quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Prescrição e Provas dos Pagamentos dos Criados

    Pelo texto do livro 4 das Ordenações Filipinas, se percebe que os criados moravam com os amos.

   Este costume de moradia com os patrões continuou existindo, entre nós, até o século XX, quiçá século XXI. As casas possuíam as chamadas “dependências de empregada”, nas quais as empregadas domésticas dormiam. Havia o quarto da empregada e seu banheiro. As empregadas domésticas dormiam e faziam suas refeições na casa dos patrões. Elas viviam com os patrões, muito assemelhadamente com os criados cuja relação com os amos era regulamentada nas Ordenações. Ainda hoje há apartamentos à venda com dependência de empregada - ver aqui, aqui e aqui - acesso em 8/9/2025. Sobre a viabilidade econômica de tais apartamentos, na atualidade, há uma matéria interessante aqui - acesso em 8/9/25.

    O pagamento feito aos criados - no texto das Ordenações - se chamava soldada.

   A seguir, vamos ver os prazos prescricionais das demandas entre criados e amos e como se poderia provar a relação de trabalho.

“TÍTULO XXXII.

 Que se não possa pedir soldada, ou serviço passados três anos.

 Os homens e mulheres que morarem com senhores, ou amos a benfazer, ou per sol­dada, ou jornal, ou per qualquer convença, se depois que se deles saírem, passarem três anos, e seus senhores e amos esti­verem sempre nesses lugares, onde se deles serviram, sem se deles partirem, e os tais servidores e criados os não demandarem nos ditos três anos por seu serviço; não os poderão mais demandar, nem serão a isso recebidos, nem seus amos mais obri­gados a lhes pagar. Porém aos menores de vinte e cinco anos começarão de correr os ditos três anos, tanto que chegarem à idade de vinte e cinco.

    Nas notas de rodapé temos comentários e explicações:

Três anos. É o prazo da prescrição para sol­dadas nos casos desta Ord.

As interpelações extra judiciais parece, diz Corrêa Telles - Doutr. das Acç. § 381 nota (5), serem bastantes para interromper esta prescrição. Silva no com. n. 21.

Silva Pereira no Rep. das Ords. to. 3 nota 4 pag. 291, diz que provando o criado que não foi pago, não pres­creve a dívida (Gama - Dec. 334), e apresenta outras limitações que excluem esta prescrição.

O Capelão de uma casa não se reputa criado, e esta Ord. não lhe é aplicável (Pereira de Castro - Dec 46 n. 3).

É indispensável que o amo que houver pago apresente logo esta exceção a fim de não ser condenado, visto ser sumária esta ação (Silva Pereira – Rep. das Ords. to. 1 nota (b) pág 724).

 

Hoje 21 anos, porque é quando atualmente cessa a minoridade.

Esta disposição se acha de harmonia com a da Ord. do liv. 3 t. 42 pr. nota (1).

Vide Barbosa, e Silva, nos respectivos com., Pereira de Castro - Dec. 46, e Almeida e Sousa - Açc. Sum. to. 1 pag. 388, Seg. Lin. to. 1 pag. 223, e  Notas a Mello to. 2 pag. 17 e to. 3 pag. 215, 233 e 234.

 

    Prossegue o texto das Ordenações, tratando dos casos em que criados reivindicavam pagamentos que já haviam recebido, muitas vezes quando os amos já eram falecidos:

 

1. Mas porque muitas vezes se viu per experiência, que muitos, que viveram com senhores, ou amos, depois de receberem suas soldadas, ou salários, passados alguns anos, pedem satisfação de seus serviços, que já receberam, esperando, que os que sabiam serem eles satisfeitos, ou morram, ou se absentem (ausentem, no português atual), ou lhes não lembre a ver­dade do que passou; o qual atrevimento tomam maior, quando os senhores já são defuntos, que não podem dar razão do que pagaram, nem perante quem; e porque no dito caso o engano está mais fácil, porque poucas vezes os senhores pedem aos criados que com eles vivem, conhecimentos e qui­tações do que lhes dão: Por evitarmos as ditas fraudes, ordenamos que todo o lacaio, ou criado, que estiver com amo aos meses, com lhe dar de comer e beber, e no cabo do mês certa coisa, que os tais criados não possam pedir soldada de algum mês, que hajam servido, passados três meses, de­pois que saírem de casa de seus amos. E se a ração de comer lhes derem a dinheiro seco, não poderão pedir senão até dez dias depois de saídos dos ditos seus amos; por que se presume, que estão pagos e satis­feitos, pois não pediram o salário no dito tempo.

