a vós como a vossos successores e Provedores da Fazenda se há mandar inquirir de semelhante caso; e para que a todo tempo conste o que nesta parte Determinei, fareis com que se registre esta Minha Real ordem nos livros da Secretaria desse Governo, nos da Providencia da Fazenda e nos do Senado da Camara, enviando- Me certidão de como assim o executastes.
El-Rei Nosso Senhor o Mandou por Antonio Rodrigues da Costa, e o Doutor José de Carvalho Abreu, Conselheiros de Seu Conselho Ultramarino, e se passou por duas vias. Antonio de Souza Pereira, a fez em Lisbôa occidental em 10 de dezembro de 1726. O Secretário André Lopes de Lavre, a fez escrever. Antonio Rodrigues da Costa. José de Carvalho Abreu. Por despacho do Conselho Ultramarino de 10 de dezembro de 1726.
Ordem Régia de 10 de dezembro de 1726 (para ver o link donde foi tirada esta cópia, clique aqui).
A primeira norma que determinou a demarcação das terras de marinha após a independência foi a Instrução nº 348, de 14.11.1832; a segunda norma foi o Decreto nº 4103, de 22.2.1868. A caracterização legal dos terrenos de marinha atualmente vigente é a descrita no decreto-lei nº  3.438/41, que disciplina as várias hipóteses em que um imóvel se configura legalmente como um terreno de marinha:
“Art. 1º. São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 metros, medidos para a parte da terra, do ponto em que se passava a linha do preamar médio de 1831: 
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
(...)
Parágrafo único.  Para os efeitos deste artigo, a influência das, marés é caracterizada pela oscilação de cinco centímetros, pelo menos, do nível das águas (atração luni-solar)  que ocorra em qualquer época do ano.(...)”

A ocupação por parte de particulares dos terrenos de marinha é permitida por meio do aforamento, também disciplinado no decreto-lei 3.438/41.
O decreto-lei 2.398/87, com as modificações legislativas posteriores, estabeleceu a taxa a ser cobrada pela ocupação dos terrenos de marinha, bem como o laudêmio incidente em caso de venda:
Art. 1.º . A taxa de ocupação de terrenos da União, calculada sobre o valor do domínio pleno do terreno, anualmente atualizado pelo Serviço do Patrimônio da União (SPU), será, a partir do exercício de 1988, de:
I - 2% (dois por cento) para as ocupações já inscritas e para aquelas cuja inscrição seja requerida, ao SPU, até 31 de março de 1988;
II - 5% (cinco por cento) para as ocupações cuja inscrição seja requerida ou promovida ex officio, a partir de 1º de abril de 1988.
(...)
Art. 3º. Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos. (...)”
Há ainda outros dispositivos que tratam dos terrenos de marinha, mas nenhum outro que tenha maior relevância.

Áreas de preservação - uma resenha história da legislação

A proteção às florestas não é assunto estranho à legislação brasileira, nem à portuguesa no período colonial.

As Ordenações Filipinas, em seu livro 5, já dispunham sobre o tema:
TITULO LXXV
Dos que cortam Árvores de fruto ou Sovereiros ao longo do Tejo 
O que cortar Árvore de fruto, em qualquer parte que estiver, pagará a estimação dela a seu dono em tresdobro.
E se o dano, que assim fizer nas Árvores, for valia de quatro mil reis, será açoitado, e degredado quatro anos para África. 
E se for valia de trinta cruzados, e daí para cima, será degradado para sempre para o Brasil.
E mandamos, que pessoa alguma não corte, nem mande cortar Sovereiro, Carvalho, Ensinho, Macheeiro por o pé, nem mande fazer dele carvão, nem cinza; nem escasque, nem mande escascar, nem cernar alguma das ditas árvores, desde onde entra o rio Elga no Termo da Vila do Rosmaninhal, até a Vila de Abrantes e daí até a foz do Rio de Lisboa, nem até dez léguas do Tejo, contadas dele para ambas as bandas do Sertão, desde onde se mete o rio Sever no Termo de Montalvão, até a foz do Rio de Lisboa e donde se mete o rio Elga, até onde entra o rio Sever . 
As quais dez léguas se contarão da banda de Portugal somente.
E fazendo o contrário, vá degredado quatro anos para África e pague cem cruzados e perca o carvão e cinza, a metade para quem o acusar e a outra para os Cativos. 
E se for peão, seja além disso, açoitado . 
Porém os que tiverem Sovereiros próprios, os poderão cortar, não sendo para carvão, ou cinza; e cortando-os para isso, incorrerão nas ditas penas. 
E os Juizes dos Lugares dos ditos limites tirarão disso devassa ao tempo, que tiram a devassa geral e procederão contra os culpados , como for Justiça. 

