sexta-feira, 30 de abril de 2010

Dia do Trabalho 3

O nosso Código Penal prevê alguns comportamentos como danosos ao trabalho: o art. 203 dá como crime a frustração, mediante fraude ou violência, de direito assegurado pela legislação do trabalho. O art. 297, parágrafos 3º e 4º considera crime a falta de registro de empregado e práticas assemelhadas e o 337-A pune a falta de recolhimento ao INSS das contribuições sociais descontadas dos empregados.
Tais crimes existem, porque são comuns tais práticas. Já denunciei empresários por todos estes crimes. A dificuldade é que, volta e meia, se gasta tempo discutindo a competência da Justiça Federal para processar tais crimes.
Mas, se hoje temos a fraude a direitos trabalhistas, no tempo da escravidão, tivemos a fraude a direitos dos escravos.
Das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707, constava o seguinte:
377...mandamos a todos os nossos súbditos que se abstenham nos Domingos e dias Santos de guarda de todo o trabalho, obras servis e mecânicas (...).
378. E porque o mais notável abuso que pode haver nesta matéria é a publicidade com que os Senhores de Engenho mandam lançar a moer aos Domingos e dias Santos, mandamos a todos os nossos súditos, de qualquer qualidade que sejam, que se abstenham de qualquer obra servil, por si ou por outrem, guardando inteiramente o preceito da Lei de Deus, que proíbe trabalhar nos tais dias, o que se entende da meia-noite do sábado até a outra meia noite do Domingo e, do mesmo modo nos dias Santos. E suposto que, havendo alguma necessidade precisa, como oferecer-se alguma cana queimada, ou em tal estado, que provavelmente se perderia com a dilação, ou outra semelhante necessidade, se permita em tal caso trabalhar (...).
379. Não é menos para estranhar o desumano e cruel abuso e corruptela muito prejudicial ao serviço de Deus, e bem das almas, que em muitos senhores de escravos se tem introduzido: porque aproveitando-se toda a semana do serviço dos miseráveis escravos, sem lhes darem coisa alguma para seu sustento, nem vestido com que se cubram, lhes satisfazem esta dívida, fundada em direito natural, com lhe deixarem livres os Domingos e dias Santos, para que nele ganhem o sustento e vestido necessário. Donde nasce que os miseráveis servos não ouvem Missa, nem guardam o preceito da Lei de Deus, que proíbe trabalhar nos tais dias.
380 As mesmas penas haverão (pela primeira vez em dez tostões, pela segunda em dois mil réis e pela terceira em quatro mil réis aplicados para a fabrica do corpo da Igreja); e se procederá do mesmo modo contra os Lavradores de canas, mandiocas e tabacos que consentirem que seus negros e servos trabalhem nos Domingos e dias Santos publicamente, fazendo roças para si, ou para outrem, pescando, ou carregando, ou descarregando barcas, ou qualquer outra obra de serviço proibido nos tais dias, salvo havendo urgente necessidade (...).

Como se viu, o hábito de transgredir direitos trabalhistas não é de hoje. Mesmo quando havia escravidão, os poucos direitos que os escravos tinham, eram desrespeitados por alguns senhores.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Dia do Trabalho 2

Em Max WEBER (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Trad. M. Irene de Q. F. Szmrecsányi e Tamás J.M.K. Szmrecsányi, Livraria Pioneira Editora, SP., 4 ed., 1985, pp. 128-129) se vê que, para a religião protestante, o trabalho é um meio excelente, quando não único, de atingir a certeza da graça. E, para calvinistas e batistas, o trabalho e a industriosidade são um dever para com Deus.

Na Encíclica Laborem exercens, de 1981, o Papa João Paulo II, em vários momentos, vê o trabalho como forma do homem de ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Mesmo reconhecendo que o trabalho é um bem e que, pelo trabalho, o homem se assemelha a Deus na obra da Criação, ainda assim, o Papa João Paulo II associava o trabalho à fadiga. E, num trecho da Encíclica Laborem exercens lembra que o Livro do Gênesis contrapõe à benção original do trabalho, a "maldição" que o "pecado" trouxe consigo: "Maldita seja a terra por tua causa! Com trabalho penoso tirarás dela o alimento todos os dias da tua vida". (...) "Comerás o pão com o suor da fronte, até que voltes à terra da qual foste tirado...".

Estas duas concepções do trabalho podem ser associadas a modos de vida de dois povos: os estadunidenses, majoritariamente protestantes, e os brasileiros, majoritariamente católicos. E uma forma de contemplar os modos de vida de cada um destes povos é o pano de fundo dos enredos dos filmes (nos EUA) e das novelas (Brasil). Nos filmes estadunidenses, em geral, a trama se desenvolve em torno do trabalho. Ou, se o trabalho não é o centro do enredo, pelo menos as pessoas aparecem trabalhando e têm uma profissão. Nas novelas brasileiras, o comum é as tramas acontecerem fora do trabalho, no mundo familiar ou do lazer. Raramente as pessoas aparecem trabalhando e, se aparecem, não aparentam muito entusiasmo com suas ocupações.

Outro ponto de observação interessante é o zelo pelo trabalho: se o trabalho é uma forma de atingir a certeza da graça ou é um dever para com Deus, decorre daí que Deus vê quem está trabalhando. Logo, não adianta fingir que se trabalha, ou “matar” o serviço: se o trabalho é um dever para com Deus, deve ser realizado com dedicação e eficiência, pois – do contrário – será uma atividade pecaminosa. Por outro lado, se o trabalho é um castigo decorrente do pecado, se ele não está associado a Deus, se Deus não se importa com o trabalho, ele pode ser feito de qualquer modo, seja fingindo que se está trabalhando, seja matando o serviço. Se o trabalho não é um dever para com Deus, será indiferente para o Criador se for realizado com ou sem dedicação e eficiência: mesmo um trabalho mal feito, nunca será pecaminoso.
Isto tudo não significa que todo protestante é um dedicado trabalhador ou que todo católico não trabalha de boa vontade. Significa, apenas, duas visões de duas religiões sobre o trabalho e as possibilidades destas visões influenciarem culturas e pessoas.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Dia do Trabalho 1

Para os protestantes, trabalho e a industriosidade são um dever para com Deus

Max WEBER, na obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (Trad. M. Irene de Q. F. Szmrecsányi e Tamás J.M.K. Szmrecsányi, Livraria Pioneira Editora, SP., 4 ed., 1985, pp. 128-12) afirma que a ascese protestante aprofundou até o máximo o ponto de vista de que o trabalho consciente, mesmo por baixos salários, da parte daqueles a quem a vida não oferece outras oportunidades, é algo de sumamente agradável a Deus. Mas, ainda segundo WEBER, o aprofundamento de tal ponto de vista ocorreu porque a ascese protestante produziu uma norma, que sozinha, bastou para tornar eficiente este ponto de vista: a da sua sanção psicológica através da concepção do trabalho como vocação, como meio excelente, quando não único, de atingir a certeza da graça. Por outro lado, ela legalizou a exploração dessa específica vontade de trabalhar, com o que também interpretava como vocação a atividade do empresário. Não é difícil perceber quão poderosamente a procura do reino de Deus, apenas através do preenchimento do dever vocacional, e a estrita ascese imposta naturalmente pela Igreja, especialmente nas classes pobres, iria influenciar a produtividade do trabalho, no sentido capitalista da palavra. O tratamento do trabalho como vocação era tão característico para o moderno trabalhador, como a correspondente atitude aquisitiva do empresário. Foi a percepção dessa situação, então nova, que levou um observador anglicano tão arguto como Sir William Petty a atribuir o poderio holandês do século XVII ao fato de os numerosos dissenters (calvinistas e batistas) serem em sua maioria "pessoas que encaram o trabalho e a industríosidade como seu dever para com Deus”.


