sábado, 14 de junho de 2025

Aluguel e Arrendamento no Livro 4 das Ordenações Filipinas

    Na vigência das Ordenações Filipinas, as casas podiam ser alugadas ou arrendadas. A propriedade imóvel também podia ser aforada, mas este é um tema que merecerá postagem específica. Quem quiser antecipar o tema aforamento, procure no texto integral do Livro 4 (aqui) as palavras aforamento, enfiteuse, prazo/praso e laudêmio.

    Casas, herdades ou qualquer outra coisa de raiz (os imóveis eram chamados “coisas de raiz” ou “bens de raiz”) podia ser alugada ou arrendada. O termo “herdade” ainda hoje é usado em Portugal. Nas Ordenações, aparentemente significa “vinha”.

    “Aluguer” também é uma palavra ainda usada em Portugal. No Brasil, apesar da grafia estar correta, consagrou-se o uso de “aluguel”, popularizando-se a pronúncia “aluguéu” (o L sendo substituído por “U”). O hoje denominado Inquilino, ou Locatário, era chamado de “alugador”. Os hoje chamados “locadores” eram denominados “senhorios”, ou “senhores das casas”. 

    A locação de casas é uma prática antiga. Nas notas de rodapé do Livro 4 já são noticiadas normas jurídicas do século XV: “O Al. de 11 de junho de 1644 impunha aos senhorios a obrigação de não levantarem os aluguéis das casas, depois da publicação da Lei das décimas. O Al. de 3 de julho de 1699 anulava o levantamento dos alugueres das casas que tinham feito os senhorios, pretextando o encargo do imposto de quatro e meio por cento, havia pouco criado.

        Usava-se, para marcar o aluguel por tempo certo, os dias santificados: “Porém as pessoas, que tiverem casas, e as alugarem a outrem per tempo certo, assim como até S. João, S. Miguel, Natal, ou outro tempo declarado pelas partes…” Se os senhores das casas quisessem que os alugadores ficassem nelas após passado o tempo convencionado, deveriam “requerer” trinta dias antes e os alugadores deveriam responder em três dias. Se não respondessem, teriam que pagar o aluguel de um ano. Se não houvesse o requerimento por parte do senhorio, o alugador poderia escolher sair da casa ou ficar e pagar o aluguel.

        Se o alugador (hoje inquilino, ou locatário) não pagasse o aluguel, o senhor da casa (hoje locador) não poderia penhorar, mas devia se dirigir ao Alcaide da Vila, ou do lugar, que faria a penhora sem autoridade de Justiça. Em nota de rodapé, cita-se Teixeira de Freitas, para dizer que, após a independência, a penhora tinha que ser por ordem judicial.

    Em casos de sublocação (“...se o senhor da casa não achar a pessoa, a que a alugou, e achar outrem nela”...) o senhor da casa podia cobrar os alugueres do ocupante da casa.

    O senhor da casa poderia lançar fora da casa o alugador em quatro casos: 1º - não pagamento da pensão (nome que se dava ao aluguel); 2º - “quando o alugador usa mal da casa, assim como danificando-a ou usando nela de alguns atos ilícitos e desonestos, ou danosos à casa”; 3º - “quando o senhor a quer renovar, ou reparar de adubios necessários, que se não poderão fazer convenientemente, morando o alugador nela…”; 4º - “quando o senhor da casa por algum caso, que de novo lhe sobreveio, e há mister para morar nela, ou para algum seu filho, filha, irmão ou irmã…”.  Em nota de rodapé se cita a obra de Silva Pereira (Repertório das Ordenações) para esclarecer que “A casa é danificada se o inquilino por si ou por outrem estabelece alguma oficina insalubre, ou criasse animais imundos ou daninhos”; o inquilino praticaria atos ilícitos e desonestos, ou danosos se empregasse a casa “em jogos, prostituição ou reuniões tumultuosas”. Em todos estes quatro casos, quem deitaria o alugador fora da casa era o Alcaide da Vila. Em nota de rodapé, Cândido Mendes de Almeida informa que este Alcaide da Vila, antes da Independência do Brasil, exercia as funções policiais e judiciais. O nome “Alcaide” é um resquício da dominação árabe na Península Ibérica e deriva de Cádi, que era autoridade que exercia as funções de Juiz entre os mouros, ou sarracenos. Em nota de rodapé, Cândido Mendes de Almeida informa que “adubios”era “tudo quando se faz necessário para conservação dos bens”. 

