sexta-feira, 10 de outubro de 2025

OS JUROS NAS ORDENAÇÕES 4

           Já mencionei em outras postagens que, durante a vigência das Ordenações do Reino e mesmo no Império, o Brasil era um estado teocrático. Ainda farei outras postagens sobre este tema. No tocante aos juros, transcrevo a seguir notas de rodapé do Livro 4 das Ordenações Filipinas, onde constam extensas considerações sobre a proibição de cobrança de juros por parte das normas religiosas.

    As Constituições do Arcebispado da Bahia de 1710 definiam a usura como crime (parágrafo 940 – p. 327).



    Vejamos as considerações e transcrições efetuadas por Candido Mendes de Almeida, a respeito do entendimento da religião Católica sobre juros, até o século XIX:

 Direito Canônico

O Al. de 31 de. Janeiro de 1775 § 4 declarou que o dinheiro a juro é contrato proibido pelo Velho e Novo Testamento, e só tolerado em benefício do Co­mércio.

Barbosa no com. diz que em matéria de usuras, mais se devera atender aos Doutores de Direito Pontifício, do que aos Mestres em Teologia. Provavelmente pelo rigorismo que interpretavam as Sagradas Escrituras.

Direito Canônico e determinações da Santa Madre Igreja.

(...) para conhecimento dos leitores cató­licos, e que nesta matéria desejam saber o que pensa a Santa Madre Igreja, aqui expendemos o que diz o Cardeal Gousset no seu com. no art. 1905 do Código Civil Francês (...):

«Art. 1905. É permitido estipular interesses no simples empréstimo, seja de dinheiro, mercadorias, ou outras coisas móveis.»

Eis o com. de Gousset:

«Entende-se por interesse ou prêmio tudo que o emprestor recebe além da soma ou da coisa empres­tada, que se chama comumente capital, sorte prin­cipal, ou simplesmente principal.

«Pothier distingue, segundo os Teólogos, duas espécies de interesse; o interesse compensatório e o interesse lucrativo.

«O interesse compensatório é o que se percebe como garantia da perda causada pelo empréstimo, em indenização dos benefícios que o emprestor tiraria do seu dinheiro ou de qualquer outra coisa emprestada, se para si reservasse o uso. Este interesse não é um proveito para o emprestor; não é senão uma indenização que pode em consciência perceber.­

«O interesse lucrativo é o que se exige como uma recompensa, como o preço do empréstimo; é o in­teresse lucrativo, o lucro do empréstimo, que propria­mente se chama usura.

«Assim define-se comumente a usura, todo o interesse, todo o proveito além da sorte principal exi­gido do tomador, precisamente em virtude de emprés­timo do consumo; ou como s’exprime o  mesmo Juris­consulto,  lucrum supra sortem exactum, tantum propter officium mutuationis; lucrum ex mutuo exactum.

«O interesse é pois reputado lucrativo e usurário, todas as vezes que não pode ser considerado como uma justa compensação da perda ou da privação do proveito que se sofre, privando-se do seu dinheiro em benefício de outrem. Porquanto pode-se sem dúvida exigir-se interesses, ou antes uma indenização, quando há para o emprestor lucro cessante, ou dano emergente, em razão do empréstimo, ou qualquer outro título extensivo do empréstimo, i. e., que não entra na natureza do empréstimo, mas que é verdadeiramente separável do empréstimo: tal é o perigo extraordinário de perda da sorte principal, ou capital.

«Mas quando o emprestor não pode invocar nenhum destes títulos, e que a percepção dos interesses teria lugar precisamente vi mutui, julgamos que ele não pode em consciência, não obstante a lei civil, perceber interesses, por módicos que sejam.

«Foi sempre e é ainda, diz Bento XIV, a doutrina da Igreja Católica, estabelecida por acordo unânime de todos os Concílios, dos Padres, e dos Teólogos, que todo o proveito extraído do empréstimo, precisamente em razão do empréstimo, i. e., segundo a linguagem da Escola, sem que o emprestor tenha o título de lucro cessante, ou dano emergente, ou qual­quer outro título extrínseco ao empréstimo, é usurário e proibido pelo Direito natural, divino, e eclesiástico (de Synodo Diocesano liv. 7 cap. 47).

Continuando diz ainda Gousset:

«Este grande Papa ensinou a mesma doutrina em uma Carta Encíclica, dirigida aos Patriarcas, Arcebispos, Bispos e Ordinários da Itália. Essa Carta, que começa por estas palavras Vix pervenit, contém as se­guintes disposições:

«1o A espécie de pecado que se chama usura, e que tem o seu assento próprio no contrato de empréstimo (mutuo), consiste em que aquele que empresta, quer que em virtude do próprio empréstimo, que por sua natureza pede que se restitua somente tanto quanto se recebeu, se lhe dê mais do que se não emprestou; e pretende-se por isto, que além do seu capital se lhe dê um lucro em razão do empréstimo.

«É por isto que todo o lucro desta natureza é ilícito e usurário: Omne propterea hujus modi lucrum quod sortem superat, illicitun et usurarium est.