O Alvará de 24 de maio de 1740 ampliou o alcance da proibição de corte de árvores para o Brasil e o Maranhão. Isto porque na época havia dois Estados, ou duas Capitanias Mores: a do Maranhão, diretamente subordinada à Lisboa (pois era mais rápido ir do Maranhão à Lisboa do que ao Rio de Janeiro ou a Salvador) e a do Brasil, estando o Governador-Geral, depois Vice-Rei, em Salvador até 1763 e, após, no Rio de Janeiro.

Mas não era somente a disposição acima que limitava o corte da vegetação. Havia outra, também no livro 5:
TÍTULO XCI
Que nenhuma pessoa faça Coutadas

Mandamos, que pessoa alguma de qualquer estado, dignidade e condição que seja, não faça Coutadas, nem defesa, assim nos montes e terras de porcos monteses, veados, coelhos, perdizes e pastos, como nos Rios, e Lagoas de peixe e aves.
1. Outrossim, não façam Coutadas nos matos maninhos e charnecas, porque defendam, que não cortem lenha, nem tirem cortiça, nem arranquem cepa, sem lhes pagar algum tributo.
E fazendo-as, mandamos que sejam nenhumas.
E mais o Senhor de terras, ou pessoa que as ditas Coutadas, ou cada uma delas fizer, ou mandar fazer, seja suspenso da jurisdição, que tiver na Vila, ou Lugar e seu Termo, em que assim fizer as ditas Coutadas.
E o Oficial que por eles tiver encargo de executar as penas das Coutadas, por cada vez que demandar, ou executar alguma pena por razão das ditas Coutadas, será degredado dois anos para África e pague vinte cruzados, a metade para quem o acusar e a outra para aquele que assim for demandado, ou executado.
E mandamos às nossas justiças, que as não guardem, nem julguem por elas tais tributos e coimas, nem penas algumas, nem consintam fazer penhora por elas; e alcem as tais Coutadas e defesas.
2. E quanto às nossas Coutadas feitas por Nós, ou pelos Reis, nossos antecessores, que por Nós não sejam revogadas, mandamos que se guardem e cumpram, segundo é contido em nossos Regimentos sobre isso feitos e as outras Coutadas e defesas que algumas pessoas por nossas Cartas e Privilégios, tiverem, ou por Cartas dos Reis passados e por nós confirmadas, lhe sejam guardados.
E querendo os que tais Coutadas de pastos e lenhas tiverem, usar delas contra os que tiverem herdades, que confrontam e vizinham com elas, mandamos que as ditas herdades sejam isso mesmo coutadas, somente para os que semelhantes Coutadas e defesas têm; e em ditas herdades lhes levem aquelas penas e coimas, que os donos e Senhores das Coutadas levam aos que com elas assim confrontam e em todo com eles vizinhem, como os que as ditas Coutadas tiverem, com eles quiserem vizinhar.
3. E se os que tiverem as ditas Coutadas, as quiserem guardar, não poderão entrar nas Coutadas e pastos e rocios do Concelho, posto que com eles não confrontem.
E entrando, pagarão as penas ao Concelho, que eles podem levar nas suas Coutadas.
4. E quanto às penas, que são postas pelos Regimentos e Ordenação, ou por nossas Cartas, aos que quebram as Coutadas, poderão ser demandados até três meses do dia, que assim quebrarem as ditas Coutadas.
E passados os ditos três meses, não se possam mais demandar, salvo quando Nós nas nossas Coutadas mandarmos, que em mais tempo possam ser demandados.

