sábado, 31 de outubro de 2009

Censura




No mais das vezes em que são relatados fatos envolvendo a censura do regime militar, o cenário são as grandes cidades da época, onde se concentravam os artistas profissionais e a grande imprensa. Mas a censura adentrava capilarmente pelo país, atingindo cidades relativamente pequenas, como era o caso de Itajaí na década de 70.


Nosso grupo de teatro (FOLK) encenava e escrevia (ou adaptava) as peças que apresentava. Uma das que escrevemos foi "Apocalipse, o Julgamento Maior". Assim, além de escrever, montar e ensaiar as peças (tudo com a permissão dos nossos pais, pois éramos adolescentes), ainda havia que submetê-las à censura. E, para isso, os que eram maiores de 18 anos deviam assinar como autores, pois a censura não aceitava menores escritores.


De Itajaí a peça ia a Brasília. Mas entregávamos na Polícia Federal, que tinha uma Delegacia em Itajaí.


Na volta, vinham os cortes. Coisas que não entendíamos porque, eram cortadas, sem maiores explicações. Até porque o censor não precisava se explicar, pois nada era submetido ao Judiciário, nem a alguma instância administrativa recursal. Assim, por exemplo, foi cortada a frase "comprar a crédito e vender à vista é um grande golpe!" porque o censor não gostou. Ou porque achava que era uma ofensa ao capitalismo, num país em que um golpe de Estado fora dado sob a farsa do combate ao comunismo (ainda que nada justifique um golpe e nada justifique proibir uma filosofia ou uma teoria política).


Além de submeter o texto à censura, esta ainda devia presenciar ao ensaio, para cortar gestos ou cenas que, na visão do censor, não fossem aceitáveis (ver o certificado acima). Numa das cenas cortadas, o ator levantava a mão fechada. O gesto foi cortado pelos censores presentes ao ensaio. Só depois fomos saber que aquilo não podia porque era interpretado como o símbolo do socialismo. Foi a primeira e única vez na vida que vi censores em carne e osso.


Podia ocorrer que a censura proibisse uma peça toda. Vi casos desse tipo e já relatei na postagem Clavaria Flava. Mas houve um caso nacionalmente famoso, que foi a proibição da novela Roque Santeiro, depois regravada e reapresentada.


Enfim, escrita, montada, ensaiada e liberada pela censura, se encenava a peça.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

ENESC

O fato de eu ser Secretário do Grêmio me tornava - junto com os demais membros da diretoria - um representante dos alunos e candidato preferencial a participar de eventos fora do Colégio ou da cidade. Foi por esta razão que, em meados de 1972, fomos para Florianópolis participar do I Encontro de Estudantes Secundaristas Catarinenses. A grande discussão era a instituição do ensino profissionalizante no 2º grau. A entidade promotora do encontro era um certo CECUCA (Centro de Cultura Catarinense). Hospedei-me na casa de minha irmã e levei junto um colega do movimento estudantil (hoje penso no quão aborrecido para ela deve ter sido hospedar aqueles dois adolescentes).
Como todo encontro de estudantes, o evento se desenvolvia meio secretamente e num clima de apreensão. Além disso, havia temas proibidos e termos permitidos. Falar em temas proibidos podia significar problemas, aí incluído o sumiço do falante (e até do ouvinte). Pois bem, ao fim do encontro, Itajaí foi escolhida para sediar o II ENESC.
Em 1973, logo no início do ano, começamos os preparativos, elegendo a diretoria do encontro: Carlos Alberto (Beto) Rebelo ficou na presidência e eu na Secretaria Geral.
Ao lado das incumbências naturais deste tipo de evento (obter a lista dos colégios em todo o Estado de Santa Catarina, fazer cartazes, conseguir hospedagem, comida etc para os cerca de 200 participantes previstos), havia o problema adicional de lidar com a ditadura.
Qualquer encontro de estudantes era visto como um perigo em potencial para o sistema. Assim, Beto teve que ir várias vezes a Florianópolis obter a liberação da DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) para o encontro. Todos os palestrantes tinham que ser liberados pela ditadura, depois de profundas "investigações" em suas vidas.
Um dia, 7h30min da manhã, eu estava entrando no Colégio, quando aparece um Delegado de Polícia. Disse-me para comparecer à Delegacia Regional de Polícia. Morto de medo, perguntei se podia ser às 10 horas da manhã, para que eu pudesse assistir às duas primeiras aulas. Ele concordou. Mas eu nem consegui prestar atenção à aula, imaginando-me já sob interrogatório na polícia ou levando um sumiço (e eu tinha só 16 anos).
Às dez horas estava na Delegacia, sentado numa poltrona, esperando ser atendido. Fui chamado pelo Delegado que me avisara (que, suponho hoje, devia ser sub-delegado) e por um outro, que sei que era o titular. Eles passaram a ler a lista de palestrantes, dizendo o que cada um fazia etc, certamente para me mostrar que tudo investigavam e de tudo sabiam (e se estava em Itajaí, uma cidade de médio porte, no interior de Santa Catarina, mas que, mesmo assim, despertava a preocupação do regime militar). Passaram a me alertar para, durante o Encontro, não criticar o governo, pois isso iria dar problema, não fazer isso, não fazer aquilo (não se sabia o que iriam fazer com a gente caso não fossem respeitadas as proibições).
Saí da Delegacia ainda assustado, mas ileso. Já era uma grande coisa!
Mandamos convites para 200 colégios secundaristas que havia no Estado de Santa Catarina. Calculávamos que viesse pelo menos um aluno de cada colégio e conseguimos que o Supermercado Vitória doasse um jantar para 200 pessoas.
No dia da abertura apareceram só 17 estudantes, todos dizendo que souberam do Encontro por meios informais e que seus colégios não haviam recebido os convites. Depois fomos sabendo que nenhuma escola das que endereçamos convite os havia recebido. Mas fui eu mesmo quem colocou os 200 convites no correio (todos, infelizmente, com um carimbo do Encontro, dizendo, portanto, do que tratava o conteúdo... )
Mesmo com os 17 participantes, começamos o encontro numa quinta-feira de manhã. Houve a primeira palestra. Logo em seguida Beto, o presidente, me procurou dizendo que havia recebido ordens para encerrar o encontro. O motivo era o que se dava para tudo vindo da ditadura: razões de segurança. Mas não se poderia dizer aos participantes que o encerramento se dava por ordem da DOPS, nem, pois, que era por motivos de segurança. E mais: quem deveria dar a notícia era eu. Como sempre, não se sabia o que iria acontecer conosco se desobedecêssemos as ordens.
Então, me postei na frente dos 17 participantes e disse que, como tinha pouca gente, não valia a pena continuar o encontro. Alguns me inquiriram com desconfiança sobre os reais motivos, mas eu insisti que era aquilo mesmo.
Dias depois o delegado que fora ao colégio me chamar, voltou a me procurar, pedindo que lhe remetesse a nome completo dos membros da diretoria do Encontro e dos respectivos pais, seus endereços e telefones. Era a face preguiçosa e ineficiente da ditadura que aparecia pela primeira vez para mim. Desta vez tomei coregem e desobedeci. O Delegado só não está esperando até hoje pelas informações, porque morreu.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

GESI 2











O GESI (Grêmio Estudantil Salesiano Itajaí) tinha uma atuação que extrapolava o âmbito do Colégio Salesiano Itajaí. Apesar de sua fundação datar de 1961, foi em 1968 que seu campo de ação se estendeu pela cidade de Itajaí/SC. Creio que isso se deveu, principalmente, ao espírito inovador e incentivador do Padre Heriberto José Schmidt. Mas, ou porque o Pe. Schmidt soube escolher os alunos para dirigir o grêmio, ou pelo talento daqueles alunos, o fato é que esta expansão foi comandada por Dagoberto Blease Jr (presidente do GESI em 1968), que teve em Renato Borba um destacado secretário. Na época eu tinha 10 ou 11 anos e Dagoberto e Renato deveriam ter 17 ou 18 anos. Se eu era uma criança, os dois eram meninos. Na minha visão, porém, eram homens feitos.




A grande realização de 1968 ou 1969 foi a FECOLI (Feira Colegial do Livro - fotos acima). Era realizada na Galeria Rio do Ouro e ganhava destaque na cidade durante a semana em que se realizava. Itajaí devia ter algo em torno de 60 mil habitantes, mas já era uma cidade, por causa da exportação de madeira. Deveria, entranto, estar entrando numa crise, pois o banco INCO, cuja matriz era na cidade, estava sendo vendido para o BRADESCO.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

GESI



O GESI (Grêmio Estudantil Salesiano Itajaí) foi um período marcante de meus tempos de política estudantil. Foi o primeiro grande sonho e a primeira grande frustração. Eu era secretário e almejava ser presidente. Era tradição que só se elegia quem fosse candidato pela situação. Por motivos que até hoje não conheço com certeza, não fui candidato pela situação. Uma das versões atribuiu o veto à candidatura pela situação a um pedido de meu pai ao diretor do Colégio, preocupado que estava com o forte "stress" (o termo não era conhecido na época) que a política estudantil me causava e que, talvez, tenha sido uma das causas de duas convulsões que tive por aqueles tempos. Mas não sei se este pedido ocorreu, pois meu pai - nos 4 anos que viveu após a eleição - nunca me confirmou.