Para os católicos, o trabalho é realizado para ganhar o pão com o suor do rosto

Na Encíclica Laborem exercens, de 14.9.1981, o Papa João Paulo II vê o trabalho como forma do homem procurar o pão quotidiano e contribuir para o progresso contínuo das ciências e da técnica, e sobretudo para a incessante elevação cultural e moral da sociedade, na qual vive em comunidade com os próprios irmãos. Diz ainda o Pontífice, na referida encíclica, que Se é verdade que o homem se sustenta com o pão granjeado pelo trabalho das suas mãos (...) - então é igualmente verdade que ele se alimenta deste pão com o suor do rosto (...).
Na encíclica, se reconhece que (...) embora seja verdade que o homem está destinado e é chamado ao trabalho, contudo, antes de mais nada o trabalho é “para o homem” e não o homem “para o trabalho”. A finalidade do trabalho é o homem.
O documento papal de 1981 registra que o homem, depois de ter infringido a aliança original com Deus, ouviu estas palavras: ‘Comerás o pão com o suor da tua fronte’. E acrescenta que Tais palavras referem-se àquela fadiga, por vezes pesada, que a partir de então passou a acompanhar o trabalho humano. O trabalho se destina a fazer com que o homem submeta a terra. E é fatigante – insiste a Encíclica – fadiga que é um fato universalmente conhecido, porque universalmente experimentado.
Muito embora unido com a fadiga e o esforço – diz a Encíclica – o trabalho não cessa de ser um bem, de tal sorte que o homem se desenvolve mediante o amor pelo trabalho.
O documento Pontifício entende que não se podem separar o "capital" do trabalho e que de maneira nenhuma se pode contrapor o trabalho ao capital e o capital ao trabalho, e, menos ainda (...) se podem contrapor uns aos outros os homens concretos, que estão por detrás destes conceitos. E reconhece que o trabalho — nos diversos sentidos da palavra — é uma obrigação.
Disse, ainda, o Papa que O homem deve trabalhar, quer pelo fato de o Criador lh'o haver ordenado, quer pelo fato da sua mesma humanidade, cuja subsistência e desenvolvimento exigem o trabalho. O homem deve trabalhar por um motivo de consideração pelo próximo, especialmente consideração pela própria família, mas também pela sociedade de que faz parte, pela nação de que é filho ou filha, e pela inteira família humana de que é membro, sendo como é herdeiro do trabalho de gerações e, ao mesmo tempo, co-artífice do futuro daqueles que virão depois dele no suceder-se da história. Tudo isto, pois, constitui a obrigação moral do trabalho, entendido na sua acepção mais ampla.
Mas, a Laborem exercens insiste na questão da fadiga do trabalho e o relaciona com o pecado: "Todo o trabalho", seja ele manual ou intelectual, anda inevitavelmente conjunto "à fadiga". O Livro do Gênesis exprime isto mesmo de maneira verdadeiramente penetrante, ao contrapor àquela benção original do trabalho, contida no próprio mistério da Criação e ligada à elevação do homem como imagem de Deus, a "maldição" que o "pecado" trouxe consigo: "Maldita seja a terra por tua causa! Com trabalho penoso tirarás dela o alimento todos os dias da tua vida". Esta pena ligada ao trabalho indica o caminho da vida do homem sobre a terra e constitui "o anúncio da morte": " Comerás o pão com o suor da fronte, até que voltes à terra da qual foste tirado...".
E termina assim a Encíclica Papal:
No trabalho humano, o cristão encontra uma pequena parcela da cruz de Cristo e aceita-a com o mesmo espírito de redenção com que Cristo aceitou por nós a sua Cruz. E, graças à luz que, emanando da Ressurreição do mesmo Cristo, penetra dentro de nós, descobrimos sempre no trabalho um vislumbre da vida nova, do novo bem, um como que anúncio dos "céus novos e da nova terra", os quais são participados pelo homem e pelo mundo precisamente mediante o que há de penoso no trabalho. Mediante a fadiga e nunca sem ela. Ora tudo isto, por um lado, confirma ser indispensável a cruz numa espiritualidade do trabalho humano; por outro lado, porém, patenteia-se nesta cruz, no que nele há de penoso, um bem novo, o qual tem o seu princípio no mesmo trabalho: no trabalho entendido em profundidade e sob todos os aspectos, e jamais sem ele.



terça-feira, 27 de abril de 2010

A consolidação do Direito Português

Em 1500, ano do Descobrimento do Brasil, Portugal era um Estado consolidado, uma monarquia hereditária absolutista. Possuía vasta legislação, compendiada nos cinco volumes das Ordenações Afonsinas, além das leis extravagantes. Pode-se dizer que as ordenações foram consolidando alguma coisa do Fuero Juzgo, dos forais, do Direito Canônico, do Direito Romano e dos Costumes. É verdade que nem sempre havia a incorporação do costume à lei, pois situações ocorreram em que a lei combatia o costume:

Foral de Tomar de 1174

[5º] Por merda em boca metuda em qualquer que o faça peite sesenta soldos. (Em português atual: [5º] O que puser esterco na boca de outrem, onde quer que se encontre pague sessenta soldos)”(1).

Esta disposição foi incorporada nas Constituições (= ordenações, leis) de Dom Afonso III, que reinou em Portugal de 1248-1279:

Constituição 99 da merda em boca: Estabelecido é que todo aquele ou aquela que meter a homem ou a mulher merda em boca que morra porém(2).

E, ainda, e nas Leis de Dom Dinis, que reinou de 1279-1325:

Que pena deve ter aquele que meter ou mandar meter merda em boca

Dom Dinis etc estabelecemos e pomos por lei que todo homem ou mulher que a outrem meter ou mandar meter merda em boca que morra porém.

Além da legislação escrita(3), havia uma organização Estatal que compreendia toda a organização judiciária (“A Justiça”) e a administrativa (“A Fazenda”)(4). A Justiça compunha-se de duas instâncias [Juízes (de Vintena, Ordinários e de Fora) e Desembargadores], além de ter outros ofícios (Tabeliães, Corregedores, Ouvidores, Meirinhos, Promotores da Justiça etc). Em última instância poderia haver recurso para o Rei. A Fazenda possuía todo um corpo de encarregados (Chanceleres, Almotacés, Escrivães, Tesoureiros, Vereadores, Quadrilheiros, Alcaides etc). Um dado curioso é que, apesar de, em muitas monarquias, o símbolo da assunção do poder pelo rei ser a coroação, em Portugal os reis nunca eram efetivamente coroados: eram levantados e aclamados(5).

A foto acima é da cidade de Óbidos, em Portugal (foto de 2007).

Notas:

1 - CONDE, Manuel Sílvio Alves. Os forais tomarenses de 1162 e 1174. Guimarães, Sociedade Martins Sarmento | Casa de Sarmento. Revista de Guimarães, n.º 106, 1996, pp. 193-249 - para ler mais, clique aqui.

2 - Ordenações Del-Rei Dom Duarte. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 106 e 176.

3 - A legislação escrita compreendia os forais, que eram cartas de lei que o rei outorgava a uma Vila ou cidade como documento de sua fundação e nos quais constavam as normas que vigorariam naquela vila ou cidade e, ainda, as constituições, ou leis ou ordenações que valiam para todo o reino.

4 - Ordenações Filipinas (Primeiro Livro, Título 99: Porquanto por confiarmos de algumas pessoas, que nos serviram bem e fielmente, e como cumpre a nosso serviço e bem da Justiça, descargo de nossa consciência e proveito da nossa Fazenda, os encarregados de alguns Ofícios da Justiça, ou da nossa Fazenda, e assim por lhes fazermos mercê (a qual porém lhes não faríamos, posto que boa vontade lhes tenhamos, se não fosse a confiança, que neles temos),e depois de os assim termos encarregados nos tais Ofícios, vêm às vezes à nossa notícia que os não servem como são obrigados, e conforme a confiança, que neles tínhamos, quando dos tais Ofícios os provem.