Segundo Cândido Mendes de Almeida (nos comentários às Ordenações Filipinas), coutada era a mata, ou terra, cerca, ou terras demarcadas e defesas, onde se criava caça para os Reis, Príncipe, Infantes, ou pessoas que as tinham; e onde era proibido pescar, caçar porcos monteses, perdizes, veados etc, fazer queimadas, lenha etc. Elas se faziam por privilégio Real, ou usurpação.  O Alvará de 27 de novembro de 1804 chamou Coutada à folha de terra reservada por algum tempo para pasto.

 Após a independência do Brasil, já no Império e sob a Constituição de 1824, a Lei de 15 de outubro de 1827 assim dispunha sobre as atribuições dos Juízes de Paz:
Art. 5º Ao Juiz de Paz compete:
(...)
12. Vigiar sobre a conservação das matas e florestas públicas, onde as houver e obstar nas particulares ao corte de madeiras reservadas por lei.

 A observância desta lei  foi recomendada pelo Aviso nº 17 de 19 de janeiro de 1833:
Manda observar as disposições da carta de lei de 15 de outubro de 1827, sobre a conservação das matas, e florestas públicas, e proibição aos particulares do corte das madeiras reservadas em lei.
Ilmo. e Exmo. Sr. - Competindo aos Juízes de Paz, segundo determina a carta de lei de 15 de outubro de 1827, vigiar sobre a conservação das matas, e florestas públicas, onde as houver, e obstar nas particulares ao corte das madeiras reservadas por lei; Manda a Regência, em Nome do Imperador, que V. Ex. haja de declarar aos dessa Província, quais sejam tais madeiras, recomendando-lhes muito o exato cumprimento daquela obrigação, que lhes impõe a lei, e fazendo-lhes ao mesmo tempo ver que da destruição das matas e madeiras de construção, resultará para o futuro grave, e irreparável prejuízo para a nossa marinha militar. Deus Guarde a V. Ex. - Palácio do Rio de Janeiro, em 19 de janeiro de 1833 – Joaquim José Rodrigues Torres – Sr. Presidente da Província de ...

Já na República, o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil – Decreto nº 847, de 11.10.1890, era específico na penalização do corte de árvores:
Art. 390 – Cortar, destruir, ou substituir por outras, sem licença da autoridade competente, as árvores plantadas nas praças, ruas e logradouros públicos, danificar os jardins e parques de uso público:
Penas – de prisão celular por oito a quinze dias, e multa igual ao valor do dano causado.

A Consolidação das Leis Penais, aprovada pelo Decreto nº 22.213, de 14.12.1932, repetia a mesma disposição:
Art. 390 – Cortar, destruir, ou substituir por outras, sem licença da autoridade competente, as árvores plantadas nas praças, ruas e logradouros públicos, danificar os jardins e parques de uso público:
Penas – de prisão celular por oito a quinze dias, e multa igual ao valor do dano causado.

É em 23.01.1934 que surge o primeiro Código Florestal do Brasil, aprovado pelo Decreto 23.793. Neste Decreto havia disposição específica sobre os terrenos marginais dos rios, assim, redigida:
Art. 1º As florestas existentes no território nacional, consideradas em conjunto, constituem bem de interesse comum a todos os habitantes, do país, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que as leis em geral, e especialmente este código, estabelecem.
Art. 3º As florestas classificam-se em:
a) protetoras;
(...)