Enfim, candidatei-me a presidente do Gesi pela oposição e perdi a eleição. Fiquei numa tristeza imensa. Tinha, então, 16 anos (corria o ano de 1973) e o fato me abalou e marcou muito.


Mas a política estudantil de então era realmente muito dura. De um lado, o regime militar via em qualquer estudante um risco para o governo. Hoje vejo que os governantes de então tinham muito medo.


Mesmo um grêmio estudantil numa cidade pequena como Itajaí, era objeto de atenções, perseguições e ameaças.


Ainda que as atividades ficassem em inofensivas comemorações (ver o programa/convite acima), a bisbilhotice oficial era grande e incomodativa.


Eventos artísticos eram trabalhosíssimos, pois, além da organização, havia o problema do regime militar e sua censura. Assim, realizar um Festival da Canção, por exemplo, implicava em submeter as letras das músicas à censura. Imagine-se o trabalho de mandar, via escaninhos da burocracia, letras de músicas feitas por estudantes, para Brasília, passando por Florinópolis. Numa época em que não havia nem fax, nem internet.


Daí porque mais fácil era realizar competições esportivas.


Não sei se hoje há estes grêmios ou se os estudantes secundaristas fazem e como fazem politica estudantil.


Mas - mesmo que com riscos - tenho saudades do GESI e da década de 70.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Suspensório


Uso suspensórios. É cômodo e confortável. Minha mãe dizia que há pessoas que veem a moda como lei. Creio que sim, pois suspensórios de abotoar (como os da foto acima) são mais funcionais e seguros que os de garrinha. Pouquíssima gente usa no Brasil (vejo muito em filmes), donde a moda de não usar suspensório parece ser lei.
Talvez por isso, já procurei suspensórios de abotoar de norte a sul do Brasil e só encontro os de garrinha. Já me prontifiquei, junto aos comerciantes que procuro, a garantir a compra do produto. Mas nada!

Durante algum tempo, o Correia me quebrou uns galhos e fabricou suspensórios de abotoar ou consertou uns antigos que eu tinha.

Pois bem, bastou eu chegar num aeroporto como o de Nova Iorque ou o de Lisboa, que nas próprias dependências do setor de passageiros achei uma loja que vendia suspensórios de abotoar. Na Espanha, encontrei os tais suspensórios na primeira loja do El Corte Inglês que entrei (Santiago de Compostela - que poderia ser Santo Iago também).

Quando vejo esta dificuldade de encontrar suspensórios no Brasil, lembro-me dos réus em ações penais decorrentes de não recolhimento de contribuição previdenciária retida dos empregados (art. 168-A do Código Penal). Eles alegam que não pagaram a contribuição por causa das dificuldades financeiras. Perguntados sobre a causa das dificuldades financeiras, dizem que foram mal nos negócios por causa da concorrência. Ou seja: sem condições de competir com os concorrentes, viram o negócio ir pro brejo e empurraram a conta para o contribuinte.

Talvez se tivessem atendido as expectativas dos clientes (caso dos suspensórios de abotoar), teriam feito frente à concorrência, mantido-se no negócio e pago as contribuições previdenciárias que já haviam descontado da remuneração de seus empregados.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Faixa de Segurança

A experiência tem me mostrado que caminhadas curam mau-olhado, arca caída, ziquizira, zipra, cobreiro, carne rasgada e nó nas tripas. E são um santo remédio para baixar a glicose e o colesterol.
Caminho desde os 32 anos. Mas vez por outra tiro férias de caminhadas.
Desde que, porém, no começo deste ano, as taxas de glicose e colesterol chegaram no alerta amarelo, suspendi as férias de caminhadas por tempo indeterminado. E caminho quase que diariamente.
E diariamente atravesso ruas, sempre pela faixa.
No trecho que uso em Blumenau (Praça dos Estudantes, Rótula da Proeb, ops, Vila Germânica) a faixa de pedestres, é vista como ornamento pelos motoristas. O costume não é só de Blumenau, conforme constatou a RBS. Mas se são raríssimos os motoristas que param pra gente atravessar, mais raros ainda são os guardas de trânsito no local.
Como existe a prisão especial no Brasil, existe também o tratamento especial aos bandidos do trânsito: espera-se que ajam segundo a consciência e não por medo da repressão. Já vi motoristas ameaçarem jogar o carro em cima de mim, depois de eu pedir - por gestos - respeito à faixa. Se me atropelassem, cometeriam crime doloso, ainda que por dolo eventual (no caso, lesões corporais ou homicídio). Mesmo quem passa de carro na faixa, em alta velocidade, além da infração de trânsito, se matar alguém ou causar lesões corporais - ainda que não queira o fato - comete crime com dolo eventual. Enfim, é um bandido do trânsito.
Campanhas, porém, resolvem, para essa gente, tanto quanto tentarmos conscientizar, por propaganda, os ladrões a não roubarem, os homicidas e não matarem, os estupradores a não estuprarem.
Penso que a solução é o bom e velho "panopticon" de Bentam: batidas eventuais dos guardas de trânsito, com parada e multa dos infratores. Um dia pode ter guardas, outro dia não. E processo criminal em cima de quem causar lesões corporais ou homicídios na faixa de pedestre. E divulgação do processo, para que sirva de prevenção ao crime.
Em tempo: estas batidas nem sempre são fáceis de organizar. Já tentei, com a Receita Federal do Brasil, dar umas incertas nas lojas, fazer compras e - quando não dessem a nota fiscal - dar o "teje preso". Mas, supondo que seja liberada a verba para fazer a compra fictícia, vem a discussão se o flagrante é ou não preparado, a conversa da preclusão administrativa etc e tal, que, noves fora, resulta em sonegador solto e Ministério Público visto como abusado...

domingo, 25 de outubro de 2009

Ladrão de Galinha

Ainda hoje se usa a expressão "ladrão de galinha" para descrever o pequeno ladrão, o ladrão de coisa pequena. E daí partir-se para a "denúncia" de injustiças: prende-se o ladrão de galinha, mas se solta o grande criminoso, que se apropria de fortunas.
Na verdade, nem sempre o ladrão de galinha é inofensivo. Escutei muitas vezes minha mãe contar sobre os estragos que os ladrões de galinha faziam na pacata cidade de Itajaí/SC, nos idos de 1932: de manhã cedo, os vizinhos contavam uns aos outros sobre as galinhas furtadas na noite. Numa destas noites, meu avô saiu de casa, em ceroulas, com uma espingarda na mão, dando tiros para cima, tentando espantar os larápios que estavam pondo o galinheiro em pânico. Dias depois, contava ainda minha mãe, sabia-se de alguém oferecendo galinhas, que transportava numa carroça cheia delas; ou então corria a notícia de um lauto almoço, para animado grupo de amigos, onde o prato principal eram galinhas em abundância.
Vê-se que o ladrão de galinha nem sempre é um pobre coitado que furta para sobreviver. A expressão "ladrão de galinha" passa a ser, portanto, um “topoi” - lugares em nome dos que se fala, como elementos calibradores dos processos argumentativos, de forma tal que se força a aceitação de determinadas teses conclusivas dos discursos, a partir de fórmulas integradoras e estereotipadas. Assim, tais fórmulas, vinculando conclusões às representações sociais culturalmente impostas, forçam, em um processo de identificação ideológica, o consenso sobre mensagens comunicadas (WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua Linguagem. UFSC/CPGD, 1983, p. 07).
Percebe-se, portanto, que o ladrão de galinha pode se organizar, pode formar quadrilhas de ladrões de galinha e pode, portanto, se tornar um criminoso que movimente grandes quantias sob a fachada de um crime tido como exemplo de "pecadilho" inofensivo.

sábado, 24 de outubro de 2009

Benjamim






Um dia precisei de um benjamim. Benjamim é um bocal de lâmpada com uma tomada elétrica fêmea que se acopla em outro bocal. Assim, tem-se luz e tomada elétrica a partir da instalação de um bocal de lâmpada (ver a foto acima).



