domingo, 5 de julho de 2015

Áreas de preservação - uma resenha história da legislação

A proteção às florestas não é assunto estranho à legislação brasileira, nem à portuguesa no período colonial.

As Ordenações Filipinas, em seu livro 5, já dispunham sobre o tema:
TITULO LXXV
Dos que cortam Árvores de fruto ou Sovereiros ao longo do Tejo 
O que cortar Árvore de fruto, em qualquer parte que estiver, pagará a estimação dela a seu dono em tresdobro.
E se o dano, que assim fizer nas Árvores, for valia de quatro mil reis, será açoitado, e degredado quatro anos para África. 
E se for valia de trinta cruzados, e daí para cima, será degradado para sempre para o Brasil.
E mandamos, que pessoa alguma não corte, nem mande cortar Sovereiro, Carvalho, Ensinho, Macheeiro por o pé, nem mande fazer dele carvão, nem cinza; nem escasque, nem mande escascar, nem cernar alguma das ditas árvores, desde onde entra o rio Elga no Termo da Vila do Rosmaninhal, até a Vila de Abrantes e daí até a foz do Rio de Lisboa, nem até dez léguas do Tejo, contadas dele para ambas as bandas do Sertão, desde onde se mete o rio Sever no Termo de Montalvão, até a foz do Rio de Lisboa e donde se mete o rio Elga, até onde entra o rio Sever . 
As quais dez léguas se contarão da banda de Portugal somente.
E fazendo o contrário, vá degredado quatro anos para África e pague cem cruzados e perca o carvão e cinza, a metade para quem o acusar e a outra para os Cativos. 
E se for peão, seja além disso, açoitado . 
Porém os que tiverem Sovereiros próprios, os poderão cortar, não sendo para carvão, ou cinza; e cortando-os para isso, incorrerão nas ditas penas. 
E os Juizes dos Lugares dos ditos limites tirarão disso devassa ao tempo, que tiram a devassa geral e procederão contra os culpados , como for Justiça. 

O Alvará de 24 de maio de 1740 ampliou o alcance da proibição de corte de árvores para o Brasil e o Maranhão. Isto porque na época havia dois Estados, ou duas Capitanias Mores: a do Maranhão, diretamente subordinada à Lisboa (pois era mais rápido ir do Maranhão à Lisboa do que ao Rio de Janeiro ou a Salvador) e a do Brasil, estando o Governador-Geral, depois Vice-Rei, em Salvador até 1763 e, após, no Rio de Janeiro.

Mas não era somente a disposição acima que limitava o corte da vegetação. Havia outra, também no livro 5:
TÍTULO XCI
Que nenhuma pessoa faça Coutadas