    O aluguel pressupunha pagamento, pois se fosse uso gratuito, seria comodato.

    Teixeira de Freitas (Consolidação das Leis Civis, art. 668, nota 4 - citada em nota de rodapé) diz que “as casas são alugadas quase sempre sem contrato por escrito, ‘ad libitum’ dos inquilinos". Interessante notar que, já no século XV, se alugavam roupas em Portugal: há menção no Livro 4 das Ordenações Filipinas de aluguel de vestidos e jóias, que podiam ser feitos na cidade de Lisboa.

    Não encontrei diferenciação, no Livro 4 das Ordenações Filipinas, entre aluguel e arrendamento. O arrendamento era uma outra forma de rendimento da propriedade. Quem arrendava um imóvel, na condição de dono, era denominado rendeiro. 

    Havia restrições sobre o arrendamento em se tratando de detentores de cargos estatais: “Provedor algum, nem Contador da Comarca, Juiz dos Órfãos, Tabelião do Judicial, Escrivão dos Órfãos, ou das Câmeras, nem outros Escrivães, de qualquer qualidade e de quaisquer Ofícios que sejam, nem Meirinhos, ou Alcaides possam arrendar alguma renda nossa (do Rei), nem de Fidalgo algum, ou de Senhor de Terras, que as de Nós (o Rei) tenha, nem de Comendador, nem de Prelado.” Os Ouvidores de Senhores de terras também não podiam arrendar. Neste ponto aparece, subliminarmente, o conceito de Ouvidor: eram os Juízes nomeados por Senhores de Terras. Os Juízes nomeados pelo Rei eram os Juízes de Fora. 

    Havia uma proibição específica quanto às rendas de detentores de certos cargos: Vedor da Fazenda e Escrivães dela, Contadores das Comarcas e dos Contos e seus Escrivães e outros Oficiais da Fazenda Real, não podiam arrendar suas rendas.

    Entre os bens de raiz (imóveis), herdades ou vinhas eram arrendadas. Ao se tratar delas, não se menciona a locação. Se o pagamento (renda)  ao dono da herdade (ou vinha) fosse em pão, vinho, azeite ou dinheiro, estaria caracterizado o arrendamento e não a parceria. A parceria já era um outro tipo de contrato.

     O arrendamento podia ser por mais de dez anos. Mas sendo o arrendamento por mais de dez anos, haveria transferência de domínio útil, de modo que, nesta situação (mais de dez anos), produziria o mesmo efeito que o aforamento. Entretanto, “Pelo Al. de 3 de novembro de 1757, por que (sic) arrendamentos de mais de dez anos não são aforamentos”, segundo nota de rodapé de Teixeira de Freitas.

    Não podia haver arrendamento de gados (vacas, cabras, porcos) ou colméias. Todavia, caso os herdeiros não pudessem partir a herança sem dano “assim como escravo, besta, moinho, lagar, ou outra coisa semelhante”, deviam arrendar e partir a renda entre si. 

    Como já dito acima, não há no Livro 4, nem nas notas de rodapé, explicação da diferença entre aluguer e arrendamento. Deixa-se de fornecer tal explicação, pois não é objetivo deste texto ensinar a diferença entre aluguer e arrendamento ou conceituá-los, mas sim noticiar o que consta no Livro 4 das Ordenações Filipinas e respectivas notas de rodapé. E delas não constando a diferença entre aluguer a arrendamento, foge ao escopo deste texto fornecê-la.

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