Pois bem, fui em várias lojas especializadas procurar pelo benjamim e nada. Muitos disseram que o governo os havia proibido. Não desacreditei, pois fomos proibidos de comprar álcool líquido por um ato administrativo (e isso não pode, em face do princípio da legalidade, constante do art. 5º, II, da Constituição: Ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.). Ato administrativo não é lei: só é lei a norma aprovada pelo legislativo e sancionada pelo executivo.



Pois bem, sumido o produto, desisti de procurá-lo.



Um ano depois, bisbilhotando lojas de materiais elétricos, encontrei benjamins em abundância. Fui pesquisar até nas lojas que não tinham um ano antes, e todas estavam vendendo benjamim.



Não procurei saber se a proibição ocorrera ou não. Mas, por via das dúvidas, comprei alguns de reserva.



Também não sei o motivo da proibição - se é que existiu...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Lentidão da Justiça

A preocupação com a demora da Justiça não é de hoje. No Século XIV, o Rei Português D. Afonso IV (que reinou de 1325 a 1357) atribuiu aos Advogados a causa da demora na tramitação dos processos. E fez a seguinte Lei:

Dom Afonso pela graça de Deus Rei de Portugal e do Algarve, a todas justiças dos meus reinos que esta carta virem, faço-vos saber que a mim é dito que tanto na minha corte como em meus reinos se faziam prolongadas demandas e muitas malícias e desvairios nos feitos que havia entre as partes, e que todas as malícias e prolongamentos se faziam pelos advogados e procuradores, e isto é a desserviço meu e de meu reino e de minha terra, e eu, para tirar estas malícias e virem os feitos mais asinha a ponto de direito, tenho por bem e ponho por lei para sempre que daqui em diante não haja advogados nem procuradores...(Ordenações Del-Rei Dom Duarte. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 549).

Mas seu neto, Dom Afonso V, em 1456, permitiu, novamente, o exercício da advocaciano reino português (Ordenações Afonsinas, Título XIII - para ver o original, clique aqui).

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Roda dos Expostos


A foto acima é da roda dos expostos, localizada nas imediações de Recife - PE. A parte de dentro da portinha é um armário giratório: quem coloca alguma coisa do lado de fora, não é visto por quem recebe, do lado de dentro, pois, para pegar o que é posto no lado de fora, precisa-se girar o armário. Ali eram postos alimentos para os religiosos se alimentarem; e crianças abandonadas (denominadas expostos), para os religiosos cuidarem.

Os problemas com menores abandonados não são de hoje, mas já datam da época da colônia, ou seja, desde 1603, se considerarmos as Ordenações Filipinas, ou desde 1521, se considerarmosas Ordenações Manuelinas. Eram comum, portanto, a Brasil (a colônia) e a Portugal (a metrópole), já que as leis eram feitas para aquela realidade metropolitana.

Quem era órfão - No Livro 1, Título LXXXVIII das Ordenações Filipinas (em vigor até 1916, no Brasil, na parte do Direito Civil), eram considerados órfãos o menor de 25 anos cujo pai morria. Quem faria o inventário do defunto era o Juiz dos Órfãos. Este inventário, segundo as Ordenações, devia começar em 30 dias e terminar em 60. Os bens do órfão não ficavam, necessariamente, sob a administração de sua mãe. Isto não significava que, se a mãe do menor de 25 anos morresse e o pai ficasse vivo, não haveria necessidade de inventário: neste caso, o pai deveria fazer o inventário dos bens que ele (pai) tinha e possuía ao tempo da morte da dita sua mulher. Mas, neste caso, as Ordenações determinavam que os bens ficassem em poder do pai, porque ele por Direito é seu legítimo Administrador. Se o pai não fizesse inventário dos bens, quando a mãe morresse, seria privado da herança dos filhos e do uso e fruto dos bens; se a mãe não fizesse inventário, quando o pai morresse, além da privação da herança, não poderia ser Tutora do filho, nem ter mais seus filhos em sua governança.

Mãe nobres não amamentavam - Se uma criança ficasse órfã (ou seja, se seu pai morresse), seria entregue a sua mãe, para ser criada, enquanto a mãe não casasse. A mãe teria de criar o filho órfão até os três anos de idade, se a criança fosse só lactente; e por isso a mãe nada receberia, exceto o que se costumava pagar às Amas. Amas era as babás de hoje. Havia amas secas (que só cuidavam das crianças) e amas de leite (que amamentavam filhos de outras mulheres). Quando a mãe era nobre, não era obrigada pela lei a amamentar, mas devia pagar a uma ama de leite, como diz o texto das Ordenações: Mas, se a mãe fosse de tal qualidade e condição, que não deva com razão criar seus filhos ao peito, ou por algum impedimento os não possa criar, será o Órfão dado à Ama, que o crie assim de leite, como de toda a outra criação, que lhe for necessária, à custa dos bens dos ditos Órfãos. E se não tiverem bens, por que se possa pagar sua criação, suas mães serão constrangidas que os criem de graça de toda criação, até serem de idade, em que possam merecer soldada.

Se as crianças não fossem de legítimo matrimônio, ou seja, se fossem filhos de homens casados, ou solteiros, seus pais seriam constrangidos a os criarem. Mas, se os pais não tivessem por onde os criar, os filhos seriam criados à custa das mães. E não tendo eles nem elas por onde os criar, sejam requeridos seus parentes, que os mandem criar. E não o querendo fazer, ou sendo filhos de Religiosos, ou de mulheres casadas, os mandarão criar à custa dos Hospitais, ou Albergarias, que houver na cidade, vila ou lugar, se tiver bens ordenados para criação dos enjeitados: de modo que as crianças não morram por falta de criação. E não havendo ali tais Hospitais e Albergarias, se criarão à custa das rendas do Concelho. E não tendo o Concelho rendas, por que se possam criar, os Oficiais da Câmara lançarão finta pelas pessoas, que nas fintas e encargos do Concelho hão de pagar.

Estas crianças abandonadas era, até o Século XIX, pelo menos, chamadas de expostos. Segundo Cândido Mendes de ALMEIDA, pela antiga legislação serão os Expostos considerados – Órfãos, e terminada sua criação nas respectivas Casas de Caridade, deviam ser apresentados aos Juízes de Órfãos para lhes dar Tutor, que devia mandar-lhes ensinar qualquer ofício. Alvará de 31 de Janeiro de 1775 §§ 3 e 8. Sendo difícil esse emprego dos Expostos, podiam ser repartidos pelos lavradores, que até aos 12 anos não lhes pagavam soldada, dando-lhes educação, sustento e vestido. Ordenações de 10 de Maio de 1783, e de 6 de Dezembro de 1802.

A menoridade cessava neles aos 20 anos, provada a capacidade para regerem-se. Alvará citado de 1775 § 8.

Os de cor preta e parda foram declarados ingênuos. Alvará citado § 7, e Portarias de 26 de Junho de 1815 e de 22 de Fevereiro de 1823.

Pelo Aviso de 11 de Abril de 1846 providenciou-se para que as Expostos filhos de Africanos livres não fossem escravizados. Para ver o original deste alvará, clique aqui.

Por Aviso de 26 de Fevereiro de 1828 devem ser de pronto vacinados.

Nas Misericórdias há um Mordomo especialmente encarregado da direção de sua criação. Alvará de 18 de Outubro de 1806.

As Câmaras Municipais devem providenciar para que se criem Casas de Caridade no interesse dos Expostos, e sua criação, educação e destino. Lei do 1° de Outubro de 1828 arts. 69, 70 e 71.

Nos lugares onde não houvesse tais casas e hospitais, foram aplicados todos os legados pios não cumpridos à sua criação (Lei de 6 de Novembro de 1827 art. 3); e não pagam taxa os legados deixados com esse destino. Regulamento de 13 de Dezembro de 1831, e D. n. 146 – de 4 de Junho de 1845 art. 7.

Em falta de rendas, as Câmaras providenciarão de outra forma, e não por meio de fintas, como determinava esta Ordenação.

Para ver o texto orinal da edição de 1870 das Ordenações Filipinas, de onde foram extraídas estas informações, clique aqui.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Nova Lei do Mandado de Segurança

Sempre achei uma perda de tempo e dinheiro público o Ministério Público opinar em Mandado de Segurança. Aliás, toda a função de parecerista do Ministério Público é uma inconstitucionalidade e uma perda de tempo. Agora, com a nova Lei do MS, tenho arguido a inconstitucionalidade da Lei 12.016 em todas as ações de Mandado de Segurança. A petição é assim:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA ... VARA FEDERAL CÍVEL DE BLUMENAU/SC.


O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, vem ante Vossa Excelência, nos autos do Mandado de Segurança nº 2009.72.05.00xxxx-x, na defesa da ordem jurídica, arguir a inconstitucionalidade do art. 12 e seu parágrafo único da Lei nº 12.016/2009, conforme segue:
1. Trata-se de Mandado de Segurança preventivo no qual a Impetrante pleiteia, inclusive em sede liminar, o não recolhimento de contribuições previdenciárias sobre as importâncias pagas a título de aviso prévio indenizado, compensando as importâncias já pagas a esse título.

