sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A Baleia Morta

Foi numa terça ou quarta-feira que a notícia correu durante o recreio no Salesiano: havia uma baleia morta na praia da Navegantes. Mesmo que, na Itajaí de 1970, as notícias chegassem pelo rádio (Clube e Difusora), ou pelo jornal diário (A Nação - órgão dos Diários Associados), ou pelo semanário (Jornal do Povo), era nas conversas do Colégio que tudo ganhava interesse e colorido. Como a curiosidade sempre foi meu grande defeito ou qualidade, no dia seguinte fui de bicicleta ver o caváver do cetáceo de perto. Esta ida já era muito divertida: a travessia deItajaí para Navegantes era feita por uma barca, coberta. Também a chamavam de lancha: era em forma retangular (uma caixa de madeira), fechada. Dentro havia bancos de madeira e espaço suficiente para acomodar viajantes em pé. O motor ficava no meio de todo mundo, mas num cercadinho. O maquinista recebia comandos do timoneiro por meio de batidas num sinininho: um "pin" no sininho era a ordem para ir mais devagar, dois "pin", mais depressa e asim por diante. Em uma das barcas, a cabine do timoneiro ficava na popa, mas com boa visão à frente da proa. Na barca mais antiga, a cabine do timoneiro ficava na parte da frente. Em todas as barcas havia, na proa, uma plataforma para transportar as bicicletas, sempre presentes na vida de itajaienses e navegantinos: foi nessa plataforma que coloquei a minha bicicleta e, depois, sentei-me num dos bancos do interior da barca para esperar os 10 minutos de travessia do rio.
Chegando em Navegantes, montei na bicicleta, segui pela Avenida João Sacavem, até chegar na praia. Pedalei até perceber a pequena multidão em volta da baleia morta, que exalava um cheiro de podridão que até hoje (37 anos depois) não esqueci. Aliás, foi por sentir um cheiro parecido com o da baleia morta que me lembrei deste episódio. Vi a baleia.
De volta a Itajaí, nos comentários, já no Colégio, alguém disse que não era baleia, mas um cachalote. Fui olhar no Dicionário Ilustrado (o Google da época) a figura de uma baleia e de um cachalote e não consegui saber se, o bicho que vi era um ou outro. Isso me deu uma certa frustração: nem baleia verdadeira aparecia por lá, pois, quando tive a oportunidade de ver uma ao vivo, era um cachalote...
Mas o evento ainda repercutia no meia da gurizada e, no sábado, fomos, em uns dez rapazes, todos na faixa dos 14-15 anos, cada qual com sua bicicleta, ver a baleia (ou o cachalote?). Esta excursão foi divertidíssima. Não que hoje não o fosse, mas há coisas que são boas e próprias para se fazer quando se tem 15 anos. Com 52 se tem mais coisas interessantes para fazer e um passeio que exige mais preparo físico deve ser feito quando o corpo está mais disposto para tanto.
A diversão até que não era sofisticada: limitou-se a ver a baleia; a ver o que as pessoas diziam sobre a baleia; a andar em volta do corpo da baleia. Houve até alguns guris andando por cima da baleia, mas eu não era arrojado para tanto: não me faltava só arrojo, eu achava nojento o contato com aquele corpo em putrefação, me imaginava escorregando e estirado em cima da carne já viscosa e tendo que ficar com aquela sujeira um tempão, até chegar em casa...
Dias depois enterraram a baleia. Não lembro se lá mesmo na praia, ou em Florianópolis.
Antes de enterrarem a baleia, vi, nas duas vezes em que fui lá, um caminhãozinho carregando pedaços do cetáceo. Ali na região as pessoas deviam ter alguma informação ancestral de como cuidar de baleias, pois muito perto de Navegantes há um lugar chamado Armação do Itapocoroi. Segundo o Dicionário Aurélio, um dos significados da palavra armação é "Local em que se aparelhavam ou aprestavam navios para a pesca da baleia."
Nunca soube do que morreu a baleia. Diziam que morreu de doença, de morte morrida. Daí o medo que se tinha de chegar perto do bicho, pois se podia pegar uma doença de baleia...

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