domingo, 19 de outubro de 2025

Origem da Trapaça e o Conceito de Anatocismo

        Em um trecho do livro 4 das Ordenações Filipinas vamos encontrar uma provável origem da palavra TRAPAÇA. Segundo nota de rodapé, era chamada "trapaça"  a venda fictícia feita para um terceiro (um laranja) por um alto preço, que a revendia para o verdadeiro comprador, por um preço bem mais baixo. A diferença entre o alto e o baixo valor era a forma de burlar a proibição de cobrança de juros. A esta operação se chamou TRAPAÇA.  

No mesmo trecho do Livro 4 das Ordenações Filipinas vai-se encontrar o conceito de Anatocismo (a cobrança de juros sobre juros).

 

8. Por quanto somos informado, que se fazem muitos contratos ilícitos entre Mercadores e outras pessoas, os quais por en­cobrirem as usuras, vendem mercadorias e coisas fiadas a pessoas necessitadas, que não são Mercadores, nem tratantes, para nelas haverem de tratar e ganhar, e que os compradores lhas tornam logo dar e vender por muito menos, do que as compram, por lhes darem o dito dinheiro para suprimento de suas necessidades, ou as vendem a ou­tros por muito menos preço, do que as compram, por lhes darem logo o dinheiro, de maneira que não somente recebem dano no preço, em que as compram fiadas, mas ainda na venda delas (1): E além disso ficam suas pessoas obrigadas a pagar o primeiro preço, por que lhe foram vendidas, e por não poderem pagar nos tempos limitados em seus contratos, fazem outras novas obri­gações, confessando a dívida com interesses, e fazendo dos ditos interesses dívida principal (2).

 

[1] Segundo Barbosa no com., este contrato era conhecido pelos Italianos pela designação de Trochi Varochi, entre os Espanhóis pelo nome de Mohatras, tendo em Português o nome de Trapaças.

A Lei de 24 de Outubro de 1832 dando ampla latitude ao contrato dos juros acabou com esse fraudulento recurso, sem melhorar a sorte das vítimas da usura.

Ferreira Borges no seu Dicc. art. Mohatra diz o seguinte:

«Mohatra. É este o nome que alguns Casuístas deram ao contrato usurário, que se pratica quando alguém vende por muito alto preço a crédito, e compra a mesma coisa ao comprador a vil preço (Crivelli, Jorio.)

«Não nos lembra de haver encontrado na Jurisprudência Romana menção deste contrato: é todavia certo que a malícia do homem, e as infinitas con­venções comerciais o inventaram, e nós vimos em nossos dias um grande exemplo desta espécie, e uma Carta Régia expedida para salvar um usurário, que no rigor da nossa Legislação teria pelo menos visitado as praias malignas da adusta África.

 

[2] É este o contrato chamado Anatocismo, pelo qual os Juros vencidos acrescerão ao capital, ficando também a vencer juros.

A Lei de 24 de Outubro de 1832 autoriza estas acumulações, que aliás não permite o Código Comercial no art. 253, que assim dispõe :

«É proibido contar juros de juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano.

«Depois que em Juízo se intenta ação contra o devedor, não pode ter lugar a acumulação de capital e juros.»

T. de Freitas na Consol. art. 361 nota (1) sustenta a nosso ver sem fundamento que o Cód. Com. no artigo supra citado, não reprova o anatocismo.

Corrêa Telles no seu Dig. Port. to. 3 art. 1144, propõe de conformidade com a Lei 10 Cod. de usuris, e Cód. Civil Francês  art. 2277, que se não possam acumular juros de mais de cinco anos.

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