sábado, 18 de outubro de 2025

As Companhias (hoje S/A) no Liv. 4 das Ordenações Filipinas (2)

         Se compararmos o texto do Livro 4 das Ordenações Filipinas (ver postagem anterior) com as notas de rodapé, perceberemos que, entre 1603 e 1870 ocorreram modificações no conceito de companhia. Só para lembrar: o Livro 4 das Ordenações Filipinas é de 1603 e as notas de rodapé estão na edição brasileira de 1870. Perceberemos, também, que já no Século XIX estava consolidada a noção de sociedade anônima. Esta consolidação é uma das informações interessantes das notas de rodapé. Outra informação interessante é a relação exemplificativa das companhias portuguesas existentes no século XVII. Também se vê nas notas uma discussão sobre a regulação jurídica no Brasil das sociedades comerciais e as civis no século XIX.

Sociedade e Companhia. Estas palavras em outro tempo eram sinônimas, atualmente a segunda designa tão somente as sociedades anônimas. Assim a distingue o Código Comercial no tít. 15, em todos os seus Capítulos do art. 287 usque 353.

Ferreira Borges na sua obra – Jurisprudência do contrato mercantil de Sociedade p. 1 secç. 2 art. n. 3 § 29 nota, diz a este respeito o seguinte:

«Companhia antigamente era entre nós sinônimo de sociedade. A cit Ord. liv. 4. tit. 44 inscreve-se do contrato da sociedade e companhia – e daí em todo o título fala em companhia. Hoje ainda que se possa dizer companhia por sociedade, companheiro por sócio, contudo, estritamente falando, hoje, em acordo com todas as nações comerciais, entende-se por companhia  a associação incorporada por carta ou alvará de instituição; tal como o foi entre nós a Companhia do comércio da Índia, que teve Regimento em data de 26 de Agosto de 1628: - a Companhia do comércio do Brasil com instituição confirmada por Alv. de 10 de  Março de 1649: - a de Cabo verde e Cacheu. Alv. de 4 e Janeiro de 1690; de Guiné e Macao: a Companhia geral do Grão Pará e Maranhão de 7 de junho de 1755, a Companhia geral d’agricultura dos vinhos do alto Douro,  Alv. de 10 de Setembro de 1756: a Companhia geral das reais pescarias do Algarve,  Alv. de 15 de Janeiro de 1773; e a Companhia geral do comércio de Pernambuco e Paraíba,  Alv. de 13 de Agosto de 1759.»

A sociedade ou companhia de que trata esta Ord. é inteiramente Civil.

O Legislador não curou das sociedades comerciais (Ferreira Borges – Jurisp. § 17 nota).

O Av. n. 231 – de 21 de Agosto de 1855, declarou que o Código Comercial na p 1. t. 15, só é concernente às sociedades mercantis, sendo indiferente que uma ou ambas as partes sejam comerciantes, por que neste caso a jurisdição nasce em razão somente dos atos e não das pessoas.

Sobre as sociedades comerciais consulte-se o Cód.Com. nos lugares supra citados.

Pelo que respeita às Companhias ou sociedades anônimas, consulte-se nos aditamentos o D. 2711 - de 19 de Dezembro de 1860; assim como sobre as sociedades em comandita o D. n. 1.487 - de 13 de Dezembro de 1854.

Consulte-se sobre a matéria deste título, além de Barbosa, e Lima nos com., Cardoso - Praxis, verbo - Societas, Costa Franco - Tratado prático, jurídico, e cível p. 1 em que trata especialmente do Contrato da Sociedade; Companhias em dezesseis capítulos; Ferreira Borges obra supracitada, e Dicionário Comercial art. Companhia, Correa Telles- Dig. Port. to. 3 tit. 11 de n.1053 a 1.137, e Doutr. das Acç. de § 410 a 412, T. de Freitas - Consol. cap.10 do art. 742 a 766, e Ramos - Apontamentos Cap. 11 a 1501, etc.

 

         Em outra nota de rodapé se vai perceber que a religião permeava o direito secular, pois atos jurídicos nulos eram tidos como também pecaminosos:

 

O Al. do 1º de Agosto de 1774 declarou que os contratos feitos em positiva desobediência das leis são nulos e pecaminosos em si mesmos, por que elas obrigam em um ou outro foro.

O Art. 287 do Cód. Com. também declara que é da essência das Companhias e sociedades que o objeto e fim a que se propõem seja lícito.

Considera-se ilícita a associação cujo fim é monopolizar os gêneros de primeira necessidade, ou qualquer ramo do comércio (D. n. 2711 – de 19 de Dezembro de 1860 art.9 n.1, art. 27 regra segunda, e arts. 33 e 34).

As sociedades secretas não estando nas condições legais estão sujeitas às penas dos arts. 282, 283 e 284 do Cód. Crim., e sob a vigilância da Polícia (D. n. 2711 – de 1860 art.34).