2. Não é o caso de ação penal, ação civil pública, ação mandamental na defesa de idoso ou menor, nem é o caso de ação de improbidade administrativa.

3. O Ministério Público Federal comparece aos autos tão somente para arguir a inconstitucionalidade do art. 12 e seu parágrafo primeiro da Lei nº 12.016/2009.

4. O art. 12 e seu parágrafo único da Lei nº 12.016/2009 é inconstitucional porque fere o art. 127, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, vez que OPINAR não é defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.

5. O art. 12 e seu parágrafo único da Lei nº 12.016/2009 é inconstitucional porque fere o art. 129 da Constituição da República Federativa do Brasil, já que OPINAR não é promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; não é zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; não é promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; não é promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; não é defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; não é expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; não é exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; não é requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.

6. O art. 12 e seu parágrafo único da Lei nº 12.016/2009 é inconstitucional porque fere o art. 129, IX da Constituição da República Federativa do Brasil, já que parecer é ato típico de consultoria e, ao opinar mediante parecer, o Ministério Público Federal ou está dando consultoria ao Judiciário, ou à Autoridade Impetrada ou ao Particular.

7. O art. 12 e seu parágrafo único da Lei nº 12.016/2009 é inconstitucional porque fere o art. 5º, XXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil. Afinal, se é dispensável a manifestação do Ministério Público, tem-se que os dez dias que lhe são destinados ao parecer atentam contra a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação.

8. O art. 12 e seu parágrafo único da Lei nº 12.016/2009 é inconstitucional porque fere o princípio da razoabilidade. O princípio da razoabilidade constitui-se dos elementos que medeiam entre a Constituição e o dispositivo ou ato que se pretende estudar (QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati de. Os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade das Normas e sua repercussão no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2000, p. 41 ); a norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas (CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro, Forense, 1989, 2ª edição, 1989, p. 157). Ora, se o art. 12 diz que o Ministério Público opina no Mandado de Segurança, mas, se não opinar, tal opinião não faz falta alguma, de modo que o Juiz pode sentenciar, tal norma é caprichosa, pois dá ao Ministério Público uma atribuição inútil, desnecessária e dispendiosa (pois o paga – e muito bem – para isso).

Em face do exposto, requer o Ministério Público Federal seja declarada a inconstitucionalidade do art. 12 e seu parágrafo único da Lei nº 12.016/2009.
Nestes Termos
Pede Defeirmento.

Blumenau, 17 de outubro de 2009 (sábado não é, legalmente, feriado forense - só no costume)
João Marques Brandão Néto

Procurador da República

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Do Pará para Blumenau

Mônica morava em Belém e, por causa de amores, veio habitar em Blumenau. Foi minha aluna. Contou-me que, ao chegar aqui, nunca tinha usado um casaco sobre uma blusa de mangas compridas. No Pará é muito quente para usar tanta roupa. Sua dificuldade era vestir o casaco por sobre a blusa de manga cumprida, pois a manga do casaco arregaçava a da blusa, que ficava incômodamente engrouvinhada na região do bíceps. E pior: a manga engrouvinhada incomodava muito (como se sabe) e Mônica (também como se sabe) não conseguia arrumá-la sem tirar o casaco. E se tirasse o casaco, a manga engrouvinhava ao colocá-lo de novo.

Até que um dia Mônica viu um nativo de Blumenau (poderia ser qualquer nativo do Sul do Brasil) vestindo um casaco por sobre uma blusa de manga comprida: ele segurou com a ponta dos dois dedos maiores da mão a manga da blusa e vestiu o casaco.

- Ah, percebeu Mônica, então é assim que eles vestem o casaco quando estão de manga comprida...
Nunca mais teve este tipo de problema.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Brasil e Portugal















Um dia, passando as imagens do cartão da máquina para o computador, mostrei uma foto de Salvador/BA para a moça da recepção do hotel em Lisboa. Não lhe disse que cidade era e a moça não conhecia o Brasil. Perguntei-lhe de onde pensava que era a foto e ele me disse que seria de uma cidade de Portugal, cujo nome não gravei.

Quando se está em Portugal, a gente tem a agradável sensação de estar viajando, conhecendo outros lugares, no caso outro país e outro continente, mas falando a nossa língua (ou melhor, a deles, o idioma português). A arquitetura lembra muito as construções mais antigas do Brasil. As fotos acima mostram as semelhanças (duas fotos tiradas no Pelourinho, em Salvador e, no meio delas, Lisboa - esta tirada de dentro do elétrico - e, abaixo, Porto).

Há algumas dificuldades, às vezes, na língua: peúga é meia; chávena é xícara; elétrico é bonde e cueca é calcinha. Moço é um termo ofensivo; puto, não.

domingo, 18 de outubro de 2009

A Caverna do Morcego

A Caverna do Morcego fica em Itajaí, entre a praia de Cabeçudas e a Praia Braba (Braba, foi assim que aprendi a chamá-la). Não sei como está hoje. A visita que vou narrar foi em 1974.
Ia-se a tudo de bicicleta. Então, saímos de Itajaí e fomos a Cabeçudas. Lá, no fim dapraia, perto do Iate Clube, subia-se o morro do Farol. A passagem era livre para carros até um pedaço e o trajeto todo estava liberado para pedestres e ciclistas. A partir de um ponto, havia um portão colocado pela Marinha, proibindo que se seguisse de carro.
Naquele tempo da ditadura militar era assim: a Marinha cismava de dizer que o Farol era um ponto estratégico, importante para a segurança nacional e pronto, o acesso ficava restrito. Mesmo porque "Segurança Nacional" é uma expressão muito vaga, pois era de comum sabença que, até um bicho no pé do então General Presidente da República poderia comprometer a segurança nacional.
Então subimos o morro, atravessamos pelo lado do portão que permitia a passagem de pedestres e ciclistas e descemos até a praia. Por ser uma praia retirada, ali tudo era possível: nudismo, top less etc etc.
Da praia até a caverna era uma subidinha. A entrada da caverna era um buraco no morro.
Todo mundo que tinha, na época, a minha idade (entre 14 e 17 anos) tinha ido já à caverna (naquele tempo, só os rapazes faziam aquele passeio, pois nunca soube de moças que foram). E contavam coisas muito interessantes: o tamanho da caverna, a existência de estalagmites e estalactites, os morcegos voando, enfim tudo o que nos levava a imaginar um mundo de aventura e fantasia. Por isso, era grande a curiosidade que nos movia a conhecer o lugar.
Fomos em um grupo de uns seis amigos (todo o Grupo Teatral Folk), munidos de lanterna, velas e lanche.
Subimos o pedacinho de morro que separava a entrada da caverna da praia e entramos no buraco, que dava num túnel muito estreito. Mais um metro para frente e já tínhamos que acender lanternas e velas, pois a escuridão era total. Andamos um pouco e fomos dar na primeira sala. Era muito grande para quem nunca tinha visto uma caverna: ali cabiam umas oito pessoas de pé. Dali havia acesso, mediante túneis um pouco maiores do que o primeiro, para outras duas ou três salas. E destas salas saíam outros túneis.
Pois bem, depois de olharmos as três salas, começamos a explorar os túneis. De um determinado ponto para frente, a gente só conseguia se mover rastejando. E era a partir desse ponto que os morcegos passavam voando por sobre nós. Felizmente nenhum tocou em algum dos "exploradores".
Depois de andar por umas três horas nos túneis, voltamos à primeira sala e saímos da caverna. Hoje, lembrando a idade que eu e meus amigos tínhamos e os riscos que corremos dentro da caverna, vejo que o medo aumenta com o passar dos anos. Mas, na ocasião, não tive medo.
No final de semana seguinte voltamos ao lugar e resolvemos dar uma volta ao redor do morro em que ficava a Caverna do Morcego, para ver se achávamos outra entrada. Foi uma nova aventura, pois havia pontos do morro que, para cima, era uma subida íngreme e, para baixo, pedras e mar. Foi num destes pontos que escorreguei e só o atrito do meu corpo com a superfície do morro me segurou. Felizmente tínhamos uns elásticos que, a muito custo, me deram alguma sustentação (elásticos, decididamente, não são apropriados para alpinismo, pois esticam quando deveriam ficar tensos).
E além dos pontos íngremes, ainda havia o mato, com seus bichos e insetos.
Mas completamos a volta e cheguei em casa à noite. Ao tirar a calça imunda, vi cair no chão um camundongo morto, que se alojara entre o tecido e minha perna, lá no morro.