5 - SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação de Rei Congo. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, p. 31.


segunda-feira, 26 de abril de 2010

ABSOLUTISMO EM PORTUGAL


Independente, Portugal foi uma monarquia absoluta hereditária. O absolutismo português porém tinha algumas mitigações. A expressão cortes, por exemplo, designava uma reunião de representantes dos concelhos que opinavam, reclamavam e reivindicavam junto ao Rei.
Esta denominação de concelhos foi usada no Brasil até 1828, quando a Lei de 1° de outubro criou as atuais Câmaras Municipais. Foi a partir daí que, no Brasil, os concelhos passaram a ser chamados de municípios. Mas, em Portugal, se usa a denominação de concelhos até hoje.
Voltando às cortes: elas também podiam reunir o clero e a nobreza (bispos, altos homens de religião, ricos homens e cavaleiros vassalos), como foi o caso das cortes reunidas em Coimbra, no ano de 1211. No reinado de D. Afonso IV, em maio de 1349, reuniram-se cortes (presentes prelados, ricos homens, priores, abades, cavaleiros, homens bons dos concelhos) em Santarém, que apresentaram reclamações ao referido rei. A primeira reclamação era de que o Rei estava desrespeitando forais dados por reis antecessores e confirmados por D. Afonso IV. Já se conhecia o direito de fiança (1) e o direito de, ao ser preso (pelo alcaide), ser levado ao Juiz (2). Não houve FEUDALISMO em Portugal, como se vê pelas Ordenações Filipinas (3):
Livro 2 – Título 35
El Rei Dom Duarte, por dar certa forma e maneira, como os bens e terras da Coroa do Reino entre seus vassalos e naturais se houvesse de regular e suceder, fez uma Lei, que mandou por em sua Chancelaria, a qual se chama “Mental”, por ser primeira feita segundo a vontade e tenção Del Rei Dom João o Primeiro, seu Pai. (...)
3. Outrossim determinou, que as terras da Coroa do Reino não fossem partidas entre os herdeiros, nem em alguma maneira emalheadas, mas andassem sempre inteiras em o filho maior, varão legítimo daquele que se finasse, e as ditas terras tivesse. E isto não seria por ser obrigado servir com certas lanças, como por feudo, porque queria, que não fossem havidas por terras feudatárias, nem tivessem natureza de feudo, mas fosse obrigado a o servir, quando por ele lhe fosse mandado.”

Nota de Cândido Mendes de Almeida: Foi essa pretendida “lei mental”, parto da mais requintada má fé, e aliás tão aplaudida dos Juristas, a qual o Rei D. Duarte fez patente, em 8 de abril de 1484.

Logo, as capitanias do Brasil não eram feudos.
Numa monarquia absoluta, o Rei exerce os 3 poderes ou as 3 funções estatais, como se percebe nos trechos abaixo transcritos das Ordenações Filipinas:

EXECUTIVO:
Livro 2, Título 35, parágrafo 21:
Porque nenhuma lei, pelo Rei feita, o obriga, senão enquanto ele, fundado em razão e igualdade, quiser a ela submeter seu Real poder.

JUDICIÁRIO:

Livro 3, Título 66:
Das sentenças definitivas
Todo Julgador, quando o feito for concluso sobre a definitiva, verá e examinará com boa diligência todo o processo, assim o libelo, como a contestação, artigos, depoimentos, a eles feitos, inquirições, e as razões alegadas de uma e outra parte; e assim dê a sentença definitiva, segundo o que achar alegado e provado de uma parte e da outra, ainda que lhe a consciência dite outra coisa, e ele saiba a verdade ser em contrário do que no feito for provado; porque somente ao Príncipe, que não reconhece Superior, é outorgado por Direito, que julgue segundo sua consciência, não curando de alegações, ou provas em contrário, feitas pelas partes, porquanto é sobre a Lei, e o Direito não presume, que se haja de corromper por afeição.

LEGISLATIVO

Livro 3, Título 75, parágrafo 1 –
... porque o Rei é Lei animada sobre a terra, e pode fazer Lei e revogá-la, quando vir que convém fazer-se assim.

Mas a lei (as constituições) não podia contrariar aos cânones e direitos da Igreja (4).
Percebe-se, também, que só monarcas absolutos agem segundo sua consciência. Juízes e Membros do Ministério Público, num Estado Democrático de Direito, por mais independentes que sejam, não podem agir segundo sua consciência, mas sim segundo a lei.

A foto acima é da estátua do rei português Dom Pedro I, que reinou de 1357 a 1367. A estátua se encontra em Cascais, Portugal. A foto é de 2008. Dom Pedro I, chamado de O Justiceiro/O Cruel, teve seu romance com Inês de Castro narrado por Camões. Dom Pedro casou-se com uma princesa castelhana chamada Constança, de cuja comitiva fazia parte Inês de Castro e foi por esta que Dom Pedro se apaixonou. Mas Inês foi morta a mando do rei Dom Afonso IV, pai de D. Pedro. Dom Afonso IV morreu dois anos mais tarde. Dom Pedro, já como rei, exigiu que a sua corte homenageasse Inês: mandou desenterrar o cadáver, colocou-o no trono para que tivesse lugar o beija mão e coroamento de rainha.

Notas:
1 - Decreto nº 24, de D. Afonso III (em Ordenações de D. Duarte. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1988,, p. 58).
2 - Constituição 31 de D. Afonso III. Nas cortes de Santarém reclamou-se ao rei que os alcaides estavam fazendo prisões sem levar os presos ao Juiz. Ordenações Del-Rei Dom Duarte, ob. cit, pp. 74, 402 e 433.
3 - Sequer era permitido aos prelados, ordens religiosas e fidalgos dar guarida a degredados e criminosos e nem mesmo impedir o cumprimento de ordens da justiça, conforme Ordenações Del-Rei Dom Duarte, ob. cit., p. 420 (resposta às cortes de Santarém). Nas mesmas cortes houve reclamação de que meirinhos, alcaides, comendadores e outros homens poderosos estavam interferindo nas eleições dos juízes nas vilas e terras, ao que o rei respondeu que cavaleiros e poderosos não podiam fazer tais interferências (Ord. D. Duarte, ob. cit., pp. 423-424).
4 - Ordenações de D. Afonso II (1211-1223) e de D. Afonso III (1248-1279), em Ordenações Del-Rei Dom Duarte, obra citada, pp. 1 e 43.

