Nesta postagem veremos como se dava a demissão dos criados. Tanto eles podiam ser despedidos pelos amos, quanto se demitirem. Um detalhe curioso é que, se o amo despedisse o criado estando num acesso de raiva, esta demissão só valeria quando passasse o acesso de raiva. O texto do Livro 4 das Ordenações Filipinas também disciplina os casos de amos que despedissem criados sem os pagarem e criados que se demitiram já tendo recebido o pagamento. O nome da remuneração dos criados era “soldada” e não “salário”.
As notas de rodapé que transcrevo estão em destaque colorido.
TITULO XXXIV.
Do que lança de casa o criado que tem por soldada.
O homem que deitar fora de casa o mancebo, que tomou por soldada, antes de acabar o tempo per que o tomou, pagar-lhe-á toda a soldada, pois o deitou fora, e não quer que o sirva. E se o que está por soldada, deixar o senhor, antes que acabe o tempo do serviço, sem culpa do senhor, deve-lhe tornar a soldada, se já a tiver recebida, e mais servir de graça todo o tempo que lhe faltava por servir; e se lhe ainda não tinha paga a soldada, não será obrigado a lha pagar, e será constrangido pelas Justiças, onde quer que estiver, que venha acabar de servir. E se for órfão, guardar-se-á o que temos dito no Livro Primeiro, Título 88: Dos Juízes dos Órfãos, parágrafo 17: E se os Órfãos fugirem.
A expulsão do criado pelo amo estando este irado não se reputa perfeita: se a não mantém depois de passada a raiva ou ira (Barbosa no com. n. 2).
O criado deve esperar que passe a excitação. (Silva Pereira no Rep. das Ords. to. 1 nota (c) pag. 722 e nota (a) e pag. 723 e to. 3 nota (a) pag. 290).
O conceito de mancebo se encontra no livro 1 das Ordenações Filipinas: Mancebo, i. e., o servidor por soldada, ou criado.
Na nota de rodapé abaixo, se percebe que leis estrangeiras (no caso, o Código da Prússia) eram usadas como fonte do direito no Brasil no Século XIX, provavelmente porque ainda não se tinha fixada a noção de soberania jurídica. E esta falta de postura jurídica soberana ainda se manifestou em leis republicanas, como é o caso do artigo 386 do Decreto nº 848, de 11/10/1890, que organizava a Justiça Federal:
Art. 386. Constituirão legislação subsidiaria em casos omissos as antigas leis do processo criminal, civil e comercial, não sendo contrarias ás disposições e espirito do presente decreto.
Os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regem as relações jurídicas na Republica dos Estados Unidos da América do Norte, os casos de common law e equity, serão também subsidiários da jurisprudência e processo federal.
Prossigamos, com a nota de rodapé do Livro 4 das Ordenações Filipinas:
Sem culpa do senhor. Havendo, não está obrigado à restituição, nem à pena do serviço.
Sobre as causas justas por que o amo pode despedir o criado, ou este despedir-se a seu arbítrio consulte-se Corrêa Telles - Dig. Port. to. 2 de n. 1252 a 1275.
Corrêa Telles – Dig. Port. to. 2 n. 1258 nota (c), limita a três meses esta pena, depois de findar o ano do ajuste, a menos que não seja o criado menor e fugir, por que neste caso a pena não deve exceder de seis meses.
De argumento da Ord. deste liv. t. 23 § 1 estabelece Corrêa Telles a doutrina de que o amo, que não está contente do criado, que tem por ano, ou deste que não quer servir além, deve despedi-lo ou despedir-se, 30 dias antes de terminado o prazo.
O Código da Prússia no art. 111 marca seis semanas para os criados da cidade, e três meses para os do campo.
TÍTULO XXXV.
Do que demanda ao criado o dano que lhe fez.
Se o mancebo, vivendo com outrem, lhe fez perda alguma, deve-lha emendar e pagar, ou descontar de sua soldada; e isto haverá lugar, se ao tempo, que o mancebo se dele partir, lhe requerer perante o Juiz a perda, que lhe tem feita, ou perante homens bons. E se ao dito tempo lhe não requerer, não lha poderá demandar depois ao tempo, que o mancebo vier demandar a soldada, porque parece que o faz por lhe pagar mal sua soldada. E isto se entenderá, se o mancebo acabou de servir o tempo, que era obrigado; porque partindo-se antes do tempo acabado, não poderá demandar a soldada, como dissemos no Título precedente.
Barbosa no com. desta Ord. n. 6 referindo-se aos criados diz: et famulorum natura est furacissima, recordando-se sobretudo da época em que estudara na Universidade de Coimbra, onde os criados de estudantes muito se distinguiam já naquelas épocas, por esse defeito.
No Dig. Port. to. 2 n. 1230 estabelece Corrêa Telles a doutrina de que só por dolo ou culpa grosseira pode ser responsabilizado o criado, de conformidade com o Código da Prússia arts. 64 e 65; julgando, e com razão, mui rigorosa a opinião de Barbosa com. n. 2 e de Silva com., que indistintamente julgam responsável o criado por culpa leve.
Homens bons, i.e., os de que tratão as Ords. do liv. 1 t. 58 § 44 e t. 65 § 2.
Estes Juízes hoje estão abolidos, e nesta parte a presente Ord. se acha sem vigor.
Sobre o conceito de homens bons ver minha outra postagem aqui.
Para que o amo possa ter ação contra o criado que se despede do serviço, é indispensável que proteste pela sua indenisação no ato da saída: assim entende Côrrea Telles no Dig. Port. to. 2n. 1234; e sem este protesto não pode o amo demandar mais a indenisação.
Parece-nos exagerada esta doutrina, porquanto muitas vezes o criado retira-se sem que o amo possa saber logo o dano que lhe causou, para protestar pela indenisação.
1. E no caso, onde o amo pode demandar o dano ao mancebo, terá quatro dias para o provar, e mais não. Porém, querendo pagar logo a soldada, e que lhe seja dado mais tempo para provar o dano, se lhe dará, segundo for razão, e parecer justo ao Juiz.
Este processo não existe no nosso fôro, assim o atesta T. de Freitas na Consol. art. 68 nota (1); e não o contraria Rebouças nas suas Observações.

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