sábado, 17 de outubro de 2009

Vida e Arte 2 - Novelas e Impostos

Como já disse em Vida e Arte 1, a arte precisa ter verossimilhança. Então, quando um personagem vai vivenciar situações previstas em lei, o enredo precisa seguir o que a lei manda, sob pena de perder a credibilidade, que, em arte, se chama verossimilhança. Na novela "das 8" do momento, um personagem deve tributos e teme ser chamado pela Receita Federal. Mas, entre os tributos que deve, está o IPTU. E fica dizendo que a Receita Federal vai cobrar o IPTU. Talvez boa parte dos telespectadores nem ligue para isso. Mas qualquer bacharel em Direito que tenha frequentado regularmente e faculdade e estudado o mínimo para receber honestamente seu diploma, sabe que o IPTU é um imposto arrecadado pelo Município e só o Município pode cobrá-lo. O personagem também demonstra muito medo de ser preso por não pagar tributos.
A Constituição faz uma lista de tributos e quem pode cobrar o que. E o Código Tributário Nacional traz alguns conceitos.
Segundo a Constituição, são impostos da União (vulgarmente conhecida como "Governo Federal") e, portanto, fiscalizados pela Receita Federal:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I - importação de produtos estrangeiros;
II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III - renda e proventos de qualquer natureza;
IV - produtos industrializados;
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
VI - propriedade territorial rural;
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar

Já os Estados arrecadam os seguintes impostos:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
III - propriedade de veículos automotores

E aos Municípios cabem os seguintes impostos:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

Há as contribuições e as taxas que, junto com os impostos, compõem os tributos, conforme os seguintes conceitos do Código Tributário Nacional:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a impôsto nem ser calculada em função do capital das emprêsas
.
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
O conceito de contribuição de melhoria do CTN foi restringido pela Constituição, que diz o seguinte sobre taxas e a referida contribuição, no art. 145:
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
Existem outras contribuições, como, por exemplo, aquela destinada a custear a seguridade social (descontada dos empregados e repassada ao INSS).
Se o tributo é daqueles que pertencem à União (ver acima), cabe à Receita Federal apurar, lançar e notificar o contribuinte para pagá-lo (ou seja, ver quanto a pessoa deve de imposto e avisá-lo para pagar). No âmbito da Receita, o contribuinte pode discutir o tributo e recorrer em todas as esferas administrativas. Só depois do devedor percorrer todas as instâncias recursais da Receita (STF, HC 81611) é que o processo poderá ser cobrado judicialmente e o contribuinte, se for o caso, processado criminalmente. Se o contribuinte não pagar, a Receita Federal manda um processo para a Procuradoria da Fazenda Nacional e, se for o caso de crime, um processo para o Ministério Público Federal (Procuradoria da República).
A Procuradoria da Fazenda Nacional vai cobrar o imposto na Justiça Federal (entra com um processo de execução, para que sejam penhorados bens do contribuinte). Mas o contribuinte pode discutir, de novo, o imposto na Justiça e percorrer todas as instâncias do judiciário.
O processo que vai para o Ministério Público Federal, será a preciado pelo Procurador da República, que pode requisitar à Polícia Federal um inquérito ou denunciar direto para a Justiça Federal, dando início a uma ação penal, que objetiva colocar o sonegador na cadeia.
Se o imposto for do Estado, a Receita Estadual (depois de todos os recursos administrativos)manda um processo para a Procuradoria do Estado (que vai cobrar na Justiça Estadual, com todos os recursos judiciais cabíveis) e um processo para o Ministério Público Estadual (Promotoria de Justiça), que vai denunciar direto ou requisitar um Inquérito para a Polícia Civil Estadual e denunciar depois, objetivando a prisão do sonegador.
Se o imposto for do Município, depois de esgotados os recursos adminstrativos,vai um processo para a Procuradoria do Município, que cobrará a dívida na Justiça Estadual, com direito a todos os recursos judiciais. E vai um processo para o Ministério Público Estadual (Promotoria de Justiça), que denunciará direto ou requisitará um Inquérito para a Polícia Civil Estadual e denunciará depois, objetivando a prisão do sonegador.
Nem toda falta de pagamento de tributo é crime. Os casos de crime são os seguintes:
Lei 8.137/90:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Código Penal:
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;
II - deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;
III - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

No tocante à prisão por causa de não pagamento de tributos, não tenho visto razão para muito medo por parte dos sonegadores. Em 12 anos de Ministério Público Federal, fiz muitas e muitas denúncias por sonegação de impostos. Vi casos de absolvição porque o réu alegou que estava sem dinheiro para pagar o tributo; vi casos de condenação com conversão da pena de prisão em prestação de serviços à comunidade, mas só vi um caso de prisão. É muito pouco. Além disso, como uma decisão do STF que exige esperar que o sonegador queime todas as etapas de sua defesa perante a Receita Federal (HC 81611), para, só depois disso (que se chama preclusão administrativa), o Ministério Público ter condições de propor a ação penal, as chances de processo, condenação e prisão são pouquíssimas. Ou seja, para quem tem por profissão ser o Estado Acusador, a situação é pouco motivadora profissionalmente.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Roubo e Furto

Aula de inglês. A professora ensina duas palavras novas: theft e robbery. Em inglês, diz ela, diferentemente do português, há duas palavras para definir roubo: theft, que quer dizer roubo e robbery, que quer dizer assalto.
A professora de inglês não era uma ignorante. Tinha razoável cultura e fazia o tipo que chamamos de "pessoa esclarecida". Não entendi como podia cometer um erro daquele.
Impaciente, levantei a mão e tentei explicar:
- Professora, em português não existe roubo e assalto, mas sim furto e roubo. Como na língua inglesa. Furtar é tirar alguma coisa de alguém, sem violência; roubar é tirar alguma coisa de alguém, com violência. O furto destá definido no artigo 155 do Código Penal Brasileiro e o roubo no artigo 157:
Furto

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Roubo

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

O significado para furto e roubo também é o mesmo nos Códigos Penais Português, Angolano e Moçambicano. Uma informação importante: os códigos penais de Angola e Moçambique são os mesmos, pois ambos os países ainda usam o Código Penal Português de 1886.
Códigos Penais de Angola e Moçambique:
DECRETO DE 16 DE SETEMBRO DE 1886
(Diário do Govêrno, de 20 de Setembro do mesmo ano)
Art. 421. Aquele que cometer o crime de furto, subtraindo fraudulentamente uma coisa que lhe não pertença, será condenado: (...)
Art. 432. É qualificada como roubo a subtraccão da coisa alheia, que se comete com violência ou ameaça contra as pessoas.
Código Penal Português:
Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro
Artigo 203º
Furto
1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
Artigo 210º
Roubo
1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
Para ver o Código Penal Brasileiro na íntegra e as espécies dos crimes de furto e roubo, clique aqui. Para ver o Código Penal Português na íntegra, clique aqui.
Pega de surpresa, a Professora aceitou minha explicação (não sei se por causa da minha profissão ou porque achou razoável). Mas acho que não se convenceu...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Shopping Center e Idade Média










O shopping center é um lugar confortável. Não há mendigos, flanelinhas, nem gatunos. Pode-se andar tranquilamente vendo as lojas e sempre há um segurança para resolver problemas.Talvez aí resulte o êxito dos shoppings. Na verdade, creio que as cidades medievais, muradas, devem ter sido o embrião dos shoppings. Veja-se a foto acima: é a cidade de óbidos, em Portugal. Só se entra por portas e é possível controlar quem entra e quem sai.

Na Idade Média (no caso, Século XIV), com guardas andando pelas muralhas (há um passadiço na parte de cima da muralha, como se vê na foto), tudo podia ser visto e controlado lá de cima.