domingo, 25 de abril de 2010

AS CRUZADAS E OS IBÉRICOS

Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, tomou dos muçulmanos Santarém e Lisboa, os castelos de Sintra e de Palmela, em 1147. Alcácer do Sal foi conquistada aos mouros em 1158, Beja em 1162, Évora, Moura, Serpa e Alconchel, em 1166. Até então, Lisboa e dois terços do que é hoje Portugal ainda estavam sob domínio muçulmano, mais especificamente pertenciam à Taifa de Badajoz (1). Interessante notar que, enquanto os demais reinos da Europa iam a Jerusalém tentando conquistá-la aos muçulmanos (cruzadas de 1096, 1147, 1189, 1201), os ibéricos combatiam os muçulmanos para reconquistar o território em que habitavam (2).
Mas as cruzadas não eram o único problema, em Portugal. Havia o problema da distribuição de terras, ou seja, a eterna reforma agrária. Foi Dom Fernando, que reinou de 1367 a 1383, quem por primeiro tentou resolver o problema fundiário. Ele colocou em vigor a "lei das sesmarias", determinada pela crise da agricultura. Essa lei ordenava que as terras não cultivadas pelos seus proprietários fossem dadas a outros cultivadores e acrescentava ainda que fossem presos e sujeitos à lavoura os vadios, os falsos mendigos, os falsos ermitões, e todos os ociosos. Era o início da reforma agrária...
Dom Afonso V, que reinou de 1438 a 1481, colocou em vigor as Ordenações Afonsinas, em cinco livros (estes cinco livros podem ser vistos aqui). No reinado de Dom Manuel I (1495-1521) ocorreram os grandes descobrimentos, dentre os quais o do Brasil. Em 1505, D. Manuel I mandou homens doutos do seu conselho visitar e rever os cinco livros das Ordenações que el-Rei D. Afonso V, seu tio, pusera em vigor. Com poucas alterações em relação às Afonsinas, as Ordenações Manuelinas também se compõem de cinco livros. O primeiro livro tem por objeto o regimento dos funcionários encarregados da administração da justiça e fazenda. O livro II versa sobre as relações da Coroa com a Igreja e os nobres e os direitos dos bens da Coroa. O livro III trata do processo judicial; o IV, dos contratos e sucessões; o V, dos crimes, penas e processo penal. Estes cinco livros podem ser vistos aqui.
A foto acima é da estátua de Dom Afonso Henriques, localizada em Guimarães/Portugal.

Notas:
1 - Na época da reconquista, Badajoz era governada pela dinastia Aftásid, que lá estabeleceu um tipo de governo na linha do anterior califado e que foi uma das mais bem sucedidas da época das taifas, conforme REILLY, Bernar F. Cristãos e Muçulmanos – A Luta pela Península Ibérica. Tradução de Maria José Giesteira.. Lisboa, Editorial Teorema, 1992, p. 20.
2 - Em 1147 uma nova bula do Papa Eugenius III designava especificamente a Ibéria e a fronteira oriental da Alemanha como legítimos campos de cruzada. REILLY, ob. cit., p. 254.

sábado, 24 de abril de 2010

PORTUGAL SE TORNA INDEPENDENTE DE CASTELA




Quando os muçulmanos invadiram a Península Ibérica, em 711, os cristãos visigodos se refugiaram nas Astúrias, que ficavam ao norte da Península. De lá organizaram a resistência e começaram a reconquista. No reinado de Alfonso III, o Magno (rei das Astúrias que reinou de 866 a 910), a reconquista chega ao norte de Portugal, sendo tomada a cidade do Porto (ano de 868). A zona compreendida entre os rios Minho e D’Ouro vive, no ano 868, um importante processo repovoador, alcançando Coimbra (leia mais aqui). A região portucalense (que viria a ser Portugal) já tinha individualidade política desde 926, quando Ramiro, filho do rei leonês Ordonho II, a recebeu como sua parte na divisão do reino de Leão (1). Em 1095 o rei asturo-leonês Alfonso VI (que reinou de 1065 a 1109) concede a sua filha D. Teresa – em decorrência de seu casamento com o nobre francês Henrique de Borgonha - o Condado Portucalense. Ao receber a concessão do condado portucalense, D. Henrique de Borgonha passou a utilizar o título de conde de Portugal (2). Em 1128, D. Afonso Henriques, filho de D. Teresa e do falecido D. Henrique, reivindica de sua mãe (3) o governo do território português, sem sofrer contestação de Afonso VII (rei asturo-leonês, sucessor de Afonso VI, que reinou de 1126 a 1157)(4). Em 1140 Afonso Henriques passa a usar o título de rei de Portugal. Para que Portugal fosse reconhecido como nação independente, era necessário estar sob a proteção da Santa Sé. Isto porque a sociedade jurídica internacional era formada pela Cristandade, ou seja, restrita aos povos cristãos; e todos os príncipes cristãos estavam subordinados ao Papa. Entretanto, só em 1179 o papa Alexandre III toma Portugal sob a proteção da Santa Sé. Desta proteção decorriam obrigações de vassalagem: pagar o censo anual, proteger a Igreja e dilatar a fé cristã, devendo auxílio e conselho ao Pontífice quando solicitado. Na condição de Rei, D. Afonso Henriques tinha os seguintes deveres, de inspiração visigótica: chefia militar, realização da justiça, proteção da Igreja e desenvolvimento do território. Fazer justiça inclui a paz do rei, a proibição de vinganças, a repressão dos malfeitores, o castigo das injustiças ou tortos” (o contrário de “direito”); o Rei é o supremo juiz, julgando ou designando juízes, chamando a si o julgamento de questões que seriam julgadas por outros juízes. Nas constituições de D. Afonso IV (1325-1357) constava que Os Reis são postos cada um em seu reino em lugar de Deus sobre as gentes para as manter em Justiça. E com verdade e dar a cada um seu direito (5). No dever de desenvolvimento do território, estava implícito o de regulador da economia. E, dentro desta regulamentação, estava a cunhagem da moeda, cuja falsificação, já em 1211 – por uma lei de D. Afonso II – era punida com a amputação dos pés e das mãos do falsário e o confisco de todos os seus bens.
A foto acima da direita mostra a cidade de PORTO vista de Vila Nova de GAIA. Estes dois topônimos (Porto e Gaia) deram origem ao nome de Portugal (portu + cale). A foto acima da esquerda é do pelourinho situado defronte a Sé da cidade do Porto.

Notas:
1 - Na medida em que os reinos cristãos iam reconquistando a Península Ibérica, as Taifas muçulmanas que eram subjugadas passavam a pagar um tributo àqueles reinos, chamado páreas. Este tributo acabava sustentando outras conquistas. – REILLY, Bernar F. Cristãos e Muçulmanos – A Luta pela Península Ibérica. Tradução de Maria José Giesteira. Lisboa, Editorial Teorema, 1992, p. 101.
2 - CAETANO, Marcello. História do Direito Português – Fontes – Direito Público (1140-1495). Lisboa, Editora Verbo, 3ª. Edição, 1992, pp. 134 a 138.
3 - Em 24 de junho de 1128 o exército de Afonso Henriques derrota o exército de sua mãe, Dona Teresa, na batalha de São Mamede. D. Teresa é condenada ao exílio. REILLY, ob. cit., p. 235.
4 - CAETANO, obra citada, pp. 138 a 177.
5 - Ordenações Del-Rei Dom Duarte. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, pp. 310-311. Ver também p. 334.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Das Taifas a Granada


No final do século XI o Califado Omíada de Córdoba decompôs-se em vários reinos (cerca de sessenta), chamados taifas(1). Nestas, por óbvio, a língua de governo era o árabe, mas esta língua também era usada na alta cultura Andalus. Os cristãos e judeus (chamados “dhimmi”, que significa “Povos do Livro”) eram tolerados pelos muçulmanos, sendo permitidos os casamentos entre membros das várias culturas. Mesmo assim, cristãos e judeus não podiam construir novos templos, exibir crucifixos ou tocar sinos. A Espanha dos Cristãos (que falavam “romano”) era al-Andaluz dos muçulmanos (que falavam árabe) e ha-Sefarad dos judeus (que falavam “ladino”). A união de povos seria tal que Teresa, primeira rainha de Portugal, é dada como filha de uma muçulmana (Zaida), por MENOCAL. Tudo isto distanciava a Península Ibérica do resto da Europa, inclusive entre os cristãos católicos: os ibéricos adotavam nas cerimônias religiosas o rito moçárabe, enquanto o rito vigente entre franceses era o latino ou romano(2).
A foto acima é de um azulejo incrustado no Palácio de Exposições de Sevilha e retrata a conquista de Málaga pelos espanhóis, antes dominada pelos muçulmanos.
Notas:
1 - O governo das taifas era essencialmente independente de qualquer sanção religiosa, atribuindo-se os reis o título de malik ou sahib, e por vezes o de habib. (...) Cada um tinha também o seu próprio exército e nomeava e mantinha o tradicional cadi para fazer cumprir as leis. Os califas Abbasid de Bagdá, bem como os califas Fatimid do Cairo eram simplesmente ignorados”. REILLY, Bernar F. Cristãos e Muçulmanos – A Luta pela Península Ibérica. Tradução de Maria José Giesteira.. Lisboa, Editorial Teorema, 1992, p. 30.
2 - MENOCAL, Maria Rosa. O Ornamento do Mundo. Tradução de Maria Alice Máximo. Rio – São Paulo, Record, 2004, pp. 42-248. Segundo REILLY (ob. cit., p. 310), também a igreja moçárabe era diferente da igreja romana: a primeira possuía uma nave única, a ábside (lugar onde fica o altar mor) quadrangular, abóbada em ferradura e ornamentação em mosaico; a segunda, uma nave central e duas laterais, ábsides semicirculares, transepto, abóbadas cilíndricas, arcos arredondados e estatuária muito trabalhada.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Direito e Islamismo