Mandamos, que pessoa alguma de qualquer estado, dignidade e condição que seja, não faça Coutadas, nem defesa, assim nos montes e terras de porcos monteses, veados, coelhos, perdizes e pastos, como nos Rios, e Lagoas de peixe e aves.
1. Outrossim, não façam Coutadas nos matos maninhos e charnecas, porque defendam, que não cortem lenha, nem tirem cortiça, nem arranquem cepa, sem lhes pagar algum tributo.
E fazendo-as, mandamos que sejam nenhumas.
E mais o Senhor de terras, ou pessoa que as ditas Coutadas, ou cada uma delas fizer, ou mandar fazer, seja suspenso da jurisdição, que tiver na Vila, ou Lugar e seu Termo, em que assim fizer as ditas Coutadas.
E o Oficial que por eles tiver encargo de executar as penas das Coutadas, por cada vez que demandar, ou executar alguma pena por razão das ditas Coutadas, será degredado dois anos para África e pague vinte cruzados, a metade para quem o acusar e a outra para aquele que assim for demandado, ou executado.
E mandamos às nossas justiças, que as não guardem, nem julguem por elas tais tributos e coimas, nem penas algumas, nem consintam fazer penhora por elas; e alcem as tais Coutadas e defesas.
2. E quanto às nossas Coutadas feitas por Nós, ou pelos Reis, nossos antecessores, que por Nós não sejam revogadas, mandamos que se guardem e cumpram, segundo é contido em nossos Regimentos sobre isso feitos e as outras Coutadas e defesas que algumas pessoas por nossas Cartas e Privilégios, tiverem, ou por Cartas dos Reis passados e por nós confirmadas, lhe sejam guardados.
E querendo os que tais Coutadas de pastos e lenhas tiverem, usar delas contra os que tiverem herdades, que confrontam e vizinham com elas, mandamos que as ditas herdades sejam isso mesmo coutadas, somente para os que semelhantes Coutadas e defesas têm; e em ditas herdades lhes levem aquelas penas e coimas, que os donos e Senhores das Coutadas levam aos que com elas assim confrontam e em todo com eles vizinhem, como os que as ditas Coutadas tiverem, com eles quiserem vizinhar.
3. E se os que tiverem as ditas Coutadas, as quiserem guardar, não poderão entrar nas Coutadas e pastos e rocios do Concelho, posto que com eles não confrontem.
E entrando, pagarão as penas ao Concelho, que eles podem levar nas suas Coutadas.
4. E quanto às penas, que são postas pelos Regimentos e Ordenação, ou por nossas Cartas, aos que quebram as Coutadas, poderão ser demandados até três meses do dia, que assim quebrarem as ditas Coutadas.
E passados os ditos três meses, não se possam mais demandar, salvo quando Nós nas nossas Coutadas mandarmos, que em mais tempo possam ser demandados.

Segundo Cândido Mendes de Almeida (nos comentários às Ordenações Filipinas), coutada era a mata, ou terra, cerca, ou terras demarcadas e defesas, onde se criava caça para os Reis, Príncipe, Infantes, ou pessoas que as tinham; e onde era proibido pescar, caçar porcos monteses, perdizes, veados etc, fazer queimadas, lenha etc. Elas se faziam por privilégio Real, ou usurpação.  O Alvará de 27 de novembro de 1804 chamou Coutada à folha de terra reservada por algum tempo para pasto.

 Após a independência do Brasil, já no Império e sob a Constituição de 1824, a Lei de 15 de outubro de 1827 assim dispunha sobre as atribuições dos Juízes de Paz:
Art. 5º Ao Juiz de Paz compete:
(...)
12. Vigiar sobre a conservação das matas e florestas públicas, onde as houver e obstar nas particulares ao corte de madeiras reservadas por lei.

 A observância desta lei  foi recomendada pelo Aviso nº 17 de 19 de janeiro de 1833:
Manda observar as disposições da carta de lei de 15 de outubro de 1827, sobre a conservação das matas, e florestas públicas, e proibição aos particulares do corte das madeiras reservadas em lei.
Ilmo. e Exmo. Sr. - Competindo aos Juízes de Paz, segundo determina a carta de lei de 15 de outubro de 1827, vigiar sobre a conservação das matas, e florestas públicas, onde as houver, e obstar nas particulares ao corte das madeiras reservadas por lei; Manda a Regência, em Nome do Imperador, que V. Ex. haja de declarar aos dessa Província, quais sejam tais madeiras, recomendando-lhes muito o exato cumprimento daquela obrigação, que lhes impõe a lei, e fazendo-lhes ao mesmo tempo ver que da destruição das matas e madeiras de construção, resultará para o futuro grave, e irreparável prejuízo para a nossa marinha militar. Deus Guarde a V. Ex. - Palácio do Rio de Janeiro, em 19 de janeiro de 1833 – Joaquim José Rodrigues Torres – Sr. Presidente da Província de ...

Já na República, o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil – Decreto nº 847, de 11.10.1890, era específico na penalização do corte de árvores:
Art. 390 – Cortar, destruir, ou substituir por outras, sem licença da autoridade competente, as árvores plantadas nas praças, ruas e logradouros públicos, danificar os jardins e parques de uso público:
Penas – de prisão celular por oito a quinze dias, e multa igual ao valor do dano causado.