Em Portugal, no tempo das cidades muradas, o comandande da "polícia" era o Alcaide. O nome Alcaide durou até 1808, quando foi criado, já com a Corte no Rio de Janeiro, o ofício de Chefe de Polícia. O Alcaide era auxiliado pelos Quadrilheiros (que era a o nome da polícia, na época). Para ler sobre o Alcaide no livro 1 das Ordenações Filipinas, clique aqui e, para ler sobre os Quadrilheiros, clique aqui.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Cobras no Ônibus

Ontem fui a uma audiência para ouvir testemunha. Era uma Carta Precatória Criminal vinda de Uruguaiana/RS (ainda persistem no erro de chamar Ministério Público de Justiça Pública). Carta Precatória é um documento que um Juiz manda para outro, com a finalidade de ser praticado um ato judicial (num processo que corre em Uruguaiana, se for o caso de ouvir uma testemunha em Blumenau, vai a Carta Precatória, que é uma delegação de competência do Juiz de Uruguaiana para que o Juiz de Blumenau, para que este ouça a testemunha).
O caso ocorreu perto de Passos de Los Libres, mas ainda no lado brasileiro.
O Réu foi pego transportando para a Argentina animais silvestres, no mês de julho de 2006 (crime do art. 29, § 1º, III da Lei nº 9.605/98). Mas o processo ainda está tramitando. Estes animais eram levados numa mochila e o Réu viajava de ônibus.
Eram os seguintes os animais: 4 ceratophrys cf. Aurita, 5 chelydra serpentina, 1 rhinoclemmys punctularia, 3 diploglossus lessonae, 1 corallus hortulanus, 2 eunectes murinus, 5 boa constrictor constrictor, 1 bothrops jararacussu, 4 grammostola cf. iheringi, 2 ctenus longipes e 1 polybetes rapidus.
Que bichos são esses?
Na ordem acima, são os seguintes: 4 sapos-boi, 5 tartarugas mordedoras, 1 tartaruga aperema, 3 lagartos briba, 1 cobra suaçubóia, 2 cobras sucuris-verdes, 5 cobras jiboias (sei que cobra jibóia é redundância, pois m'boi em tupy é cobra), 1 cobra jararacuçu, 4 aranhas tarântulas, 2 aranhas Ctenus, 1 aranha polybetes.
O réu trazia os animais do Nordeste, segundo o Fiscal do ICMBio, e usava a rota de Uruguaiana para sair do Brasil em direção à Argentina. Da Argentina, supõe-se, os animais iriam para a Europa, tudo segundo o depoimento a que estive presente ontem.
O transporte de animais, pela rota de Uruguaiana, é feito em ônibus e os répteis são escondidos dentro das mochilas, sacolas ou malas. É possível este tipo de transporte, pois os répteis, segundo o Fiscal do ICMBio, tem um metabolismo muito lento e podem ficar dias sem comer e sem beber, desde que estejam num lugar onde possam respirar. E no frio, o metabolismo dos répteis fica mais lento ainda, de modo que a preferência é pelo transporte no inverno (no caso da precatória, a apreensão se deu em julho, portanto no inverno do hemisfério sul).
Pode ser então, que, numa viagem destas, as cobras fujam das mochilas e começam a andar pelo ônibus...

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Contrabando e Descaminho

Muito se usa a palavra contrabando e pouco a palavra descaminho. Contrabando é importar ou exportar mercadoria proibida (importar certas armas, por exemplo, para uso particular) e descaminho é importar ou exportar mercadorias sem pagar impostos. Note-se que o código também menciona o "consumo", mas esta hipótese tem sido tratada pela Lei nº 8.137/90.
O contrabando e o descaminho estão definidos no art. 334 do Código Penal:
Contrabando ou Descaminho
Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.

O nome "contrabando" vem de "contra o bando", porque "bando" era uma norma jurídica. As menções que tenho visto relativamente à palavra "bando" como norma jurídica, referem-se a atos regulamentares de Governadores de Capitanias. Então acredito que estes bandos diziam o que poderia ser importado e exportado. E importar ou exportar em desobediência a estes bandos era um ato contrário ao bando.
A diferença entre contrabando e descaminho não existia no Código Criminal do Império (em vigor de 1830 a 1890), que considerava contrabando e descaminho a mesma coisa:
Contrabando
Art. 177. Importar, ou exportar generos, ou mercadorias prohibidas; ou não pagar os direitos dos que são permittidos, na sua importação, ou exportação.

Penas - perda das mercadorias ou generos, e de multa igual á metade do valor delles.

Já nas Ordenações Filipinas (em vigor de 1603 a 1830, no Brasil), que antecederam o Código Criminal do Império, o crime se chamava "passagem". Mas só encontrei, na pesquisa, punições a quem levava mercadorias para fora do Reino (exportava) sem ordem do Rei e não quem as trazia para dentro do reino. Há vários delitos de passagem e abaixo se cita um deles e a respectiva pena:

Livro 5


TÍTULO CXV


Da passagem dos gados

Mandamos que pessoa alguma de qualquer estado e condição que seja, não tire por si nem por outrem destes Reinos para fora deles nenhum gado de qualquer sorte ou qualidade que seja.
E quem o contrário fizer e com ele for achado ou lhe for provado que o passou, ou mandou passar ou vender, incorra em perdimento de todos seus bens e fazenda, a metade para nossa Câmara e outra para quem o acusar e será degredado para sempre para o Brasil.

Para ver o Código Penal de 1942, atualmente em vigor, na íntegra, clique aqui; para ver o Código Criminal do Império na íntegra, clique aqui e para ver o Livro 5 das Orcenações Filipinas, clique aqui.


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Ardi e o Direito

Ardipithecus ramidus, um antigo hominídeo que, há 4,4 milhões de anos, habitava a região hoje conhecida como Etiópia. Para ver seu desenho e mais explicações na matéria do portal Terra, clique aqui. O Discovery Channel - Brasil está apresentando uma série chamada "Descobrindo Ardi", na qual apresenta simulações de movimentos e tarefas de Ardi, bem como hipóteses para os motivos de ter se diferenciado dos chimpanzés já há 4,4 milhões de anos. Para saber os horários do programa, clique aqui.
No programa da Discovery e na matéria do portal Terra, vê-se que Ardi andava ereta e tinha os caninos pequenos, conjunto de características que indica uma evolução. E qual a causa apresentada para esta evolução? É que, ao se tornar bípede, Ardi podia usar os braços para transportar alimentos de regiões mais longínquas para a que habitava. E os caninos pequenos se deveriam a não mais precisar ameaçar com o tamanho dos dentes os companheiros do bando. Assim, as fêmeas procurariam se acasalar com machos que se dedicassem mais a trazer comida para casa e, pois, permitir a elas cuidar da prole, do que com machos que vivessem brigando.
Estas hipóteses evolutivas colocam por terra toda a idéia liberal do contrato social, ou seja, a hípótese de que os homens viviam em guerra de todos contra todos e fizeram um pacto de paz. Esta pacto levaria à idéia de igualdade e de convivência contratual. Ao que parece, nunca houve um período de guerra de todos contra todos. Ou os briguentos foram extintos pela seleção natural (e a perda dos dentes caninos exuberantes foi o sinal disso).
Logo, a vida do homem sobre a terra e sua evolução se deveriam a duas coisas: comer e procriar (e vale aqui o sentido dúbio da palavra comer).
Daí se poder cogitar que o direito civil (que cuida do casamento = procriação; e do patrimônio = dinheiro para comprar a comida) e o direito do trabalho (como conseguir dinheiro para comprar a comida) acabariam tendo mais importância do que os outros ramos do Direito. E parece que isso é provável, pois, entre os romanos, havia o direito civil e o direito das gentes. Nada de Direito Constitucional, Administrativo, Tributário etc. Claro que existiam normas jurídicas regulamentando as questões do Estado, mas não tinham estas normas a importância que hoje têm.
Enfim, os ramos do Direito que estão centrados em resolver os conflitos resultantes da disputa por comida e por sexo talvez sejam mais populares do que os que dizem respeito à política e aos impostos. É só ver a quantidade de ações nas varas de família e do trabalho, em relação às ações nas varas da Fazenda Pública.

domingo, 11 de outubro de 2009

Oktoberfest Blumenau


Neste dia 7 de outubro aconteceu um dos desfiles da Oktoberfest. O desfile se compõe de 104 entidades, entre bandas, grupos folclóricos, carros e outras atrações (carruagens, carroças, carros de boi, grupos folclóricos, bandas musicais alemãs e brasileiras, clubes de caça e tiro, carros alegóricos, clubes, bondepeia, centopeia, choppmotorrad etc).

Alguns dos carros distribuem chopp à multidão, mas a distribuição é parcimoniosa, mais para simbólica.

Vejo o desfile há 12 anos e há carros e bandas que estão presentes nestes 12 anos. Presença constante também são os 17 imigrantes: pessoas da cidade, com roupas da época, representam as 17 pessoas que fundaram a colônia, vindas da Alemanha.

Apesar de serem 104 entidades, elas agregam cerca de 2000 pessoas . Ou seja, o desfile todo tem os componentes de uma Escola de Samba. As pessoas desfilam num passo rápido, de modo que, em uma hora tudo acontece. É o espírito de Blumenau: rapidez e eficiência. E, meia hora depois de terminado o desfile, todos já voltaram à vida normal. Quem desfilou já foi para casa; quem assistiu ao desfile, voltou às suas ocupações habituais. E as cordas de isolamento, postas no lugar meia hora antes, já estão recolhidas meia hora depois.