Valia, no Islã dos muçulmanos que dominaram a Península Ibérica, a lei revelada por Deus. O direito era uma ciência religiosa e era aplicado pelo cádi, um juiz nomeado pelo governante para aplicar a Lei Santa, a sharia. A Lei Santa regulava a maioria das relações sociais e pessoais, cobrindo todos os aspectos da vida muçulmana - pública e privada, comunitária e pessoal. Para os muçulmanos, a lei válida, exclusiva, era a que Deus estabelecera através de revelação, manifestada no Corão(1).
O cádi, pelo menos teoricamente, era um juiz independente do poder executivo, fundamentando suas decisões nos ensinamentos da religião. Estes ensinamentos serviam para interpretar o Corão, diante de situações conflituosas. Assim, um conflito novo podia ser solucionado mediante analogia com uma decisão anterior semelhante. Quando havia concordância geral entre os cultos, esta era tida como uma verdade certa e inquestionável. Se a comunidade como um todo chegasse a um acordo sobre um determinado assunto, a questão estaria encerrada para sempre. Mas, para interpretar o Corão e os suna, havia-se que ter um conhecimento adequado da língua árabe. Tudo isto formava um conjunto de princípios. Uma vez estabelecidos e geralmente aceitos estes princípios, era possível tentar relacionar o conjunto de leis e preceitos morais com eles. Esse processo de pensamento era conhecido como “figh”, e o produto dele acabou chamando-se “charia”. A charia não cobria todas as atividades humanas: era mais precisa em questões de casamento(2), divórcio e herança, não tão precisa em temas comerciais e bastante lacônica em temas penais. Praticamente nada dizia sobre a lei constitucional ou administrativa. E as funções do cádi refletiam tais limitações da charia: Na prática, porém, a maior parte da justiça criminal, sobretudo em relação a assuntos que afetavam o bem-estar do Estado, era ministrada pelo governante ou seus funcionários, não os cádis (3). Ainda assim, o cádi era uma figura central na vida da cidade muçulmana, situação assemelhada que detinha, na Espanha e Portugal pós-domínio árabe, o Alcaide, corruptela espanhola e portuguesa de Al-Cadi (4).
A foto acima da direita é da construção em Toledo/Espanha que foi mesquita, sinagoga e hoje é igreja (foto de 2007); a foto da esquerda é do Minarete da Grande Mesquita de Córdoba/Espanha, hoje torre de Igreja (foto de 2007).

Notas:
1 - LEWIS, Bernard. O Oriente Médio – do advento do cristianismo aos dias de hoje. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1996, pp. 71 a 241.
2 - O homem muçulmano podia ter até quarto esposas, desde que pudesse tratá-las com justiça e que cumprisse seu dever conjugal com todas. Além das quatro esposas, podia também ter tantas concubinas escravas quantas quisesse, sem que estas tivessem qualquer direito sobre ele. Mas poderia haver, no contrato de casamento, estipulação que proibisse ao homem ter outras mulheres ou concubinas.(HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo, Companhia das Letras, 2 ed., 1994, p. 135).
3 - HOURANI, ob. cit., pp. 128-129 e 172.
4 - Os alcaides-mores eram responsáveis pela guarda dos castelos do rei (Ordenações Filipinas, L 1, T 74); os Alcaides Pequenos faziam a guarda das cidades e vilas e exerciam a polícia, mas estavam a serviço dos Juízes (L 1, T 75); os Alcaides das Sacas cuidavam das fronteiras do reino, para coibir o contrabando e o descaminho e podiam fazer a acusação dos criminosos que prendessem (L 1, T 76).

Descobrimento do Brasil 5






Hoje, 22 de abril, se comemora o achamento, ou descobrimento, ou conquista do Brasil pelos portugueses. Acima, mar defronte à cidade de Porto Seguro, BA, Brasil (foto de abril de 2000). À esquerda, foz do Rio Buranhéim e mar de Porto Seguro, Brasil (tirada em 1995) e, ao lado, detalhe da Torre de Belém (Lisboa, Portugal), em que aparece a cruz da Ordem de Cristo - foto de 2007). Sobre a chegada ao Brasil, veja aqui e aqui. E também as postagens abaixo.

Descobrimento do Brasil 1



Acima, mar defronte à cidade de Porto Seguro, BA/Brasil (foto do ano de 2000). À esquerda, Foz do Rio Tejo, em Lisboa/Portugal (foto de 2008), vista do Castelo de São Jorge, de onde saiu a esquadra de Pedro Álvares Cabral, em 09/03/1500. À direita, mar na região de Porto Seguro, Bahia, Brasil (foto de 2000), visto dos fundos da Igreja de São João Batista, no Quadrado, em Trancoso, Porto Seguro, Bahia, Brasil (veja no mapa do Google aqui), região onde chegou a esquadra de Pedro Álvares Cabral em 22 de abril de 1500.

Descobrimento do Brasil 2



Acima, trapiche na cidade de Porto Seguro, BA, Brasil (foto tirada durante as comemorações dos 500 anos do Descobrimento (22/04/2000). À esquerda, foz do Rio Tejo (por onde passou a esquadra de Cabral em 09/03/1500), em Lisboa (Portugal), em foto de 2007, tirada da Ponte 25 de Abril; à direita, mar em Porto Seguro, visto da balsa que atravessa a foz do Rio Buranhéim (foto de 1995). Aqui esteve a esquadra de Pedro Álvares Cabral, em 22/04/1500.
Em 1500, ano do Descobrimento do Brasil, Portugal era um Estado consolidado, uma monarquia hereditária absolutista. Possuía vasta legislação, compendiada nos cinco volumes das Ordenações Afonsinas, além das leis extravagantes.

Descobrimento do Brasil 3




Acima, miniatura de caravela, exposta em Porto Seguro, quando das comemorações dos 500 anos do Descobrimento (foto tirada em abril de 2000). Logo a seguir, Torre de Belém, em Lisboa, Portugal (foto de 2007). À esquerda, detalhe da Torre de Belém, onde aparece esculpida a Cruz da Ordem de Cristo (foto de 2007). À direita, cruz erguida na região da Coroa Vermelha, Bahia, Brasil (foto de 1995), como marco da Primeira Missa Celebrada no Brasil, em 26/04/1500.