A Consolidação das Leis Penais, aprovada pelo Decreto nº 22.213, de 14.12.1932, repetia a mesma disposição:
Art. 390 – Cortar, destruir, ou substituir por outras, sem licença da autoridade competente, as árvores plantadas nas praças, ruas e logradouros públicos, danificar os jardins e parques de uso público:
Penas – de prisão celular por oito a quinze dias, e multa igual ao valor do dano causado.

É em 23.01.1934 que surge o primeiro Código Florestal do Brasil, aprovado pelo Decreto 23.793. Neste Decreto havia disposição específica sobre os terrenos marginais dos rios, assim, redigida:
Art. 1º As florestas existentes no território nacional, consideradas em conjunto, constituem bem de interesse comum a todos os habitantes, do país, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que as leis em geral, e especialmente este código, estabelecem.
Art. 3º As florestas classificam-se em:
a) protetoras;
(...)

Art. 4º Serão consideradas florestas protetoras as que, por sua localização, servirem conjunta ou separadamente para qualquer dos fins seguintes:
a) conservar o regime das aguas;
b) evitar a erosão das terras pela ação dos agentes naturais;
c) fixar dunas;
(...)
Art. 10. Compete ao Ministério da Agricultura classificar, para os efeitos deste código, as varias regiões e as florestas protetoras e remanescentes, localizar os parques nacionais, e organizar florestas modelo, procedendo para tais fins, ao reconhecimento de toda a área florestal do país.
Paragrafo único. A competência federal não exclui a ação supletiva, ou subsidiária, das autoridades locais, nas zonas que lhes competirem para os mesmos fins, acima declarados, observada sempre a orientação dos serviços federais, e ficando a classificação de zona e de florestas sujeita à revisão pelas autoridades federais. (...)
Art. 11. As florestas de propriedade privada, nos casos do art. 4º, poderão ser, no todo ou em parte, declaradas protetoras, por decreto do governo federal, em virtude de representação da repartição competente, ou do conselho florestal, ficando, desde logo, sujeitas ao regime deste código e à observância das determinações das autoridades competentes, especialmente quanto ao replantio, á extensão, á oportunidade e à intensidade da exploração.
Parágrafo único. Caberá ao proprietário, em tais casos, a indenização das perdas e danos comprovados, decorrentes do regime especial a que ficar subordinado.
(...)
Art. 22. É proibido mesmo aos proprietários:
(...)
b) derrubar, nas regiões de vegetação escassa, para transformar em lenha, ou carvão, matas ainda existentes ás margens dos cursos d'água, lagos e estradas de qualquer natureza entregues à serventia publica;
(...)
g) cortar arvores em florestas protetoras ou remanescentes (excluídos os parques), mesmo em formação, sem licença previa da autoridade florestal competente, observados os dispositivos aplicáveis deste código, ou contrariando as determinações da mesma autoridade;
h) devastar a vegetação das encostas de morros que sirvam de moldura e sítios e paisagens pitorescas dos centros urbanos e seus arredores ou as matas, mesmo em formação, plantadas por conta da administração publica, no caso do artigo 13, § 2º, ou que, por sua situação, estejam evidentemente compreendidas em qualquer das hipóteses previstas nas letras a a g, do artigo 4º.
(...)
Art. 23. Nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de tres quartas partes da vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24, 31 e 52.
(...)
Art. 25. Os proprietários de terras, próximas de rios e lagos, navegados por embarcações a vapor, ou de estradas de ferro que pretenderem explorar a industria da lenha para abastecimento dos vapores e machinas, não poderão iniciar o corte de madeiras sem licença da autoridade florestal.
(...)
Art. 35. Cada município classificará as terras que o constituem em três categorias distintas, para o efeito da cobrança de impostos sobre a extração da lenha e o preparo do carvão.
(...)


Como se viu pela legislação histórica acima listada, as florestas, em especial as que margeiam cursos d'água, sempre tiveram proteção especial da ordem jurídica, sendo consideradas áreas sensíveis da natureza.

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