A "Oktober", como aqui é chamada, foi feita para animar o povo, que andava triste por causa das enchentes de 1983/1984. Feita para animar as pessoas da cidade, por elas foi assumida e estas pessoas deram vida à festa. Como o sucesso interno foi garantido, ele se expandiu para o público externo. Aqui a festa era uma celebração à cultura alemã. Outras cidades vizinhas passaram a fazer festas na mesma época, cada qual celebrando sua cultura. E se aqui a festa é alemã, em Itajaí é portuguesa. E daí surgiram festas italianas também, pois para a região vieram também imigrantes da Itália.

Mas essa celebração da cultura alemã nem sempre foi uma festa. Traços mais duros dos imigrantes ainda são perceptíveis, como, por exemplo, a manutenção do uso da língua alemã. Duro porque às vezes é constrangedor ver brasileiros se comunicando em alemão e a gente sem nada entender. Falar alemão é uma forma de preservar a cultura germânica. Conheci descendentes de imigrantes alemães que, nascidos e criados no Brasil, não sabiam falar português.

Para se ter uma idéia da cultura alemã em Blumenau e suas rusgas com o pessoal de Itajaí, especialmente na década de 1920, há um livro muito interessante, de onde, inclusive, tirei esta informação sobre a importância dada ao uso da língua alemã (página 83). O livro é de Giralda SEYFERTH e se chama Nacionalismo e identidade étnica. A ideologia germanista e o grupo teuto-brasileiro numa comunidade do Vale do Itajaí (Florianópolis, Fundação Catarinense de Cultura - FCC, 1981)

sábado, 10 de outubro de 2009

Origem da expressão "Vara"










Donde vem a expressão "vara" para designar órgãos judiciais de primeira instância?
Vem das Ordenações Filipinas, Livro I, Título LXV (para ver o texto original da edição de 1870, clique aqui).
Até 1830, havia, no Brasil, Juízes Ordinários (eleitos pelos homens bons do povo) e os Juízes de Fora (nomeados pelo Rei). Os Juízes ordinários deviam portar varas vermelhas e os Juízes de fora, brancas, continuadamente, quando pela vila andassem, sob pena de quinhentos réis de multa por vez que sem ela fossem achados. Segundo Cândido Mendes de ALMEIDA a vara era (e continuou sendo até, pelo menos, 1870) a insígnia que traziam os Juízes e Oficiais seculares em sinal de jurisdição, para que fossem conhecidos e não sofressem resistência em suas ordens. Seculares são os que pertencem ao mundo, ao século e não seculares são os religiosos. Oficiais eram os hoje chamados servidores públicos.
Segundo o Alvará de 30 de Junho de 1652 e Decreto de 14 de Março de 1665, os Juízes deviam trazer as respectivas varas arvoradas ao alto, quando andassem a cavalo, não devendo ser delgadas. O Alvará de 1652, já citado, exprime-se assim: E os Magistrados e Julgadores que usam de insígnia da vara, não as possam trazer de rota, ou de outra coisa semelhante, salvo de pau, da grossura costumada, não as trazendo abatidas, mas direitas na mão, levantadas em proporção do corpo; e só para as prisões lhes permito as possam trazer quebradiças. A rota de que trata o Alvará e de que se abusara na época, era uma espécie de cipó, ou junco de atar, como a chibata. Não obstante a legislação em vigor, os Juízes de Fora e Ordinários usavam no Brasil da vara, quando incorporados com as Câmaras, servindo-se ordinariamente, para distintivo de sua autoridade, de uma meia lua de vime enrolada em pano de seda branca ou vermelha, se não pintada dessas cores, pregada na aba direita das casacas. Almeida ignora a razão de semelhante usança.
O Decreto n. 1326 - de 10 de Fevereiro de 1854 - designou do vestuário dos Juízes de Direito, Municipais, de Órfãos e Promotores Públicos, sem excluir para os primeiros o uso das varas, exigido pelas Ordenações Filipinas. Este decreto trazia, no respectivo anexo, um desenho da roupa e da vara. Solicitei este anexo na Biblioteca Nacional e no Arquivo Nacional e foi-me informado que tal desenho está perdido.
A legislação atual tem mantido a expressão "vara" para se referir a Juízos (art. 96, I, "d" da Constituição, por exemplo).
Quando eu ministrava aulas, sugeri, como trabalho letivo, a um aluno que desenhava muito bem, a reprodução de Juízes segurando a vara, ou com a meia-lua na lapela, conforme mandavam as Ordenações. Os desenhos estão ali acima.
O sentido dúbio da expressão "vara", não deixa de ser interessante, pois é um sinônimo para o pênis e, sendo a vara um símbolo de poder, faz nexo com uma sociedade dominada por homens.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Informalidade e Reclamações

A melhor maneira de se garantir que uma reclamação ou um requerimento tenha andamento, numa empresa ou numa repartição pública, é levá-lo por escrito. E não só isso: levar em duas vias, pedindo que seja dado o recibo na outra. Isto vale para qualquer situação em que se vá pleitear alguma coisa: seja numa empresa, seja num SAC, seja num órgão público, o ideal é pedir por escrito e trazer recibo em cópia.

Se não quiserem receber, mande pelo correio, por AR, mas sempre por escrito.
Muito cuidado com quem se recusa a dar comprovante de recebimento: seja comprovante de recebimento de um documento e, principalmente, de dinheiro. Quem diz que não precisa dar comprovante ou se recusa a dar comprovante de recebimento é um trapaceiro: ou ele já está executando uma trapaça ou vai executar alguma. Ou não vai cuidar do recebeu e poderá perdê-lo. Muito cuidado, portanto, com quem não quer dar recibo!

Já vivi situações em que empresas, via teleatendimento, procuravam me enrolar. Mandei carta escrita, no papel, para o Presidente da empresa, a acabei sendo atendido.

E não esqueça: pedidos, reivindicações, contratos, tudo é verbal. Se for no papel, será verbal-escrito, se for de boca, será verbal-oral.

Mas se tiver preguiça de escrever e quiser pedir oralmente, prepare-se para ser enxotado ou enrolado. As palavras ditas oralmente, o vento leva...

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Informalidade e Consenso

Se tem um a coisa que acho perigosa num servidor público é o gosto pela informalidade e pelo consenso. Ambos são um caminho para a autocracia ou, na melhor das hipóteses, para o domínio de um grupo articulado e para o abuso de poder.
Uma das consequências da informalidade é a impossibilidade de constestação jurídica a atos adminstrativos, por falta de prova.
Um dos sintomas da informalidade é substituir atas por memoriais. Ora, a ata é a forma tradicional e consagrada de registrar reuniões (a gravação de uma reunião em áudio ou áudio e vídeo ainda é mais honesta e mais formal do que a chamada memória). E por que não fazer ata é autoritário? Porque a memória não precisa ser aprovada por quem esteve na reunião e a consequência disso é que, quem fez a tal memória é que vai dizer o que aconteceu e o que não aconteceu na reunião. E, ao dizer o que aconteceu e o que não aconteceu, pode narrar só o que lhe é conveniente.
No atendimento ao público, a informalidade se revela na sua forma mais perversa. É muito mais fácil mandar embora alguém que foi procurar atendimento em uma repartição pública com qualquer desculpa, do que se tiver que entregar um documento com o motivo escrito para o não atendimento. Sempre dou às pessoas que me procuram uma prova escrita do que trataram comigo. E se a resposta é a impossibilidade do atendimento, as pessoas precisam ter isso por escrito, para contestarem ou porem em discussão a falta de atendimento.
Penso que se deve ver com muito cuidado o servidor público que aprecia a informalidade, ou seja, que não gosta de por as coisas no papel e não seguir regras que, pela repetição ao longo do tempo, acabaram por se consagrar. E nesta categoria de servidores públicos que devem respeitar a formalidade (caracterizada pela prática de documentar os atos realizados) incluo todos: agentes administrativos, agentes políticos, enfim, todos que trabalham na burocracia, seja em cargos eletivos, seja em cargos de carreira).
A formalização de atos, ou seja, a sua escrituração ou gravação em som ou som e imagem é a garantia da possilidade de contestação, de impugnação deste ato. Sem a prova de que o ato existiu, não há como discutí-lo, como derrubá-lo na justiça, ou perante a própria administração pública.
O consenso é outro perigo. Raramente se obtém consenso em determinadas coisas, principalmente se os interessados são pessoas do mundo jurídico (somos treinados, desde a Faculdade, a discutir tudo e quem não sabe discutir tudo não tem muita vocação para a vida jurídica). O tal do consenso, porém, geralmente é obtido pela imposição do ponto de vista de um grupo articulado, que se mistura com a assembléia e cria a sensação de consenso. Não é da nossa natureza o consenso, mas sim a obediência de muitos e o mando de alguns. Não sei em quantos seres vivos, além de nós humanos, não é natural o consenso, mas já fui convencido, por DE WALL e WRANGHAM & PETERSON, que, entre chimpanzés não é natural. E, entre os bonobos, só à custa de muito sexo se obtém consenso.
Conheço casos em que o grupo que está dominando a situação decide o que é de ser feito, depois membros do grupo vão disseminando a idéia, até que e os que vivem para aclamar (estão fora do grupo dominante e nada decidem), acreditam que ocorreu o consenso e vão atrás daquilo que o grupo articulado quer.
Mesmo no grupo articulado, há os que decidem e os que são meros sabujos: em troca de alguma vantagem, ou mesmo para poder gravitar em torno de quem manda, acabam por aderir aos líderes e disseminar os comandos do grupo.
A solução é o voto. O consenso pode ocorrer, mas puro, representando a vontade do todo, é raro e precisa ser constatado com muita honestidade e sem assembleismos. E o voto não revela a opinião da totalidade, mas a opinião da maioria. Afinal, na democracia não é o todo que governa, mas sim a maioria.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Climacool