 TÍTULO XXXIII.

 Por que maneira se provarão os pagamentos dos serviços e soldadas.

Porque ordinariamente os homens que têm criados, lhes pagam pelo miúdo o que lhes os criados pedem à boa conta de sua soldada, e sem buscarem testemunhas, que lhes vejam pagar, nem cobrarem escritos dos criados, e depois daí a tempo lhes vão pedir a soldada e salário de seu serviço, que todo ou em parte lhes pagaram, e por os senhores ou amos não terem prova são condenados; esguardando Nós as ditas fraudes, e considerando outrossim, que muitas vezes os criados passariam mal, se os amos lhes não houvessem de socorrer a suas presentes necessidades, sem os ditos criados fazerem conhecimento de qualquer miúda coisa, que pedissem: Ordenamos que dando algum senhor dinheiro a criado seu perante outros seus criados, ou fami­liares, e dando alguns deles por testemunhas que jurem, que lho viram dar, ainda que não digam a quantia, e jurando o dito senhor, como lhes pagou tudo, ou certa parte, se haja por prova bastante, até quan­tia de dez mil réis; sendo os ditos seus amos pessoas de qualidade, como Escudeiros ou daí para cima, ou Mercadores acre­ditados.

    Em notas de rodapé há explicações sobre certos termos:

Esguardando, i. e., atendendo, tomando em con­sideração, dando resguardo, etc. 

Mercadores acreditados, i. e., os matriculados, ou que gozem de reputação por sua probidade e fortuna.

Vide Barbosa, e Silva nos respectivos com., Al­meida e Sousa - Fascic. to. 1 pag. 130, Seg. Lin. to. 1 pag. 530, e  Notas a Mello to. 2 pag. 65.

    Seguem-se as descrições dos meios de prova dos pagamentos. Neste ponto é interessante que se fica sabendo como se obtinha o título de doutor no Século XVII, em Portugal: 

1. E sendo a quantia de dez mil réis para cima, qualquer que seja, havendo co­nhecimento do tal criado, escrito e assi­nado per ele, e não sabendo ele escrever, assinando por ele outra terceira pessoa, e outra testemunha mais, per que confesse receber em todo, ou em parte sua soldada, dar-se-á crédito ao assinado, como se fosse escritura pública.

2. E sendo os amos já falecidos, bas­tará para prova da paga dos serviços, que os criados pedirem, a declaração, que os ditos seus amos fizerem em seus testa­mentos, ou outras quaisquer últimas von­tades, ou a relação, que nelas fizerem a seus livros de razão, onde esteja assentado, sendo os defuntos Arcebispos, Bispos, Abades Bentos, ou Fidalgos, ou Cava­leiros Fidalgos, ou per Nós confirmados, ou Doutores em Teologia, Cânones, Leis e Medicina, feitos em estudo universal por exame, ou Oficiais de Justiça, que sejam de nosso Desembargo; porque por a qua­lidade de suas pessoas, e o tempo da morte, com cuja lembrança dispõe das coisas de sua alma, queremos que lhes seja dado este crédito.

    Algumas explicações estão nas notas de rodapé: 

Livros de razão, os em que se lança em resumo a conta da receita e despesa, extraída do denominado Diário.

Sobre o valor probatório destes livros consulte-se além de Reinoso - Obs. 47, o Código do Comércio art. 20.

Deste privilégio também gozam os Bacharéis em Direito, e em Letras (Barbosa no com n. 2).

Estudo universal por exame, i. e., exame em Uni­versidade


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