Descobrimento do Brasil 4




Acima, na primeira foto, monumento aos 500 anos do Descobrimento (Porto Seguro, Bahia, foto de abril de 2000). Logo depois, Marco dos Descobrimentos, em Lisboa, Portugal (foto de 2007); à esquerda, estátua de Pedro Álvares Cabral (foto de 2000) em Porto Seguro, Bahia, Brasil; à direita, Padrão do Descobrimento, que vi em Porto Seguro, Bahia, Brasil, em 1995.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Tiradentes 4






As duas fotos são da praça central de Outro Preto, antiga Vila Rica. Nas duas se vê a estátua de Tiradentes, no meio da praça. Na maior se vê, ao fundo, o prédio do Museu da Inconfidência.
Abaixo, Certidão do Enforcamento de Tiradentes (o texto está no livro Tiradentes: a áspera estrada para a liberdade - TORRES, Luiz Wanderley., 3. ed. - São Paulo, Ateniense, 1991, p. 424):
CERTIDÃO DO ENFORCAMENTO
21-4-1792
"FRANCISCO LUIS ALVARES DA ROCHA, Desembargador dos Agravos da Relação desta Cidade, e Escrivão da Comissão ex-pedida contra os Réus da Conjuração, formada em Minas Gerais
CERTIFICO
que o Réu Joaquim José da Silva Xavier foi levado ao lugar da forca levantada no Campo de São Domingos, e nela padeceu morte natural, e lhe foi cortada a cabeça, e o corpo dividido em quatro quartos; e de como assim passou na verdade lavrei a presente certidão, e dou minha fé.
Rio de Janeiro vinte e um de Abril de mil setecentos e noventa e dois.
Francisco Luis Alvares da Rocha
(Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, vol. VII/241).
Ouro Preto é a antiga Vila Rica, situada no Estado de Minas Gerais, Brasil. Foi lá que aconteceu a Inconfidência Mineira, conspiração destinada a tornar o Brasil Independente de Portugal. Tiradentes assumiu a condição de chefe dos Conspiradores e foi enforcado no Rio de Janeiro. A Conspiração foi descoberta em 1789 e Tiradentes foi enforcado no dia 21 de Abril de 1792. A importância da Inconfidência Mineira é questionada por alguns historiadores. É o caso de Françoise Jean de Oliveira Souza, como se pode ver aqui.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Tiradentes 3

A foto acima, de 1999, é da cidade de Ouro Preto (antiga Vila Rica), Minas Gerais, Brasil.
Abaixo, Mandado de Enforcamento de Tiradentes (o texto está no livro Tiradentes : a áspera estrada para a liberdade - TORRES, Luiz Wanderley., 3. ed. - São Paulo, Ateniense, 1991):

MANDADO DE ENFORCAMENTO
21-4-1792
Justiça que a Rainha Nossa Senhora manda fazer a este infame Réu Joaquim José da Silva Xavier pelo horroroso crime de rebelíão e alta traição de que se constituiu chefe, e cabeça na Capitania de Minas Gerais, com a mais escandalosa temeridade contra a Real Soberania, e Suprema autoridade da mesma Senhora que Deus guarde.
MANDA que com baraço e pregão seja levado pelas ruas publicas desta Cidade ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre e que separada a cabeça do corpo seja levada a Vila Rica, donde será conservada em poste alto junto ao lugar da sua habitação, até que o tempo a consuma; que seu corpo seja dividido em quartos, e pregados em iguais postes pela estrada de Minas nos lugares mais públicos, principalmente no da Varginha, e Cebolas; que a casa da sua habitação seja arrasada, e salgada, e no meio de suas ruínas levantado um Padrão em que se conserve para a posteridade a memória de tão abominável Réu, e· delito, e que ficando infame para seus filhos, e netos lhe sejam confiscados seus bens para a Coroa e Câmara Real.
Rio de Janeiro, 21 de Abril de 1792. Eu o Desembargador Francisco Luis Álvares da Rocha, Escrivão da Comissão que o escrevi.

Esta crueldade na punição dos acusados de crime de lesa majestade era praticada também na metrópole (Lisboa/Portugal). E a punição ocorrida na metrópole, em 1758, quando da tentativa de homicídio do Rei Dom José, foi marcante, como se vê das notas de ALMEIDA, no item 9 do Título 6 das Ordenações Filipinas, edição de 1870, escritas, portanto, mais de cem anos depois do fato:
Pombal deu um “specimen” da execução desta disposição (morte cruel), interpretando conforme sua natureza e inclinações a palavra cruelmente no Alvará de 17 de Janeiro de 1759, confirmando a sentença da Inconfidência de 12 do mesmo mês, em que toda a Legislação anterior foi posta de parte, substituindo-a pelo mais horrível arbítrio.
Segundo narrativa de MAXWELL (Kenneth. MARQUES DE POMBAL – PARADOXO DO ILUMINISMO. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, pp. 79 e 88), o rei Dom José regressava, à tarde, de uma visita à sua amante, que era esposa do marquês Luís Bernardo de Távora, quando foi atingido por um tiro. Foram presas diversas pessoas, dentre as quais o duque de Aveiro e o conde de Atougaia. A Sentença, de 12 de janeiro de 1759, condenou o duque de Aveiro a ser despedaçado vivo (teria os braços e as pernas esmagados, seria exposto em uma roda para todos o verem e queimado vivo, e suas cinzas seriam jogadas ao mar). O marquês de Távora Velho teria a mesma sorte. A marquesa de Távora seria decapitada. As pernas e braços dos outros membros da família seriam quebrados na roda, mas antes eles seriam estrangulados, diferentemente do marquês e do duque, cujos membros seriam quebrados com eles vivos. A sentença foi cumprida no dia seguinte, em Belém (Belém é um bairro de Lisboa/Portugal).

Como se vê, a punição de Tiradentes, no Brasil, em 1792, foi muito menos cruel do que a dos Inconfidentes portugueses, ocorrida 33 anos antes, em 1759. Sem considerar que os demais inconfidentes brasileiros tiveram suas penas comutadas.

domingo, 18 de abril de 2010

Tiradentes 2


Acima, estátua de TIRADENTES na cidade de Ouro preto, antiga Vila Rica, Minas Gerais, Brasil.
Abaixo, final da Sentença que condenou Tiradentes à força (o texto completo da Sentença está no livro Tiradentes: a áspera estrada para a liberdade - TORRES, Luiz Wanderley., 3. ed. - São Paulo, Ateniense, 1991):
Sentença prolatada em 18 de abril de 1792:
PORTANTO, condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que, com baraço e pregão, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica onde, em o lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregados em postes, pelo caminho de Minas no sitio da Varginha e das Cebolas aonde o Réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria, será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável Réu (...).”
As penas aplicadas a Tiradentes estavam previstas no Livro 5, Título 6 das Ordenações Filipinas. Havia algum arbítrio, mas, no geral, boa parte da pena estava prevista na lei. O item 9, do Título 6, previa que “o cometedor” seria condenado a morrer por morte natural cruelmente. Segundo nota de Cândido Mendes de ALMEIDA, cruelmente queria dizer com todo o cortejo das antigas execuções, o que dependia da ferocidade do executor, e capricho dos Juízes que neste ou em outros casos tinham arbítrio. Além da morte, o título 6 também previa como pena o confisco, para a Coroa do Reino, de todos os bens do condenado (o que já privava os descendentes da herança, no que era expresso o texto das Ordenações: posto que tenha filhos, ou outros alguns descendentes, ou ascendentes, havidos antes, ou depois de ter cometido, tal malefício). Antes seriam pagas as dívidas do condenado (item 20 do Título 6).
Curiosamente, ALMEIDA se limita a dizer que A casa do réu de ordinário era arrasada, e salgado o solo. Pode-se ver em Gratian. – "Forenses cap. 179 a razão desta prática”, sem nada noticiar a respeito do caso de Tiradentes, ocorrido em 1792. Se a obra de ALMEIDA é de 1870, o fato de não ter mencionado o caso de Tiradentes é um forte indicativo de que, como dizem outros autores (ver aqui Françoise Jean de Oliveira Souza), a Inconfidência Mineira não teve prestígio como ato de libertação do Brasil, no decorrer do século XIX.
A pena para o crime de Lesa Majestade de Primeira Cabeça ia além do condenado: os filhos homens eram excluídos da herança do pai, ficavam infamados para sempre, não poderiam receber honra de Cavalaria, nem outra dignidade, nem Ofício (hoje chamado cargo público); não podiam herdar de parente, nem de estranho com ou sem testamento; não poderiam receber coisa alguma que lhes fosse dada, ou deixada, assim entre vivos, como em última vontade. A pena ia até os netos do condenado. Mas as filhas podiam herdar (item 14 do Título 6).
As próprias Ordenações (Tit. 6, item 12), cogitavam do perdão aos criminosos, no casos da hipótese de crime de lesa majestade sob a forma de conselho e confederação, salvo em se tratando do cabeça da sublevação.
De qualquer modo, o Estado brasileiro vem indenizando, mediante pensões, os descendentes de Tiradentes (a Lei 9.255/96, por exemplo, concede pensão a Lúcia de Oliveira Menezes, tetraneta de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes; a Lei 7.705/1988 concede pensão especial a Jacira Braga de Oliveira, Rosa Braga e Belchior Beltrao Zica, trinetos de Tiradentes).

