segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Top Less e a Lei

Dia 21 de setembro é o fim do nosso inverno e o fim do verão no hemisfério norte. Em muitas praias da Europa o topless é prática normal, que nem abala as pessoas. Em Marbella (sul da Espanha) por exemplo, mulheres fazem top less na areia da praia e ninguém se importa. Na piscina do hotel, a mesma coisa. Lá há também os contrastes: na mesma piscina vi mulheres fazendo top less e outra (bastante jovem) totalmente vestida, só expondo o rosto, as mãos e os pés (tudo me fazia crer que era muçulmana mas, como não lhe perguntei sobre a religião, fica a dúvida).
Não consigo, porém, ter certeza se o top less na Europa é tão natural quanto parece, pois nestes albuns públicos que existem na internet, poucas mulheres que fazem top less nas praias se deixam fotografar em total exposição e colocam estas fotos na rede mundial.
Nos albuns públicos da internet, como há fotos de mulheres fazendo top less mas cobrindo o corpo com as mãos, fica a impressão de que mantêm a ideia de que, na nudez, ainda que parcial, há algum tipo de transgressão.
No Brasil o top less não pegou. Houve alguns episódios na década de 80, tolerados na ocasião, depois a coisa foi sumindo e, ultimamamente, quaisquer tentativas são reprimidas.
Mas nossa legislação não tem uma proibição explícita ao top less ou ao nudismo.
O artigo 233 do Código Penal pune a prática de ato obseno em lugar público, aberto ou exposto ao público (Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público). Este artigo 233 não diz claramente, portanto, que a nudez total ou parcial é um ato tido por delituoso. Nem, portanto, que o top less (seios nus) o é. No referido artigo apenas se estabelece punição para atos que, sob a denominação genérica de "obscenos", venham a ser praticados sob as vistas da população (para ver o artigo 233 e a íntegra do Código Penal, clique aqui).
A palavra "obsceno" deriva do latim "obscaenus" e, segundo o Dicionário Esclar Latino-Português (FARIA, Ernesto. Rio, MEC/DNE/Campanha Nacional de Material de Ensino, 2ª edição, 1956) dá os seguintes significados para ela: I-Sent. próprio (língua augural): 1) De mau agouro, sinistro (...). II - Daí, na língua corrente: 2) De aspecto repelente, que se deve ocultar ou evitar, indecente (...). 3) Obsceno, impudico, desonesto (...). 4) Imundo, porco (...).
O tema tratado pelo art. 233 do Código Penal também é objeto do art. 61 da Lei das Contravenções Penais: Art. 61. Importunar alguem, em lugar público ou acessivel ao público, de modo ofensivo ao pudor (veja aqui a íntegra da Lei das Constravenções Penais).
A palavra "pudor" vem do latim "pudor, oris", cuja origem é "pudeo", que significa "ter vergonha ou causar vergonha" (BUENO, Francisco da Silveira. "Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa". Santos, Editora Brasíia. 1974, 9 volumes).
Assim, vai depender da interpretação social e da forma como a Autoridade vai captar esta interpretação, a consequência jurídica da nudez pública. Se alguém for processado por praticar a nudez em público (mesmo que parcial - caso do top less), tudo vai ficar na dependência da interpretação que o Poder Judiciário der às normas do Código Penal acima citadas.
Gay Talese, no livro "A Mulher do Próximo" pesquisou as decisões da Suprema Corte dos EUA sobre nudez e constatou um abrandamento às restrições no decorrer do século XX.
No Brasil achei poucas decisões do STF.
Sobre top less, o STF diz que O QUE A LEI TUTELA, NO CRIME DEFINIDO NO ART. 233 DO CÓDIGO PENAL, É O PUDOR COLETIVO, OBJETIVAMENTE CONSIDERADO, POUCO IMPORTANDO A CONCEPÇÃO PESSOAL DO AGENTE A RESPEITO DA OBSCENIDADE DA AÇÃO QUE PRATICOU OU PRETENDE PRATICAR; 3) COMPETE A AUTORIDADE PÚBLICA AFERIR O SENTIMENTO MEDIO DE PUDOR COLETIVO E FAZÁRIO DESPROVIDO.
Esta decisão foi dada num Recurso em Habeas Corpus nº 50828 / GB, vindo do antigo Estado da GUANABARA, que foi julgado em 1973 (leia a decisão aqui).
Sobre mostrar as nádegas num teatro, o STF diz que não há crime (leia a decisão aqui).
Curioso, portanto, que, num país em que há quem apregoe que só cumpre a lei quem quer, haja normas cuja aplicação dependa de um esforço de interpretação e que, no entanto são tão rigorosamente obedecidas, como é o caso da proibição do top less. Mesmo que esta proibição só decorra do significado que se der às palavras da lei.

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