sábado, 4 de dezembro de 2010

De Trem para Rio do Sul 2

Corria o ano de 1968. Um sábado, 13 horas e nos reunimos na Estação de Trem em Itajaí. Era uma turma de guris, todos estudando no Colégio Salesiano. Havia de pré-adolescentes a adolescentes. Eu estava com 11 anos. O passeio foi organizado pelo Pe. Schmidt (Heriberto José). Junto com ele, iam dois Professores (Renato e Adalberto), todos para tomar conta da gurizada. O passeio era para ser todo de trem, mas havia um problema numa ponte na Canhanduba, ainda em Itajaí. Por isso, íamos de litorina até a ponte a ali fazíamos uma baldeação para o trem. Foi a primeira vez que ouvi a palavra baldeação. Litorina era uma espécie de ônibus sobre trilhos. Ou um vagão motorizado.
Locomotiva defronte à Pref. de Blumenau
Pois bem. Cada guri foi levado por seus pais na estação de trem. Levávamos roupa para um pernoite e o dia seguinte. Estes passeios, como são os primeiros que fazemos com certa autonomia, sem os pais, se tornam eventos marcantes nas nossas vidas. A gurizada, em geral, estava eufórica. Lembro-me bem do prédio da estação: de madeira, pintado de amarelo, alto – para ficar no mesmo plano do vagão do trem – com rampas por onde se subia para a plataforma de embarque. 
Além das malas, levávamos as bandeiras dos clubes de classe, novinhas naquele ano, pois o Pe. Schmidt recentemente os tinha criado. Alguns guris também levavam cigarros. Cigarros normais, pois ainda não havia drogas no meio estudantil de Itajaí. 
Embarcamos na litorina e teve início a viagem. O grande perigo era colocar braços ou cabeças para fora da janela, pois postes ou pontes ficavam muito próximos e logo nos foram contadas histórias de rapazes decapitados na litorina ou no trem. Era assim que nos persuadiam.
Passava o terreno com sipilho, atravessávamos a rua Uruguai, bairro Matadouro, Parque Dom Bosco, Casa dos Gal até a parada para baldeação. Depois, já no trem a vapor – uma maria-fumaça como a das fotos – seguíamos viagem. O trem era da EFSC (Estrada de Ferro Santa Catarina). E se ia pela estrada, vendo mato até Ilhota, Gaspar e Blumenau.
Volta e meia e trem parava. Ou apitava. Como há hoje, naqueles idos também havia guris chatos, que soltavam uns guinchos para acompanhar o apito do trem. Outros fumavam, ainda sem saber tragar. Eram aqueles cigarros mentolados, fumados por quem não fuma.
O vagão era esculhambado. O porta-bagagem de mão (onde iam pequenas malas e as bandeiras dos clubes de classe) era de ripas de madeira; os assentos eram de madeira. Interessante era o encosto: podia ficar para frente, de modo que quatro pessoas ficassem duas de frente para duas (uma dupla viajava de costas para a frente do trem) ou duas de costas para duas (todos viajando para a frente do trem – como se senta em ônibus).
E se seguia, após Blumenau, para Indaial, Timbó, Rodeio, Ascurra, Apiúna, Ibirama, Lontras e Rio do Sul. O homem do tíquete ia gritando o nome do lugar onde se passava. Perto de Apiúna ele gritava “Subida”, que era o nome de um lugar. Nunca mais esqueci este nome e nunca consegui fazer uma visita no lugar “Subida”.
Locomotiva da EFSC
Antiga locomotiva em Blumenau
A noite chegava e ainda viajávamos (a chegada em Rio do Sul era às 20 horas). Então a gente conseguia olhar a locomotiva e ver o fogo que aquecia a caldeira brilhando no chão. E a locomotiva apitando e os guris aborrecendo com seus gritos. Interessante, mesmo quando criança, estes gritos de outras crianças já me aborreciam.
E chegamos a Rio do Sul. Era noite. Fomos para o Colégio Salesiano de Rio do Sul. Lá, aquele bando de guris, na faixa dos 11 aos 15 anos, foi introduzido no dormitório: um salão cheio de camas, que fora do internato, já então desativado. No final da década de 1960 já eram raríssimos os internatos.


Nos levaram para uma janta, no próprio colégio. Depois, levar a gurizada para dormir. Até impor a disciplina, o fim dos gritos e algazarras, os padres e professores gastaram algum tempo com broncas, ameaças e punições. Depois todos dormiram. No dia seguinte, café da manhã, missa (quando foram apresentadas as bandeiras dos clubes de classe), almoço e retorno de trem para Itajaí.

Um comentário:

  1. Gostei muito, muito mesmo. A última vez que li, vi ou ouvi a palavra "sipilho" foi nos idos dos anos 60 ainda em Itajaí. Este relato da belíssima viagem, de trem para Rio do Sul, foi como se eu estivesse lá, ou vendo um filme da minha época do Salesiano. Eu fiz esta viagem de trem com os meus pais de Itajaí para Blumenau +/- em 1960.
    Abraços amigo Brandão, fico no aguardo de novos relatos desta época inesquecível.

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