Depois de ter criado um sapato saudável, continuei sem usar tênis. Numa região do país úmida, como é a que eu vivo e que, no verão, é muito quente, somada à umidade com a sudorese, temos dentro de um tênis todo o ambiente favorável à cultura de fungos e batérias. Nos sapatos eu tinha eliminado este "habitat" favorável com a "solução Isac". Quanto ao tênis, ainda estava difícil.
Foi, então, já no século XXI, que conheci os modelos Climacool da Adidas. Eles são abertos na sola, mas têm altura suficiente para que não entre água se a poça não for muito profunda. Com chuva, molha um pouco o pé e, na neve, a coisa se complica (só andei com ele na neve uma vez).
O primeiro que comprei (por volta de 2002) apertava no cabedal e era meio difícil para colocar no pé. Mas o segundo, foi uma beleza (é o da foto acima): fácil de calçar, não aperta e é agradável de calçar. Totalmente ventilado, ou seja, no cabedal e na sola, tem ainda a palmilha feita em tela, de modo que não prejudicava os efeitos da ventilação vinda da sola. Comprei um só. Isto foi mais ou menos em 2004. Pena que não comprei mais. Nunca mais encontrei deste modelo. Procurei em todas as cidades que visitei no Brasil e só fui achar um mais próximo do tipo que eu procurava na loja da Adidas em Paris (Av. Campos Elíseos).

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Direito de Propriedade e Ação Judicial



Um gransnado chamou minha atenção. Olhei e vi um quero-quero dando vôos rasantes em direção a uma garça. Cada vez que o quero-quero vinha em direção à garça, esta se abaixava e grasnava. Ao se abaixar, desviava do quero-quero. Era uma garça pequena, do mesmo tamanho que o quero-quero. Acho que os dois ficariam neste "ataca-desvia" indefinidamente se não ocorresse um fato novo. Tudo indicava que ali onde estava a garça havia comida, ninho, enfim alguma coisa de que o quero-quero se achava dono.
Não demorou muito e apareceu um ou uma outra quero-quero e ambos marcharam em direção à garça. Em inferioridade numérica, a garça saiu voando e os dois quero-queros também alçaram vôo em perseguição a ela. O quero-quero mais encarniçado prolongou a perseguição, até que a garça voou para mais longe e o quero-quero percebeu que ela abrira mão do território em que se aboletara. Só então parou a perseguição.
Não sei como a coisa acabaria se não aparecesse outro quero-quero para ajudar a enxotar a garça.
O que o quero-quero nº 1 fez foi utilizar o que se chama, em direito, de "desforço incontinente", que, para os humanos brasileiros, está previsto no artigo 1210 do Código Civil: § 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
Provavelmente os dois quero-queros iriam atacar a garça e tirá-la dali por bem ou por mal. Mas, no nosso caso, ou seja, quando um humano invade o terreno de outro humano, se o invasor não sair, mesmo que a gente tente enxotá-lo com nossa própria força, rapidinho, usando só os meios indispensáveis para que o intruso caia fora, teremos que entrar com uma ação na Justiça.
Seria uma ação de manutenção ou de reintegração de posse se o pretendente ao terreno fosse só posseiro; mas se quem quisesse ter de volta um terreno invadido fosse seu dono (com escritura passada em tabelionato e registrada no registro de imóveis), teria que dar um outro nome à ação judicial: seria uma ação de reivindicação.
Enfim, nossa diferença para o quero-quero é que ele vai ter que lutar sozinho ou com alguns companheiros para ter de volta o pedacinho de terra que acha que é seu. Vai depender da solidariedade de seus companheiros. E nós, como fomos muito espertos e criamos o Estado, teremos o direito de obter uma ordem de um Juiz deste Estado que expulse os invasores. Ou seja, se a gente não conseguir tirar imediatamente o invasor de nosso terreno, só o Estado poderá tirá-lo à força e, se houver resitência, prendê-lo em flagrante.
No dia seguinte fui tirar as fotos acima, com meu celular. As fotos não ficaram muito boas, reconheço. Mas impressionou-me a valentia e a solidariedade dos quero-queros. Aproximei-me de um que estava sozinho, ele começou a gritar e logo veio outro em seu auxílio (numa das fotos acima há um quero-quero voando e outro parado) e ficaram os dois me enfrentando; mais adiante, tentei fotografar outro quero-quero e a mesma coisa: logo chegou mais um pássaro para me enfrentar, em conjunto com o outro.
Em compensação, não vi garças. Só quero-queros. Ou seja, o quero-quero é um bicho arrojado, valente e mantém seu território e as redondezas só para si.


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Pelourinho, Salvador, Bahia















Se há pelourinhos em Ouro Preto, São Luiz e Mariana (ver postagem anterior), não há em Salvador. O bairro chamado Pelourinho tem este nome porque era lá o pelourinho, que foi demolido em 1835. As fotos acima são de um livro que comprei em 1995. Não sei se a obra ainda está à venda, mas coloco as fotos das fotos e do texto em respeito aos direitos autorais e para cumprir o dever de citar a fonte.

domingo, 4 de outubro de 2009

Princípio da Insignificância e Religião


Na postagem sobre Princípio da Insignificância foi observado que há um fundamento religioso usado pelo STF, fundamento muito mais próximo dos ideais católicos do que dos protestantes. O STF diz que o princípio da insignificância é Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que toma São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a "oculta compensatio". Essa proximidade da posição do STF com a ética católica e seu distanciamento com a ética protestante pode ser constatada pelo que diz Max WEBER (A Ética Protestante e e Espírito do Capitalismo - p. 148) quanto à visão protestante da riqueza e da pobreza: Quando porém ela (a riqueza) advém enquanto desempenho do dever vocacional, ela é não só moralmente lícita, mas até mesmo um mandamento. (...) "Querer" ser pobre, costumava-se argumentar, era o mesmo que querer ser um doente, seria condenável na categoria de santificação pelas obras, nocivo portanto á glória de Deus. Já para o catolicismo, a riqueza deve ser distribuída socialmente, pois Que um seja muito rico e outro muito pobre, não está certo nem direito (Instituto Catequético Superior de Nijmegen. O Novo Catecismo - São Paulo, Loyola, 1975, pp.498-499); Cristo chama os miseráveis de bem-aventurados (P. José DEHARDES. Grande Catecismo Católico, 5ª edição, São Paulo, ed. Paulinas, 1957, pp. 269-270). A idéia de comunhão de bens no catolicismo aparece também em obra mais recente (GALLO, Luís. Trad. Irmã Isabel F. L. Ferreira. Uma Igreja a serviço dos homens. São Paulo, Ed. Salesiana Dom bosco, 1984, p. 107).

Esta pregação anti-riqueza acaba produzindo uma mentalidade avessa aos ricos, tão avessa que não concebe que alguém possa enriquecer honestamente. Foi o que observei em 1986, quando da pesquisa de campo que fiz e que embasou minha dissertação de mestrado. Segundo 76% dos entrevistados, a maioria dos ricos ganhou o dinheiro desonestamente (veja o gráfico acima; para ver a íntegra do questionário e respectivas respostas clique aqui).

E, curiosamente, é possível extrair, das decisões do STF sobre o princípio da insignificância, duas regras: 1) rico não pode furtar, mas pobre pode furtar de rico (só de rico, não de pobre); 2) todos podem furtar do Estado. Assim, fica autorizada uma redistribuição de renda na base da "justiça social pelas próprias mãos", seja na forma dos pobres expropriando os ricos (regra 1), seja numa espécie isenção de impostos aos pobres que se dedicam a certas atividades criminosas em que a vítima é o erário (regra 2).

Provavelmente, punindo os ricos por serem ricos e perdoando os pobres porque são pobres, estaremos fadados a uma vida de eterna pobreza...