sábado, 17 de abril de 2010

TIRADENTES 1


Abaixo, parte inicial da Sentença que condenou Tiradentes à forca (o texto completo da Sentença está no Livro acima: TORRES, Luiz Wanderley. Tiradentes: a áspera estrada para a liberdade, 3. ed. - São Paulo, Ateniense, 1991):
Sentença prolatada em 18 de abril de 1792:
“(...) Mostra-se que na Capitania de Minas alguns Vassalos da dita Senhora (a rainha Dona Maria I), animados do espírito de pérfida ambição, formaram um infame plano, para se subtraírem da sujeição e obediência devida à mesma Senhora; pretendendo desmembrar, e separar do Estado aquela Capitania, para formarem uma república independente, por meio de uma formal rebelião, da qual se erigiram em chefes e cabeças seduzindo a uns para ajudarem e concorrerem para aquela pérfida ação e comunicando a outros os seus atrozes e abomináveis intentos (...) Pelo que não só os chefes cabeças da Conjuração, e os ajudadores da rebelião, se constituíram Réus do crime de Lesa Majestade da primeira cabeça, mas também os sabedores e consentidores dela, pelo seu silêncio (...) Mostra-se que entre os chefes, e cabeças da Conjuração o primeiro que suscitou as idéias de república, foi o Réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, Alferes que foi da Cavalaria paga da Capitania de Minas (...)”.

O crime de Lesa Majestade estava previsto no Livro 5, Título 6 das Ordenações Filipinas e era assim conceituado: Lesa Majestade quer dizer traição cometida contra pessoa do Rei, ou seu Real Estado. As Ordenações diziam que era crime tão grave e abominável, a ponto de ser comparado com a lepra, porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empeça ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que com ele conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente: assim o erro da traição condena o que a comete, e empeça e infama os que de sua linha descendem, posto que não tenham culpa . Havia o crime de Lesa Majestade de Primeira Cabeça e o de Segunda Cabeça (item 22 do Título 6).
Havia crime de Lesa Majestade de Primeira Cabeça nos casos de morte do Rei, ou da Rainha sua mulher, ou de algum de seus filhos, ou filhas legítimas. Uma segunda hipótese de crime de lesa majestade era o que mais tarde foi definido como rebelião (conforme Cândido Mendes de ALMEIDA, em nota ao item 2, deste Tit.6): se o que tiver Castelo, ou Fortaleza do Rei ele, ou aquele que da sua mão a tiver, se levantar com ela e a não entregar logo a pessoa do Rei, ou a quem para isso seu especial mandado tiver, ou a perder por sua culpa. A terceira hipótese era, na guerra, bandear-se para o lado do inimigo; a quarta, era aconselhar os inimigos do Rei; a quinta era fazer conselho e confederação contra o Rei e seu Estado, ou tratasse de se levantar contra ele; a sexta era ajudar a fuga de alguém que fosse preso pelo crime de lesa majestade; a sétima hipótese era matar ou ferir de propósito em presença do Rei alguma pessoa que estivesse em sua companhia; e a oitava hipótese de crime de lesa majestade de primeira cabeça ocorria se alguém, em desprezo do Rei, quebrasse, ou derrubasse alguma imagem de sua semelhança, ou armas Reais, postas por sua honra e memória.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Islã e Burocracia




No califado omíada só os árabes autênticos, os de pura descendência árabe de ambos os lados, podiam ser admitidos aos níveis mais altos de poder e privilégio. Os meio-árabes eram, geralmente filhos de pai árabe e mãe escrava e, abaixo dos meio-árabes estavam os não muçulmanos. No califado de Hisham (724-43) a língua árabe passou a ser a língua oficial da administração e prestação de contas (1). A máquina burocrática era grande e complexa. Mas, para o islamismo, se de um lado o Estado era uma instituição divinamente inspirada e necessária para a manutenção da ordem e realização da finalidade de Deus, por outro, era considerado como algo maléfico, que contaminava os que com ele se envolviam. O islã atribuía quatro funções ao governo: guerra, butim, prece das sextas-feiras e jihad. Talvez a própria instituição da burocracia tenha suas origens no Oriente Médio.
Butim era o produto das guerras. Assim, o que era obtido com a vitória nas guerras, sustentava o Estado.
A influência que a organização burocrática muçulmana deixou em Portugal pode ser medida por alguns nomes de cargos burocráticos que foram incorporados às leis portuguesas e nelas permaneceram. Assim, nas Ordenações Filipinas há, por exemplo, os ofícios de Alcaide, Almocreve, Almotacé, Alferes, alguns destes nomes tendo chegado até a atualidade brasileira, como é o caso de almoxarife. Havia também, nas Ordenações, o imposto das sizas, provavelmente originado do imposto muçulmano denominado jizya. Mas não só palavras árabes chegaram até nós: a agricultura também apresenta resquícios da invasão muçulmana em Portugal, como é o caso da cana-de-açúcar (4) e do café (5). Já os chamados algarismos arábicos na verdade vieram da índia.

O islamismo só admita a escravidão de infiéis capturados em guerras santas, pois súditos do Estado muçulmano, nascidos livres, fossem eles maometanos ou seguidores de uma ou outra das religiões permitidas, não podiam ser escravizados por dívida ou crimes outros que não a rebelião armada.

Entre os árabes, vemos em HOURANI (6) que Mesmo que o governante fosse injusto ou ímpio, aceitava-se em geral que devia ser obedecido, pois qualquer tipo de ordem era melhor que a anarquia.
As fotos acima são de Alhambra/Granada/Espanha e de uma construção em Toledo/Espanha que foi mesquita, sinagoga e hoje é igreja.