«2o Para desculpar esta mancha da usura, em vão se alegaria que este lucro não é excessivo, mas moderado; que não é grande, mas pequeno; que aquele de quem se exige em razão do empréstimo não é pobre mas rico; que empregará mui utilmente, quer em me­lhorar sua fortuna, quer na aquisição de novas pro­priedades, quer em um comércio lucrativo; porquanto consistindo a essência do empréstimo na igualdade entre o que é fornecido e restituído, esta igualdade uma vez restabelecida pela restituição do capital, o que pretende exigir, de quem quer que seja, alguma coisa mais em razão do empréstimo, vai contra a natureza deste contrato, que se acha já plenamente satisfeito pelo reembolso de uma soma equivalente; por conseguinte, se o emprestor recebe alguma coisa além do capital, está obrigado a restituir, por uma obrigação desta justiça que se chama comutativa, a qual ordena de guardar inviolavelmente nos contratos a igualdade própria a cada um, reparando-a exatamente, se for  violada.

«3o Mas, estabelecendo estes princípios, não se pretende negar que certos títulos, que não são intrínsecos ao empréstimo, nem inteiramente ligados à sua natureza, não possam algumas vezes concorrer fortuita­mente com ele, e dar um direito justo e legítimo de exigir alguma coisa acima do principal. Também não se nega que haja muitos outros contratos, de natureza inteiramente diferente do empréstimo, pelos quais pode-se colocar ou empregar o seu dinheiro, seja para obter rendas anuais, seja para fazer um comércio e tráfico lícitos, tirando disto lucro honesto.

«4o  Ora, como nesta multidão de diversos gêneros de contratos, se a igualdade não for observada, tudo  o que um dos contratantes receber de mais, produz, não a usura (não havendo empréstimo real ou paliado), mas outra espécie de injustiça que, não é menos real, e que consigo traz a obrigação de restituir. Pelo con­trário, se tudo aí se acha regulado conforme a jus­tiça rigorosa, não é duvidoso que estes diferentes gêneros de contratos não forneçam muitos meios lícitos de entreter e alargar o comércio pelo bem público.

Mas não permita Deus que Cristãos pensem que sejam as usuras, ou semelhantes injustiças, que possam concorrer para fazer florescer os comércios úteis, por isso que os oráculos sagrados nos dizem que é a justiça que eleva as nações e que o pecado torna os povos mise­ráveis (Provérbios cap. 14 v. 34).

«5o Mas é mister observar com cuidado que seria falsa e temerariamente que alguém se persuadisse, que se acha sempre, ou com o empréstimo, outros títulos 1egítimos, ou mesmo separadamente do empréstimo, outros contratos justos, por meio de cujos títulos ou contratos, todas as vezes que se empresta a outrem, o que quer que seja, dinheiro, trigo, ou qualquer outra coisa do mesmo gênero, sempre se permita receber algum lucro moderado, além da sorte principal assegurada ou inteira.

«Se alguém assim pensar, sua opinião seria por certo contrária, não só às divinas Escrituras, e ao juízo da Igreja Católica sobre a usura, como ao senso comum e à razão natural.

«Ninguém pode ignorar que se é obrigado, em muitos casos, a socorrer ao seu próximo pelo em­préstimo puro e simples, segundo estas palavras de Jesus Cristo: Não repilais quem vem pedir-vos emprestado (Mateus, cap. 5 v. 42); e que haja muitas circunstâncias em que se não possa fazer outro contrato justo e lícito senão o empréstimo.

«Assim quem quiser velar na segurança de sua consciência, deve primeiro que tudo examinar com cuidado se há  verdadeiramente, com o empréstimo, um título legítimo ou um contrato diferente do em­préstimo, que possa justificar ou isentar de qualquer mancha de usura o lucro que se trata de procurar.»

Terminando o seu com. diz ainda Gousset:

«Os Moralistas têm explicado as condições que se exigem para os diferentes títulos em virtude dos quais é permitido perceber algum lucro do empréstimo.

«Temendo afastar-me de mais do meu fim, conten­to-me em observar, que os Teólogos não concordando em todos os pontos que se ligam à questão da usura, de­ve-se  temer de cair em um rigorismo que não seria menos funesto à Moral Evangélica que o relaxamento dos que pretendem que pode-se sempre ter um  titulo legítimo em pró do interesse, prêmio, ou lucro de empréstimo ou mútuo.»

Perin no seu opúsculo - a Usura e a Lei de 1807 aponta quatro títulos por onde no mútuo é lícito o lucro: 1o lucrum cessans (a perda de um emolumento que provavelmente se colheria se se não emprestasse o dinheiro): 2o Damnum emergens (a saber, o dano de que o empréstimo seria a fonte direta): 3o periculum sortis (isto é, o perigo de perder o capital em razão da insolvabilidade do tomador): 4o  titulum legis (em virtude do qual se considera legítimo o lucro desde que é autorizado pela lei civil).

Mas este último título baseia-se num fato que pode ser contrário à moral, desde que o Legislador, ou por erro ou por iniquidade, promulgar uma lei contrária à severa moral e aos legítimos interesses da sociedade.

(...)

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