A desapropriação, como a conhecemos hoje, surgiu no Brasil após o fim da Monarquia absoluta. Veio com a Monarquia Constitucional, portanto. Mas a perda da propriedade para o Estado (no caso, para a Coroa) já era contemplada na Monarquia absoluta que nos governou na época colonial.
Apesar da Constituição de 1824 admitir a perda da propriedade privada (Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A Lei marcará os casos, em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização), não há nela a palavra desapropriação.
No texto do Livro 4 das Ordenações Filipinas, não se encontram as palavras “desapropriar”, “desapropriado”, ou “desapropriação” e, nas notas de rodapé, a palavra “desapropriação” só aparece em uma nota: “Este meio é ainda recomendado no Av. n. 218 - de 21 de Maio de 1862, quando se teve de desapropriar o edifício do Internato do Imperial Colégio de Pedro II. Segundo o art. 31 do D. n. 353 - de 12 de Junho de 1845 nas desapropriações por utilidade pública no Município Neutro, o prédio desapropriado se considera livre de todos os ônus, hipotecas e lidespendentes.”
O instituto da Desapropriação foi regulamentado nos artigos 64 e seguintes da Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas, mas esta Consolidação é de 1858 (SUZART, Joseane. Teixeira de Freitas, o jurista que sedimentou o Direto Privado em prol da sociedade. Íntegra do texto aqui). E Teixeira de Freitas, aparentemente, usou as normas do Decreto nº 353/1845 para incorporá-las na Consolidação. Enfim, a desapropriação, como a conhecemos no Estado Constitucional, surge no Brasil independente, em 1824, mas é regulamentada a partir de 1845.
Mas a possibilidade do Rei tomar a propriedade, já era contemplada no Livro 4 das Ordenações Filipinas: ora como razão para atender a necessidades: “…se… a mandássemos Nós tomar (a coisa, o bem) por alguma necessidade…”; ora como punição para herdeiros que impedissem alguém de fazer testamento: “e perca para a nossa Coroa toda a parte, que lhe cabia haver ab intestado por falecimento da pessoa, que assim foi forçada…”, ou para herdeiros que impedissem alguém de revogar testamento que os beneficiara: “E a herança se aplicará à nossa Coroa…”
Como estamos falando de herança, é interessante anotar aqui de onde veio o termo licitação. A licitação ocorria para venda de coisa comum dos herdeiros, segundo consta em nota de rodapé do Livro 4 das Ordenações Filipinas: “os Praxistas têm com razão admitido a licitação na praça, ou seja para a venda da coisa comum, ou seja para o arrendamento dela”; «Licitação, diz Pereira de Carvalho - Proc. Orphan. § 92, é o ato, pelo qual se põe a lanço os bens da herança, que não admitem cômoda divisão, para se adjudicarem àquele dos co-herdeiros, que mais oferecer.»; «Por Direito Romano L. 1 e 3 Cod. comm. divid. a licitação era unicamente permitida nas coisas, que se não podiam dividir, nem acomodar facilmente em partilha.” Esta disposição sobre licitação se encontra no “Corpus Juris Civilis”. Há uma edição espanhola (Cuerpo de Derecho Civil Romano, ed. Lex Nova, Valladolid, 2004), na qual, as disposições sobre licitação se encontram na p. 390 do Tomo IV:
TIT. XXXVII
COMMUNI DIVIDUNDO
1. Imp. ANTONINUS A. LUCANO. — Frater tuus si solam portionem praedii ad se pertinentem distraxit, venditionen revocari non oportet, sed adversus eum, cum quo tibi idem praedium commune esse coepit, communi dividundo iudício consiste; et ea actione aut universum praedium, si licitatione viceris, exsoluta socio parte pretii, obtinebis, aut pretii portionem, si meliorem alius conditionem attulerit, consequeris. Quodsi divisio praedii sine cuiusquam iniuria commode fieri poterit, portionem suis finibus tibi adiudicatam possidebis; hoc videlicet custodiendo, ut post litis contestationem memo nec partem suam, ceteris eiusdem rei dominis non consentientibus, alienare possit.
A palavra “licitação” ainda não aparecia no Código de Contabilidade da União (Decreto nº 4.536, de 28/01/1922), mas passou a constar do Decreto-Lei 200/1967 (art. 125).
Se a palavra “licitação” só foi incorporada à terminologia do Direito Administrativo Brasileiro no século 20, o procedimento que se abrigou sob essa nomenclatura já estava no Livro 1 das Ordenações Filipinas, quando trata das despesas feitas pelos então Concelhos, que hoje, no Brasil, são denominados Municípios: “TÍTULO LXVI Dos Vereadores (...) 39. E não se fará obra alguma, sem primeiro andar em pregão, para se dar de empreitada a quem a houver de fazer melhor e por menos preço;”.
Como em todas as demais postagens sobre as Ordenações Filipinas, deixo de indicar a página ou fazer referência especial sobre onde se encontram, pois basta que se faça pesquisa por “caça-palavras” no texto integral que disponibilizo nos links ao longo desta postagem.
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