Notas:
1 – HOURANI (Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo, Companhia das Letras, 2 ed., 1994, p. 45) informa que a língua árabe passou a ser a língua da administração na década de 690.
2 - A seleção para os empregos públicos era feita por aprendizagem. No momento apropriado, o burocrata poderia apresentar o filho, o sobrinho ou outro protegido ao departamento, onde ele começava a trabalhar num cargo muito humilde, inicialmente sem remuneração, e onde gradualmente subia a escada de acesso. LEWIS, Bernard. O Oriente Médio – do advento do cristianismo aos dias de hoje. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1996, pp. 170-171.
3 - Segundo HOURANI (ob. cit., p. 55), esta imposto era pago pelos não-muçulmanos.
4 - Na Pérsia, a cana-de-açúcar era conhecida por dois nomes: “sheker” e “qand”. O açúcar era pouco conhecido no mundo greco-romano e usado somente para fins medicinais. Quando necessário, alimentos e bebidas eram adoçados com mel. – LEWIS, obra citada, p. 148.
5 - O café teria surgido na Etiópia e seu nome seria tirado da província de Kaffa, onde o cafeeiro cresce espontaneamente. A bebida foi usada inicialmente no Iêmem, com o nome de “qahwa”. Como o islã proíbe bebidas alcoólicas, o café e o chá tiveram largo uso. LEWIS, obra citada, pp. 150-151.
6 - HOURANI, obra citada, p. 156.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

ISLÃ E ORGANIZAÇÃO ESTATAL




Os muçulmanos eram governados por um Califa, que permanecia na capital do império (inicialmente Damasco, até, pelo menos, o ano de 750, e, depois, Bagdá). No ano de 929 Abd al-Rahman III, que governava a Espanha/Andaluz se proclamou Califa. Esta proclamação gerou a mais famosa exposição e defesa teórica do califado, a de al-Mawaradi (m.1058). Ele dizia que a existência do Califado não era uma necessidade natural; sua justificação estava numa afirmação do Corão, “Ó crentes, obedecei a Deus, e ao mensageiro, e àquele com autoridade sobre vós”, e era portanto ordenada por Deus. (...) O califa devia possuir saber religioso, senso de justiça e coragem. Devia pertencer à tribo dos coraixitas, da qual vinha o Profeta, e só podia haver um califa de cada vez. Ele podia delegar seu poder, fosse para um propósito limitado ou sem limite, e numa província de seu Império ou nele todo; mas o vizir ou emir a quem se delegasse o poder devia reconhecer a autoridade do califa e exercer seu poder dentro dos limites da charia (1). Observa-se, portanto, que o fundamento do califado era divino e com fortes laços com a religião muçulmana. Deus era o chefe de Estado e, Maomé, seu Profeta, ensinava e governava em seu nome. Como Profeta, não teve – nem podia ter – um sucessor. Como soberano supremo da comunidade político-religiosa do islã, foi sucedido por uma longa linhagem de califas.(...) O califado sempre foi definido como cargo religioso e a finalidade suprema do califa era defender a herança do Profeta e fazer com que fosse cumprida a Lei Santa.(...) Nas palavras de Maomé O islã (ou a religião) e o governo são irmãos gêmeos. Um não pode prosperar sem o outro. O islã é o alicerce, e o governo, o guardião. O que não tem alicerces desmorona; o que não tem um guarda, perece. A forma da eleição do califa (composição do eleitorado, quantidade de eleitores e procedimentos eleitorais) nunca foram definidos legalmente. Os primeiros califas foram escolhidos por seus predecessores ou colegas, depois se tornaram hereditários nas dinastias omíada e abássida. Interessante notar que os Abássidas reivindicavam origem divina para a autoridade de que se investiram. Durante a dinastia abássida, Andalus instaurou seu próprio califado, inicialmente hereditário, que durou dos anos de 961 a 1031(2). Assim, não havia entre os muçulmanos uma estrutura especificamente política, especialmente porque “a única autoridade considerada verdadeiramente legítima era a autoridade religiosa”(3).
As fotos acima são da Grande Mesquita de Córdoba/Espanha e de Alhambra/Granada/Espanha.

Notas:
1- HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo, Companhia das Letras, 2 ed., 1994, pp. 154.
2 - Segundo HOURANI (ob. cit., p. 99), no período, Três governantes reivindicavam o título de califa, em Bagdá, no Cairo e em Córdoba, e ainda outros que eram governantes de fato de estados independentes.
3- REILLY, Bernar F. Cristãos e Muçulmanos – A Luta pela Península Ibérica. Tradução de Maria José Giesteira.. Lisboa, Editorial Teorema, 1992, p. 18.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O emirado de Al-Andaluz





No ano de 750 os Omíadas são depostos pelos Abássidas. Do massacre dos Omíadas pelos Abássidas, escapou Abd al-Rahman, que se refugiou na Península Ibérica. Abd al-Rahman apoderou-se do emirado da Península Ibérica, que os muçulmanos chamavam de Al-Andaluz e lá iniciou uma nova dinastia omíada. O emirado era uma espécie de Província, governado por um Emir e sua capital ficava em Córdoba. Apesar de os emires prestarem, em regra, contas ao Califa, o Emirado Andaluz assume uma situação de independência por volta do ano 755, prestando apenas reconhecimento nominal aos abássidas. O domínio muçulmano começou a se diluir, em Andaluz, no ano de 976, mas é no ano de 1492 que termina definitivamente, com a tomada de Granada pelos reis católicos Fernando de Aragão e Isabela de Castela e Leon (Espanha). Pelo menos em 1217 ainda havia muçulmanos em Portugal, posto que neste ano houve a retomada da cidade portuguesa de Alcácer do Sal.

Na foto acima a Grande Mesquita de Córdoba/Espanha, que Abd al-Rahman construiu em um ano, usando material de outras construções (a variedade de cor destes tijolos - vermelho e beje - e as diferenças de tamanho entre as colunas é um dos efeitos deste aproveitamento de material). A porta dourada era por onde Abd al-Rahman entrava na Mesquita.

terça-feira, 13 de abril de 2010

MUÇULMANOS INVADEM A PENÍNSULA IBÉRICA





No ano de 711 ocorre a invasão islâmica da Península Ibérica pelos muçulmanos, conduzida pelo governador Musa ben Nusayr, da província de Ifriquyia, ou Ifriqiyya, atual Tunísia, e por seu Lugar-Tenente Tariq ben Ziyad. Tariq é o epônimo do Estreito de Gibraltar - corruptela lingüística de Djebel el-Tarik, A Montanha de Tariq, até então chamada de As colunas de Hércules. Esta invasão decorreu da crise que estourou com a sucessão do Rei Visigodo Witiza: um grupo majoritário da nobreza optou por eleger, um tanto tumulturiamente, Rodrigo. Um outro grupo decidiu apoiar a continuidade de algum familiar de Agila II, também Rei Visigodo. Como antes havia ocorrido em mais de uma ocasião, a facção minoritária pôde ver nos muçulmanos – que já se preparavam para assaltar o Reino Visigótico há algum tempo – o instrumento para se impor em uma guerra civil que, até então, havia ido muito mal para aqueles. Na batalha decisiva de Guadalete (julho de 711), muitos nobres visigodos desertaram, propiciando assim a derrota de Rodrigo e seus seguidores. Tarik, que obteve a primeira vitória, havia desembarcado com 12.000 berberes. No ano seguinte lhe seguiu seu senhor, Musa ibn Nusayr, com 18.000 árabes. Em pouco tempo, ou seja, já entre os anos de 716 e 719, acabaram-se as últimas resistências visigodas (leia mais aqui).
Os árabes tentaram continuar sua expansão pela Europa, mas foram derrotados na Batalha de Tours, em 732. Esta batalha , às vezes chamada de Batalha de Poitiers, tornou-se para sempre o símbolo da interrupção da expansão muçulmana para o norte da Europa (1). Ainda que não tenham se expandido para o norte da Europa, os muçulmanos ficaram mais 760 anos na Península Ibérica (781 ao todo, desde o ano de 711). Por haver somente Sunitas na Península, não houve divisão religiosa entre os muçulmanos.
As fotos acima são da Mesquita de Córdoba/Espanha e do quadro A Batalha de Poitier, exposto no Palácio de Versalhes/França.

Notas:
1 - MENOCAL, Maria Rosa. O Ornamento do Mundo. Tradução de Maria Alice Máximo. Rio – São Paulo, Record, 2004, p. 65.