Art. 4º Serão consideradas florestas protetoras as que, por sua localização, servirem conjunta ou separadamente para qualquer dos fins seguintes:
a) conservar o regime das aguas;
b) evitar a erosão das terras pela ação dos agentes naturais;
c) fixar dunas;
(...)
Art. 10. Compete ao Ministério da Agricultura classificar, para os efeitos deste código, as varias regiões e as florestas protetoras e remanescentes, localizar os parques nacionais, e organizar florestas modelo, procedendo para tais fins, ao reconhecimento de toda a área florestal do país.
Paragrafo único. A competência federal não exclui a ação supletiva, ou subsidiária, das autoridades locais, nas zonas que lhes competirem para os mesmos fins, acima declarados, observada sempre a orientação dos serviços federais, e ficando a classificação de zona e de florestas sujeita à revisão pelas autoridades federais. (...)
Art. 11. As florestas de propriedade privada, nos casos do art. 4º, poderão ser, no todo ou em parte, declaradas protetoras, por decreto do governo federal, em virtude de representação da repartição competente, ou do conselho florestal, ficando, desde logo, sujeitas ao regime deste código e à observância das determinações das autoridades competentes, especialmente quanto ao replantio, á extensão, á oportunidade e à intensidade da exploração.
Parágrafo único. Caberá ao proprietário, em tais casos, a indenização das perdas e danos comprovados, decorrentes do regime especial a que ficar subordinado.
(...)
Art. 22. É proibido mesmo aos proprietários:
(...)
b) derrubar, nas regiões de vegetação escassa, para transformar em lenha, ou carvão, matas ainda existentes ás margens dos cursos d'água, lagos e estradas de qualquer natureza entregues à serventia publica;
(...)
g) cortar arvores em florestas protetoras ou remanescentes (excluídos os parques), mesmo em formação, sem licença previa da autoridade florestal competente, observados os dispositivos aplicáveis deste código, ou contrariando as determinações da mesma autoridade;
h) devastar a vegetação das encostas de morros que sirvam de moldura e sítios e paisagens pitorescas dos centros urbanos e seus arredores ou as matas, mesmo em formação, plantadas por conta da administração publica, no caso do artigo 13, § 2º, ou que, por sua situação, estejam evidentemente compreendidas em qualquer das hipóteses previstas nas letras a a g, do artigo 4º.
(...)
Art. 23. Nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de tres quartas partes da vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24, 31 e 52.
(...)
Art. 25. Os proprietários de terras, próximas de rios e lagos, navegados por embarcações a vapor, ou de estradas de ferro que pretenderem explorar a industria da lenha para abastecimento dos vapores e machinas, não poderão iniciar o corte de madeiras sem licença da autoridade florestal.
(...)
Art. 35. Cada município classificará as terras que o constituem em três categorias distintas, para o efeito da cobrança de impostos sobre a extração da lenha e o preparo do carvão.
(...)


Como se viu pela legislação histórica acima listada, as florestas, em especial as que margeiam cursos d'água, sempre tiveram proteção especial da ordem jurídica, sendo consideradas áreas sensíveis da natureza.

Menoridade e Popularidade

De tantas pesquisas de opinião publicadas, uma foi vista com muito respeito (Popularidade em baixa) a outra, foi tratada como inexistente (87% querem redução). Faz-se campanha contra a redução da maioridade, como se a vontade da maioria não existisse. A quem é dirigida esta campanha? Não se vê pleito por um plebiscito. E assim vai o Brasil: eleitores fazem política em anos em que não há eleição(1). Nos anos de eleição, limitam-se a opções iracundas contra candidatos nacionais ao executivo, esquecem-se do legislativo, de quem falam mal e não sabem o que faz (2).
Agora, uma minoria (13%) tenta impor sua convicção à maioria. Será que algum dia viveremos a democracia, respeitando a maioria, ou ela continua a ser um lamentável mal-entendido (conforme Sérgio Buarque de Holanda).

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1- Este tema é abordado no livro Os Bestializados (leia aqui a resenha do livro).
2- Minha pesquisa que fundamentou a dissertação de mestrado (A Intenção de Cumprir a Lei, em 1988, com pesquisa de opinião de 351 pessoas (veja o resultado completo aqui) tinha os seguintes dados entre outros:  79% achavam que senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores não cumpriam com suas obrigações, mas estas mesmas pessoas que diziam que os parlamentares não cumpriam com suas obrigações e mais 5%  dos demais entrevistados (total de 84%) não sabiam dizer corretamente quais são as obrigações dos senadores, deputados federais e estaduais e vereadores. Como outras constatações desta pesquisa foram confirmadas e outras mais recentes, de outros institutos de pesquisa, é possível que, se for fazer uma pesquisa sobre o que a população acha que são as obrigações deste  ou daquele parlamentar, talvez tenhamos resultados semelhantes aos da minha pesquisa de 1986...