     A prova da existência das sociedades civis é outro problema tratado nas notas de rodapé. É que não havia o registro civil até o século XIX, razão da impossibilidade do registro destas sociedades. Registros de nascimento e casamento ficavam restritos à Igreja (exceto quando os casamentos eram objeto de contrato, matéria largamente tratada no livro 4 das Ordenações Filipinas). As normas sobre registro civil no Brasil surgiram depois da independência, mas ainda se vinculavam ao registro religioso. O Decreto nº5.604, de 25 de abril de 1874 disciplinava o registro civil de nascimentos, casamentos e óbitos, mas o art. 51, item 6º (não se usava a nomenclatura "parágrafo" na época) só permitia a colocação do nome do nascituro se já fosse batizado. O Decreto nº 9.886, de 7 de março de 1888 também só tratava do registro de nascimentos, casamentos e óbitos, mas já se mostrava um pouco mais secular na questão do nome (Art. 58. O assento do nascimento deverá conter: (...) 5º O nome e sobrenomes que forem ou houverem de ser postos a criança (...). Mas ainda se vinculava à Igreja (Art. 59. Podem ser omitidos, si daí resultar escândalo, o nome do pai ou o da mãe ou os de ambos, e quaisquer das declarações do artigo antecedente, que fizerem conhecida a filiação, observando-se a este respeito as reservas estabelecidas para os assentos de batismo na Constituição eclesiástica n. 73.) A Constituição Eclesiástica eram as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1710. O Código Civil de 1916 já determinava o registro das sociedades civis (artigos 18 e 19), mas remetia para lei especial. Mas não foi uma lei que fez a regulamentação, mas sim o Decreto nº 4.827, de 7 de fevereiro de 1924 (art. 3º).

 

T. de Freitas na Consol. art. 747 nota (2) diz o seguinte:

«Aqui se trata das sociedades particulares em contraposição às universais. Em que casos as sociedades particulares se deviam reputar civis ou comerciais? Não se pense que as sociedades reguladas no Cód. Com. são sempre comerciais; pois que também podem ser civis, como se deixa ver o D. n. 2711 – de 19 de Dezembro de 1860, ao menos quanto às sociedades anônimas.»

Continuando diz mais adiante:

«A nossa legislação civil é omissa sobre a forma e prova dos contratos de sociedade civis, excetuadas as anônimas reguladas hoje pelo citado D. 2811 – de 19 de Dezembro de 1860.

«Será essencial a forma escrita, como exige o art. 300 do Cód. do Com. para as sociedades comerciais, excetuada a sociedade em carta de participação? Entendo que a forma escrita  é essencial sempre que as sociedades civis forem das mesmas espécies para as quais o Cód. do Com. a exige; não assim quando não forem dessas espécies, quando não tiverem firma social, casos em que domina a regra geral do Al. de 30 de Outubro de 1793 consolidado no art. 368 supra.

«Deverão porém os contratos de sociedade civis ser registradas (sic), quando eles forem de espécies que o Cód. do Com. manda registrar? A razão é a mesma, porém  não é possível registrar nos Tribunais do Comércio contratos de sociedade civis.»

Vide Ferreira Borges – Jurisp. to. 1 §§ 16 e 17 e notas, e Costa Franco – Trat. Prat. to. 2 p. 1 cap.4.

 


 

        Em outra nota de rodapé do Livro 4 das Ordenações Filipinas tem-se um dos diversos pontos em que se pode perceber a difícil situação jurídica das mulheres no século XIX e tempos anteriores.

 

T. de Freitas na Consol. art.758 § 1 nota (2) diz o seguinte:

«A sociedade não se dissolve pelo falecimento da mulher de qualquer dos sócios, ainda que os herdeiros sejam menores, continua como o viúvo, ficando reservado para sobre partilha do casal o que ele vier a receber da partilha social em tempo próprio.

«A incapacidade civil que sobrevêm a qualquer dos sócios por alienação mental, e declaração judicial de falência (Cód. Crim. art. 335 n. 2), está no mesmo caso do falecimento, e dissolve a sociedade. Não está porém no mesmo caso a incapacidade civil superveniente pelo fato de casamento da mulher sócia, e esta passa a ser representada por seu marido.

«Posto que a sociedade se dissolva por morte de qualquer dos sócios, são válidas e obrigatórias para os herdeiros do sócio falecido, e para os outros sócios, os atos e contratos sociais que se tenham feito antes da notícia morte, ainda que o resultado dele não seja vantajoso.»

Consulte-se também a nota ao art. 653 da mesma obra.

         Também se vê em nota de rodapé que, ainda no século XIX, não se praticava a soberania jurídica, pois se usava como fonte do direito subsidiária normas de Direito Romano e de outros países.

 Texto das Ordenações:

 

Porém o que algum dos companheiros gastou fora da Companhia ainda que fosse em algum acontecimento, que tivesse origem por ocasião da Companhia, não se tirará, nem pagará.

Nota de rodapé:

Ferreira Borges na Jurisp. § 105 nota, acha inconciliável esta disposição com a do  § 10 que começa da mesma maneira, e mostra que os compiladores Portugueses seguiram aqui a opinião do Jurisconsulto Labeon, chefe da escola dos Proculeanos, que sustentavam o principio de que estas despesas não tinham tido lugar por negócios da sociedade, que disso apenas havia sido a causa ocasional.

A opinião contraria era defendida pelo Jurisconsulto Juliano, da escola dos Sabinianos.

Os Códigos da Prússia, e o Civil da França no art. 1852 seguiram a ultima opinião, mais razoável e mais justa.

Lima no com. ao § 10 n.2, e a este § n. 3 e 4, explica a doutrina à maneira de Labeon: Eis suas palavras:

«Quibus non obstatibus, vera est nostra assertio: quia aliud est damnum contingens in rebus ad socitatem spectantibus, seu causa societatis, et aliud est damnum contingens origine societatis; ita ut prætium sit solvendum de communi, ut disponit text in § 10 hujus tituli; secundum, cum sit factum extra societatem nom est de illa solvendum, ut text. hic.»

 


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